O medo

Como acreditar, fora do jornalismo e dos partidos, que meia dúzia de caciques nos proteja e defenda?

Fui ao norte passar as férias, mais precisamente ao Minho e a Trás-os-Montes. Pelo caminho só havia um cartaz abandonado e sujo na Mealhada. Começou ali uma nova educação: entrei num país sem campanha e sem eleições.

Vi amigos meus, vi amigos da minha mulher; falei com o pessoal de hotéis, de restaurantes, de bares. Ninguém, como se fosse de comum acordo, me disse uma palavra sobre política. Não ouvi sequer uma alusão às trapalhadas do dia ou à situação, um pouco mais grave, do país. Nada. Fiquei sem saber como é que os fabricantes de sondagens conseguem extrair uma opinião ao português comum. Ou se o português comum os vai aturando contraidamente por pena ou comodismo. Mas não me pareceu que ninguém lhes respondesse por gosto.

O descrédito da política não explica esta abstenção. Nem explica a tristeza que encontrei por quase toda a parte. As pessoas andam inquietas. Pior do que isso andam com medo. Medo do que lhes poderá suceder com António Costa ou com Passos Coelho. Costa pede por aí “confiança”, ou seja, que não tenham medo dele. E Passos finge que as coisas voltaram, ou estão a voltar, a uma normalidade que as pessoas não reconhecem e não sentem. Calar a boca é o mais recomendável nestas circunstâncias. A não ser com turistas. Os turistas não relembram desgraças. Uma conversa com nativos corre imediatamente o riso de resvalar para a gritaria ou, nos piores casos, para o insulto e a calúnia. A discrição do país é com certeza a melhor maneira de atravessar o mau tempo com uma certa paz.

Não quer isto dizer que o medo se transforme em abstencionismo. Quer dizer que a maneira como o medo irá votar não é calculável. Não me admirava nada que desse uma maioria à coligação, ao PS ou a nenhum deles. Com os sarilhos que se acumulam sobre a nossa cabeça, o medo cresce mas não pensa. E, não pensando, talvez produza um desastre maior do que o que precisamente tentou evitar. Os jornais de Lisboa chegam tarde ao norte, os noticiários da televisão despejam dia a dia uma enxurrada de calamidades. Como acreditar, fora do jornalismo e dos partidos, que meia dúzia de caciques nos proteja e defenda? Estes quinze dias fora do circuito normal da minha vida e longe dos produtores de propaganda mostraram bem a futilidade do formigueiro a que hoje voltei.

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