“O discurso do medo era o trunfo do Governo, os gregos destrunfaram esta maioria”

Para vários politólogos, o discurso da coligação PSD-CDS sobre a inevitabilidade da austeridade ainda não está derrubado. Depende do desfecho da situação na Grécia. Mas também há quem defenda que, depois da “coragem” dos gregos, votar noutro governo em Portugal é “uma brincadeira de crianças”.

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Pedro Passos Coelho Daniel Rocha/Arquivo

Apesar de o referendo na Grécia, com um inequívoco “não”, ter passado uma mensagem política à qual os portugueses não são indiferentes, o que influenciará o sentido de voto nas eleições legislativas em Portugal será o desfecho da situação no país governado por Alexis Tsipras, defendem vários politólogos. Se, nos próximos tempos, os portugueses virem “imagens dramáticas”, com filas nos bancos na Grécia, o discurso da coligação PSD-CDS ganhará força. Mas há quem pense de outra forma: “O discurso do medo era o principal trunfo deste Governo, os gregos destrunfaram a actual maioria”, diz a docente Ana Rita Ferreira.

Para esta professora de Ciência Política da Universidade da Beira Interior e do Instituto de Políticas Públicas, “se há alguém na política portuguesa que sai fragilizado com o resultado” do referendo na Grécia é o executivo de Passos Coelho: “Os gregos vieram mostrar que é possível resistir ao medo.”

Nesta segunda-feira, o primeiro-ministro Passos Coelho comentou o referendo, considerando que a integridade do euro e a zona euro não são postas em causa com a vitória do “não”.  Acrescentou que o resultado no referendo de domingo “mostra claramente que o povo grego não está interessado no quadro fixado pelas negociações" com a troika e que “essa é uma vontade que deve ser respeitada”. 

"Agora cabe ao governo grego saber como quer conduzir a situação do seu próprio país. Nós não podemos ingerir nos outros Estados. Nem Portugal, nem nenhum outro país da UE tem o direito de estar a impor soluções à Grécia", sublinhou, considerando que "cabe à Grécia escolher se quer ou não permanecer no euro e se quer ou não quer ter apoio externo nas condições que as regras do euro exigem".

Para Ana Rita Ferreira, porém, independentemente do desfecho, “o sinal político do referendo está dado e nomeadamente para os eleitores portugueses”.

Até agora a leitura das sondagens mostrava que, apesar de descontentes com o Governo PSD-CDS, os portugueses poderiam continuar a votar na coligação, “por receio de uma estratégia diferente”. Para esta docente, “o referendo na Grécia pode baralhar estas cartas e retirar o peso do factor medo”: “Os gregos deram um passo tão sério que o facto de os portugueses votarem numa mudança de governo parece uma brincadeira de crianças. É impossível que os portugueses não se deixem influenciar por isso. Os gregos mostraram que não têm medo de arriscar.”

Mesmo que o desfecho seja uma eventual saída da Grécia da zona euro, esta especialista não vê como tal possa beneficiar a coligação: “Se as coisas não correrem bem na Grécia, nós também seremos prejudicados. Como é que o Governo adapta o seu discurso a uma situação destas, em que defender os interesses dos portugueses implica ter um discurso mais próximo da defesa da Grécia? Fica com a margem de manobra reduzida", afirma. 

Já se a Grécia alcançar uma situação mais favorável, o discurso da maioria PSD-CDS “cai por terra”, diz a docente, esperando que os credores não meçam “forças com 61% do povo grego”. O que está em causa é um “sinal político de valorizar a democracia”.

PS poderá ser beneficiado
O resultado do referendo poderá, então, beneficiar o PS? Ana Rita Ferreira não tem tanta certeza dos benefícios para o PS como dos prejuízos para a coligação, mas arrisca um sim: poderá ser positivo para os socialistas. No dia anterior ao referendo, o secretário-geral António Costa insistiu que o PS quer romper com a austeridade sem se meter “em aventuras”. “É isso que os portugueses querem”, diz Ana Rita Ferreira. “O PS lidou com esta situação com mais jogo de cintura e por isso adapta-se melhor”, acrescenta.

Sobre o referendo, António Costa defendeu que a vitória do “não” deve ser “aproveitada para uma nova abordagem da crise da zona euro” e não pode “servir de pretexto para tentar, ao arrepio dos tratados, excluir a Grécia do euro”. “Persistir em dar continuidade a uma estratégia errada só pode conduzir ao agravamento dos seus resultados e pôr em causa o próprio projecto europeu”, avisou. 

O líder socialista disse ainda que esta é a “última oportunidade” para o Governo português “adoptar uma posição construtiva” que procure servir o interesse nacional e a necessidade de se virar a “página da austeridade”. Sobre as críticas duras à Grécia por parte de dirigentes europeus, como Sigmar Gabriel (SPD) e de Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, Costa disse “não se rever” nas declarações de ambos e considerou que “não expressam a posição dos socialistas europeus”.

Já o vice-primeiro-ministro Paulo Portas, entre muitas outras acusações, sublinhou que governantes como o vice-chanceler alemão Sigmar Gabriel “foram muito mais críticos” e que os socialistas portugueses devem queixar-se dos seus homólogos europeus.

Os politólogos não têm dúvidas de que o tema Grécia vai entrar na campanha para as legislativas. Carlos Jalali, à semelhança de outros politólogos, entende que se o resultado final das negociações for favorável à coligação liderada pelo Syriza, a esquerda portuguesa terá “o argumento de que era possível fazer de outra forma”, enfraquecendo o discurso da coligação. “Uma eventual saída da Grécia da zona euro ou um acordo que seja uma derrota para o Syriza, com imagens dramáticas, filas à porta dos bancos, vai trazer vantagens à coligação.”

Por email, o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, Carlos Gaspar, lembra que “pela primeira vez desde 1976, uma questão de politica externa, ou de política europeia, vai ter um efeito relevante na campanha eleitoral portuguesa”: “O efeito não é evidente: se, como parece provável, não puder haver um compromisso estável sobre a crise grega, essa questão vai polarizar as posições em Portugal, tal como na Espanha, na Itália e em França.” Uma polarização que “deixa em séria desvantagem os moderados, que não querem nem a saída da Grécia do Euro, nem apoiar o Syriza e a direita nacionalista grega”.

O referendo, sublinha, “joga a favor da polarização, quer na política interna da Grécia, onde dá força aos que defendem a ruptura com a União Europeia, quer na política europeia, onde dá força aos que querem a ruptura com a Grécia”: “Nesse quadro, o impasse vai prolongar-se e acentuar a crise na Grécia e na União Europeia, com maus resultados para Portugal: os efeitos da recuperação vão ficar para trás e a incerteza vai voltar a dominar as percepções políticas e os comportamentos sociais", escreve.

O catedrático de Economia e Finanças da Universidade Nova de Lisboa, António Nogueira Leite, alerta para a necessidade de, neste contexto europeu, Portugal adoptar uma posição de cautela. “Temos de estar atentos às dinâmicas que se formarem no seio da Europa. Portugal deve ter cautela e falar pouco. Perceber qual a melhor posição para os portugueses independentemente das questões partidárias.”

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