O desafio de romper com o clientelismo

A mudança que este Governo representa não é só de métodos.

O XXI Governo constituiu-se rompendo com o sistema tradicional de poder na democracia portuguesa. É mais minoritário do que era a o da coligação Portugal à Frente, até o PSD sozinho tem uma bancada parlamentar maior do que os socialistas, mas António Costa conseguiu o nunca visto: é primeiro-ministro sem ter ganho eleições mas com o respaldo parlamentar do BE e do PCP. Pela conquista do poder e pelo direito a exercer o Governo, António Costa rompeu fronteiras e ultrapassou os limites do consenso sobre a forma de aceder ao poder em Portugal. Fê-lo, assumindo, assim, o PS como partido pragmático que olha os acordos políticos como algo instrumental que lhe permite chegar ao governo.

A mudança que este Governo representa não é só de métodos. O PS é de facto um partido diferente daquele que foi estruturado no consulado de António Guterres. (PÚBLICO 17/10/2015) É um partido que se diz social-democrata, num momento em que ninguém sabe o que é a social-democracia e esta se foi descaracterizando com as sucessivas cedências ao interesse dos mercados em detrimento do interesse das pessoas. É um partido ao qual falta projecto e ideologia, o que muitas vezes leva a que seja um partido sem convicções políticas e éticas, e se alimente tão só convicção de poder.

A esta indefinição ideológica, acresce que o PS teve como líder, durante sete anos, e primeiro-ministro, durante seis anos, José Sócrates, cuja imagem pública está dominada pela desconfiança da cedência a interesse privados na decorrência da investigação judicial a que está sujeito. Uma investigação que veio enfatizar um lado da política sobre a qual recai recorrentemente a desconfiança dos cidadãos, o lado muitas vezes explorado pelo populismo fácil de que “os políticos não são gente séria” e de que “ a política é uma coisa porca”.

Assim, além do desafio que se coloca a António Costa de conseguir afastar a imagem de líder que tudo faz para subir ao poder, incluindo aliar se com partidos que sempre estiveram do outro lado da sua barricada ideológica, tem de provar também que o PS não é um partido que cede nos limites da ética e que não cede à corrupção. E aqui não se coloca apenas a questão do resvalar perante a cedência do interesse público aos negócios privados, mas também a necessidade de desfazer a imagem de que o PS cede a clientelas, assim como que carteliza o aparelho do Estado.

Ora muito destes desafios colocam-se à nova geração de socialistas que agora chegam ao poder ou que ascendem a cargos de ministros. Falando uma linguagem cara a Guterres, têm de provar que não são “girls and boys for the jobs”, que não vão fazer gestão de clientelas, que não são a nova geração que quer entrar no sistema e participar da gestão dos dinheiros públicos, sentar-se à mesa do Orçamento, de uma forma mais popular, “comer da gamela”. Até porque se o crescendo de secretarias de Estado pode ter a explicação positiva de que os seus ocupantes têm um perfil mais especializado, é bom que essa especialização não venha a servir a satisfação de interesses de sectores nem de negócios de “amigos”.

O Governo de Costa tem algumas inovações, à cabeça, a da inclusão. Pela primeira vez em Portugal, há um primeiro-ministro de origem goesa, uma ministra negra de origem africana, Francisca Van Dunem, um secretário de Estado de origem cigana, Carlos Miguel, e uma secretária de Estado amblíope, Ana Sofia Antunes. Pela primeira vez há uma secretaria de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência. É certo que, do ponto de vista do género, o Governo decepciona: quatro ministras para 13 ministros e 16 secretárias de Estado para 25 secretários de Estado.

Mas tem outros problemas na sua formação, a começar por ter falhado a criação de um Ministério dos Assuntos Europeus, perante a recusa de Elisa Ferreira em o ocupar, obrigando assim a que, aquela que era uma aposta inovadora de António Costa, fosse compensada com a colocação dos Assuntos Europeus ao nível de secretaria de Estado sob a tutela dos Negócios Estrangeiros ocupados por Augusto Santos Silva, que com António Costa e o líder parlamentar e presidente do PS, Carlos César, se assumem como o núcleo duro político da governação, deixando num segundo anel nomes como Vieira da Silva e Capoulas Santos.

E aqui há um outro problema que salta aos olhos, ainda que todos tenham história própria e carreira pública e política, são inegavelmente nomes associados aos governos de Sócrates ou à sua defesa pública perante a investigação da Operação Marquês. É verdade que a solidariedade que qualquer pessoa presta a um amigo não pode ser razão de estigmatização de ninguém, logo de um governante. Mas há uma velha máxima em política que diz que “à mulher de César não basta ser séria, tem de parecer séria” e esse é um desafio que cabe não apenas a António Costa vencer, mas a todos os membros do XXI Governo.

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