O estado da nação já não é o que era

O debate sobre o estado da nação desvalorizou-se com a banalização dos debates quinzenais. Mesmo assim, em final de legislatura, o Governo aposta forte na energia, pela voz de Moreira da Silva.

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O debate do Estado da Nação coincide com o fim de quatro anos de legislatura Rui Gaudêncio

São, sobretudo, de ordem simbólica o peso político e a solenidade do debate sobre o estado da nação, que, anualmente, leva o Governo ao Parlamento, assinalando o final de cada sessão legislativa, e que se realiza esta quarta-feira no Palácio de São Bento. Um simbolismo que lhe advém de encerrar o ciclo do ano parlamentar e que se torna maior quando coincide com o fim dos quatro anos de legislatura, como este ano acontece.

Quando Passos Coelho e os seus ministros entrarem, esta quarta-feira, no hemiciclo, a solenidade do momento não terá o frisson que teve, noutra época, a expectativa do confronto entre o primeiro-ministro e os partidos da oposição — um momento de importância maior que durava dois dias e levava à tribuna vários ministros.

Basta lembrar a excitação que rodeava os debates sobre o estado da nação quando Cavaco Silva, como chefe de Governo, irrompia no Parlamento. Um clima que começou a desvanecer-se no consulado de António Guterres, com a novidade dos debates mensais com o primeiro-ministro. A banalização da presença do chefe de Governo na Assembleia da República surgiu com a reforma do regimento parlamentar, com a qual os debates passaram a quinzenais, era primeiro-ministro José Sócrates.

É o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, quem assume a mudança que houve no tipo de debate que, hoje, está reduzido a uma tarde. “Não há preparação especial. Com os debates quinzenais, outro remédio não temos do que estar preparados”. E mesmo reconhecendo que se está perante o fim de uma legislatura, garante: “Não tem preparação especial — ando a ler umas coisas, mas para recordar. Não é muito diferente dos quinzenais, é mais abrangente.”

Aposta na energia
Banalização à parte, a realidade é que o simbolismo deste debate leva a que seja grande a aposta na sua preparação, quer da parte da oposição, quer da parte do Governo, que, durante a tarde de trabalhos parlamentares, conta com as prestações do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, a abrir, do vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, a fechar e com a aposta na divulgação do que tem sido a governação na área da energia, apresentada por Jorge Moreira da Silva, ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e da Energia. O objectivo é o de valorizar o que tem sido o trabalho do Governo nesta área e que o executivo considera que tem sido desvalorizado pela agenda mediática, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO.

O primeiro-ministro irá fazer uma intervenção multitemática, redigida por si, mas que parte de contributos múltiplos num trabalho de equipa que tem envolvido o seu gabinete, mas também o pleno do Conselho de Ministros. De acordo com as informações que o PÚBLICO recolheu, há três semanas foram solicitados aos gabinetes dos ministros sumários da execução do programa de Governo a nível sectorial, bem como o conjunto dos dossiers mais importantes de cada Ministério. Paralelamente, foram feitas reuniões em que os ministros sugeriram ao primeiro-ministro os temas cuja abordagem consideram prioritária.

Já depois disso, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, reuniu-se com os dois líderes parlamentares, Luís Montenegro pelo PSD e Nuno Magalhães pelo CDS, para que estes se pudessem organizar de acordo com o guião de temas que o Governo escolheu para o debate. E, ao nível do gabinete do primeiro-ministro, houve reuniões de preparação de Passos Coelho em que os seus assessores anteciparam os assuntos passíveis de serem abordados pela oposição logo na primeira ronda, que deverão versar a actualidade e a legislatura. Isto para que o primeiro-ministro esteja na posse da maior quantidade de informação possível para poder responder.

Por sua vez, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, também se preparou para o encerramento do debate. E até coordenou com o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, que deputados do CDS intervêm, o que perguntam e a que ministros o fazem. Estas decisões são tomadas em consonância entre os dois grupos parlamentares, assumiu Nuno Magalhães em declarações ao PÚBLICO. Houve até reuniões e trabalho conjunto entre os coordenadores dos dois partidos. Uma coordenação que terminou na reunião das duas bancadas nas jornadas de Alcochete.

Nuno Magalhães corrobora a tese de que o debate sobre o estado da nação já não tem, hoje, a importância que teve. Considera mesmo que o peso destes confrontos muda consoante o líder da oposição se senta ou não no hemiciclo, indiciando que o facto de o secretário-geral do PS, António Costa, não ser deputado enfraquece o debate. Quanto à organização interna da bancada, Magalhães adianta que, há cerca de uma semana, teve uma primeira conversa com os seus “vices”, Telmo Correia, Cecília Meireles e Hélder Amaral.

E frisa que a organização interna é uma extensão do que normalmente é feito para os debates quinzenais, se bem que haja regras específicas, como o facto de “a distribuição de tempos fixados pela conferência de líderes obrigar a que a primeira pergunta seja feita pelo líder parlamentar.” Mas salienta que há imprevistos que só na hora são resolvidos, como a decisão de saber se “é preciso ceder tempo das bancadas para o Governo responder”. Do lado da oposição, Ana Catarina Mendonça Mendes, “vice” da bancada do PS, assume o quanto os socialistas estão a apostar neste debate. Lembra a volta pelo país, na tradição de António Guterres, que António Costa fez para “apresentar os sete pecados mortais do Governo”, temas de onde poderão sair as perguntas a fazer ao primeiro-ministro e dos quais constam a paralisação do investimento, o desemprego, a precariedade, o apoio à terceira idade, a pobreza e o mapa judiciário.

Costa fora
A volta pelo país feita à medida de um líder partidário que não é deputado e que tem que ser mediatizado antes do confronto parlamentar foi preparada com coordenação do líder da bancada, Eduardo Ferro Rodrigues, e contou com a colaboração dos coordenadores distritais e das estruturas do PS a nível nacional. “As estruturas locais são muito importantes para perceber como as coisas estão a acontecer no país.”

Dentro e fora do Parlamento, foi preparada também a prestação da bancada do PCP. O líder parlamentar, João Oliveira, explicou ao PÚBLICO que “a preparação do debate obrigou a alguma antecedência e a uma discussão alargada do balanço do que foi a governação”, com a “consciência de que há que projectar no futuro”.  Esta preparação foi feita no “colectivo, para que cada um dê o seu contributo em relação às suas áreas de trabalho e às questões políticas que se colocam no país”. Já depois houve “espaços de reflexão ao nível da direcção do grupo e da do partido”.

Já o BE determinou, “numa reunião do grupo parlamentar, as áreas prioritárias”, partindo, depois, “ para o trabalho de preparação, a recolha de dados, as estatísticas, as medidas aplicadas e as falhadas”, sublinha Jorge Costa, assessor da bancada, que frisa, porém, a “desvalorização que os debates quinzenais trazem ao debate sobre o estado da nação”. Com o prejuízo de que este “formato é menos dinâmico do que o quinzenal”, já que, “no quinzenal, as perguntas são curtas, alguns segundos”, logo, incisivas e o primeiro-ministro tem mais dificuldade em fugir. Enquanto neste, “a primeira ronda de perguntas dá 5 minutos a cada”, o que dá para várias perguntas e resulta numa intervenção”.

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