Um “largo historial de procura de entendimentos”

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Mário Soares e Álvaro Cunhal no desfile do 1.º de Maio de 1974 Carlos Gil

O “problema na definição de alianças à esquerda, que perdurou até hoje”, nunca foi do PCP, garante Domingos Abrantes. “Nós sempre procurámos entendimentos. Fizemos dezenas de propostas em relação às legislativas e às autárquicas, pelo menos até António Guterres tenho conhecimento pessoal disso. Houve um largo historial de procura de entendimentos com o PS”, assume o histórico dirigente comunista.

Antes do 25 de Abril, ocorreram “dois encontros do PCP com o PS, um em 1973 e outro em 29 de Março de 1974, com delegações chefiadas por Mário Soares e Álvaro Cunhal”, lembra o membro do Conselho de Estado, sublinhando: “Neste último, em que estive presente, há já uma ideia de que nos aproximamos do derrube do fascismo, que o entendimento entre os dois partidos era necessário para a democracia e que os dois deviam defendê-lo.” E revela que dessa reunião saiu uma “base de entendimento” que incluía temas como “a reforma agrária e a melhoria de vida dos trabalhadores”.

Ora essa aproximação, que era defendida também por “ gente no PS”, acabou por “ruir, depois do encontro entre [António de] Spínola e Mário Soares, a 29 de Abril de 1974”, porque “havia uma linha clara no PS de rever esse entendimento e de assumi-lo com a direita”. Após as eleições constituintes de 1975, perante a existência parlamentar de “uma maioria de esquerda, o PS optou por ser governo sozinho”, lembra Abrantes, concluindo que “as alianças do PS com a direita são opções do PS e não fruto da conjuntura”.

Revelando na primeira pessoa pormenores sobre as relações entre PS e PCP nos primeiros anos de democracia, Domingos Abrantes garante que “Mário Soares não foi proibido de falar” no primeiro 1º de Maio de 1975. E relata a reunião preparatória da manifestação, que decorreu na sede da CGTP, em que representou o PCP com José Vitoriano, tendo o PS sido representado por Mário Sottomayor Cardia. “Fomos confrontados com a posição de que PS só falaria se o PPD falasse e nós achámos isso uma afronta. Tentámos que o PS participasse e até propusemos que não falássemos nem nós nem o PS”, relata, prosseguindo: “Nessa reunião o Cardia levantou uma tese surpreendente de que a situação e a estabilidade da democracia dependia da aliança com o PPD, com a direita, a ideia de que não se devia radicalizar. E deu como exemplo o Chile, dizendo que se Allende não tivesse ganho as eleições, não teria havido golpe.”

Outro momento em que Domingos Abrantes garante que o PCP tentou, sem êxito, o diálogo foi no final de 1977, início de 1978. “Tivemos 19 encontros com o PS para elaborar um programa e um acordo para um Governo PS com apoio parlamentar nosso, chegamos a ter acordo escrito com partes em branco, mas não foi possível, o PS formou governo com o CDS”, conta Abrantes, que precisa: “No primeiro desses 19 encontros, pelo PCP era o Álvaro Cunhal, eu, o Carlos Brito. Pelo PS, o Mário Soares o Jorge Campinos, o Tito de Morais. Ao terceiro encontro, o Tito Morais foi afastado, ele era a favor do acordo. Quando fomos comunicar a casa do Campinos que não havia acordo, passamos em casa do Tito de Morais a explicar.”

Abrantes garante que a possibilidade de um acordo voltou a ser tentada em 1985,“quando Almeida Santos foi cabeça-de-lista do PS, e de novo se avançou bastante”, mas “ele não ganhou e ficou em nada”.

Notícia corrigida às 14h29 de 29/08: no último parágrafo referia-se 1988 em vez de 1985

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