O doping

O Governo vive sob um efeito de doping. Cada décima da economia é vista como o disparar do crescimento. A redução da despesa em subsídio de desemprego, apresentada como um sinal de crescimento, é afinal devida ao termo do período de garantia de desempregados com direito a subsídio, bem como à redução progressiva da remuneração média à qual os subsídios estão indexados.

O investimento aumenta pela compra de viaturas importadas, mas não se diz que são essencialmente automóveis, em vez de viaturas pesadas. Outra história é a do investimento em companhias off shore de uma seguradora recentemente privatizada e cujas reservas matemáticas estão agora a servir de garantia ou colateral para investimentos desconhecidos, em vez de servirem para garantir o risco dos seguros tomados por segurados nacionais.

A compra de casas usadas aumenta visivelmente, mas não se esclarece que, em contrapartida, baixa o aforro nos bancos devido a juros tão baixos que incentivam outras colocações e aumentam o consumo, mas não de bens essenciais. A cobrança do IVA aumentou quase 8%, aguentando a despesa pública registada, mas ninguém fala das novas dívidas da Saúde (medicamentos e dispositivos médicos) que devem rondar 1,5 milhares de milhões, com tendência a subirem vertiginosamente nos meses antes e depois das eleições.

Daqui a duas semanas, o Governo vai anunciar que IVA e IRS juntos subiram acima de 3,7%, permitindo devolver parte da sobretaxa de IRS. Como não será possível fazer entrar o dinheiro nas contas bancárias dos eleitores ainda em 2015, o Governo vai disponibilizar um simulador para que cada um veja quanto pode vir a receber. Não se paga, mas anuncia-se.

Os membros do Governo parecem ter recebido formação recente em marketing. Qualquer ocasião serve para proclamarem a excelência da sua, deles, gestão. Mas pouco terão aprendido. Na Saúde, meses depois de o primeiro dos ministros anunciar saldo positivo, vem agora o ministro da pasta queixar-se de falta de meios, sugerindo um imposto específico. Logo obrigado a engolir o queixume.

Depois da experiência traumática da colocação de professores no ano transato, na Educação adia-se por uma semana o início das aulas para que os previsíveis atrasos não coincidam com a fase mais aguda da campanha eleitoral. Os pais que aguentem os filhos em casa, com os avós, nos empregos ou na rua!

Portas exibe auto-elogios e hossanas à economia, sob a forma habitual de hipérboles sincopadas. A troika, que era um respeitoso mal necessário, passou a odiosa conspiração de que nos libertámos gloriosamente. Por paradoxo, a troika aplicada aos outros, à Grécia, é um indispensável ajustamento que os relapsos gregos devem suportar em todas as reviravoltas opinativas do FMI.

O recurso à função pública, independente e imparcial, para ajudar a escrutinar o programa do PS, (tarefa que deveria caber à Rua de São Caetano e ao Largo do Caldas) depois de escancarado o escândalo ocorrido na Justiça e na Economia, é apresentado como simples “erro” dos gabinetes.

O salão nobre das Finanças é mobilizado para a assinatura de um contrato de promessa de compra e venda da TAP, pendente de várias apreciações e filtros.

Ainda antes do fim do Verão será a grande cerimónia da venda do Novo Banco, possivelmente a chineses, ao mesmo tempo que se acumulam as falências no Grupo GES, de empresas consideradas viáveis se o grupo tivesse sido aguentado em vez de desmantelado. Libertos, aliviados, como se tal alívio fosse purificação, em vez de empobrecimento.

Quando se trata de colocar um fiel servidor do primeiro-ministro, ressuscita-se a defunta representação permanente junto da UNESCO, deitando às ortigas as economias prementes que ditaram há três anos a sua fusão com a embaixada bilateral em Paris. Há que pagar fidelidades, mas pelo jeito que as coisas levam, os próprios duvidam da sua continuidade no poder.

Qualquer sucesso lá fora é ampliado como se tratasse da vitória nos Champions ou da atribuição de Nobeis. Os canais da TV, a começar pela RTP1, a partir das 21h apresentam cada vez mais futebol e menos debate político. Quando não há jogos, discutem-se transferências de jogadores, em intermináveis diálogos de opostos, arrastando penosamente o debate até fim da emissão. Estamos ainda para ver como se vai comportar a comunicação e a respectiva reguladora, para garantir isenção e imparcialidade à medida que nos aproximamos de Outubro.

Sim senhor. Diziam línguas viperinas que Passos Coelho tinha recrutado, logo de início, dezenas de comunicadores. Exagero, sempre pensámos! Mas agora tiramos o chapéu a tão articulada combinação de anúncios e eventos. Depois de Outubro tudo se esfumará? Que importa, se agora é que interessa atrair os incautos. Neste cenário de opereta ficamos sempre sem perceber se os anunciantes acreditam no que anunciam. E sobretudo se julgam que podem enganar o Zé Povo. Não sei se acreditam, mas fazem todos os esforços para o enganar, lá isso fazem. Coisa diferente é o que pensa o Povo. Professor catedrático reformado

 

Do referendo às eleições

Tsipras lava as mãos, como Pilatos. A marcação do referendo provocou a ruptura. Será o adiamento indispensável para evitar a catástrofe em Atenas e a desagregação da União? No Eurogrupo, a viabilidade financeira mínima esteve adquirida, agora será referendada. Extensão do segundo resgate, até Novembro. Atenas poderia receber 15,5 mil milhões de euros, pagar ao FMI e ao BCE. O Governo grego declarou-se disposto a acomodar a redução do saldo orçamental primário, com reformas na fiscalidade e no sistema de pensões. Base tributária alargada com agravamento fiscal nos rendimentos singulares e no IVA, que pode aumentar um ponto no PIB, com a restauração a tributar à taxa máxima (23%).Um risco para o turismo, o motor económico que ainda trabalha.

Na despesa primária, 75% são salários e o restante despesas já incompressíveis. Restam as pensões, que representam 16% do PIB, financiadas por transferências do orçamento, cerca de 10%, os credores pretendendo reduzir um ponto no PIB, o que será possível com protecção às reformas mais baixas. Em contraponto, os credores consentiriam aumentar o financiamento, reescalonando o serviço da dívida (mais tempo, menos amortização, menos juro).

Das propostas generosas e credíveis, às ameaças e ultimatos, o elástico foi esticando mas ainda não partiu. O acordo, pontual e parcial, esteve próximo. Agora, após a pirueta espera-se clareza. A solução para a Grécia não será indolor, alguém terá que pagar, em contrapartida a alternativa seria dramática. Pilatos não pode cair em desgraça junto de Calígula e suicidar-se. João Ferreira da Cruz, economista

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