O escândalo e o crime

O regime falhou. Ficou o escândalo e o crime. São as sobras.

A história começou antes de 1974. No dia 25 de Abril, excepto o PC, nenhum dos grandes partidos tinha um programa para o país, com um diagnóstico exacto da situação e o que se propunha fazer para nos levar a mais verdes pastagens.

O Rumo à Vitória de Álvaro Cunhal era naturalmente uma análise estalinista do estado de Portugal e recomendava um regime muito parecido com o que foi instalado nas “democracias populares” logo a seguir à guerra, ou seja, com algumas concessões às tendências burguesas da maioria dos portugueses. Mário Soares também trouxe do exílio o Portugal Amordaçado, que não passava de uma dissertação sobre as necessidades tácticas do momento, com uma vaga alusão ao futuro que nos preparava. O PREC arrasou tudo isso.

Daí em diante, vivemos sempre da mão para a boca. E mesmo Cavaco, que governou durante anos com uma maioria obediente, não conseguiu (como, por exemplo, Fontes, com quem frequentemente o comparavam) impor uma direcção política e um plano de governo específico e consensual. A improvisação acabou por se tornar um hábito e o eleitoralismo a regra da gente que veio a seguir. Como seria de esperar, o que a democracia conseguiu fazer não dependia do assentimento popular ou corporativo, nem da colaboração activa de qualquer grupo social. Basta pensar que uma rede de auto-estradas, a mais densa da Europa, se encomenda a especialistas como se encomenda um armário a um carpinteiro, e que em princípio ninguém a vai desaprovar ou criticar. O Serviço de Saúde encontrou uma tradição médica de qualidade e, para o resto (equipamento, edifícios, pessoal auxiliar), havia dinheiro: os doentes não faltavam e não tinham escolha.

Para lá disto, o regime falhou. Falhou na administração central e local, nas finanças do Estado, no ordenamento do território, na economia, na justiça, no ensino, na segurança social, nos transportes, na cultura, em tudo era preciso decidir e procurar o apoio do cidadão comum. A política de “casos”, de que hoje tantos se começam a queixar, acabou inevitavelmente por ocupar o vácuo que a ausência de política séria deixou na sociedade portuguesa. O país não conhece Passos Coelho, nem Costa, nem Portas, nem a extrema-esquerda; e principalmente não sabe o que eles querem, como já não soube o que queriam duas gerações de salvadores da Pátria. Ficou o escândalo e o crime. São as sobras.

P.S. – Ao contrário do que disse na última coluna, o Prof. Marçal Grilo não esteve no Encontro sobre Educação na Fundação Casa de Mateus. Peço desculpa por esse erro.

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