O doce embalo de um governo à esquerda

Negociações do PS configuram o que em Portugal nunca se viu. E que só muito dificilmente se verá.

Para o PCP não é algo de novo, ao contrário do que alguns sugerem. Durante décadas, ainda Cunhal era vivo, os comunistas agitaram como solução para o país uma “maioria de esquerda” (é só consultar os seus documentos) que só poderia concretizar-se em aliança com “outras forças progressistas” e, claro, com o PS. A isto respondeu sempre o PS com um natural afastamento. Como ficou provado na tal manifestação da Fonte Luminosa, quando o PS se insurgiu contra o gonçalvismo, havia um abismo a separá-los, apesar de ilusoriamente ambos se irmanarem na “esquerda”. É pois natural que Jerónimo de Sousa tenha vindo a dizer que viabilizaria um governo do PS só para evitar um governo PSD-CDS e que essa viabilização não teria exigências de maior. Por enquanto, claro. Ora se Jerónimo vê aqui “uma oportunidade que seria incompreensível que se desperdiçasse” para a almejada “maioria de esquerda”, o PS, ou pelo menos parte dele, poderá ser tentado a conseguir apoios do PCP e do BE (com o qual esta segunda-feira os socialistas se reúnem) para um governo seu. Mas o que seguirá é bem mais do que uma incógnita. Se o PS seguir depois o seu natural caminho, mais convergente com o do actual Governo nas relações de Portugal com a União Europeia e os credores, a “maioria de esquerda” ruirá e o PS terá na rua, contra si, os sindicatos e seus episódicos aliados. Se, pelo contrário, ceder a propostas mais à esquerda, terá de se haver com os mercados e os impiedosos credores. O curioso, nisto tudo, é que parece ter sido António Costa o indigitado por Cavaco para formar governo, e não Passos Coelho, que aparentemente se mantém por aí calmo e à espera. As reuniões destes dias vão permitir dissipar um pouco o nevoeiro que paira sobre este inebriamento. Mas nenhum sol se verá por trás das nuvens, quando estas passarem. O doce embalo de um governo à esquerda pode não passar de uma ilusão passageira e inconsequente, como tantas outras.

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