O congresso do PSD e as mulheres

Os órgãos nacionais do PSD – a mesa do congresso, a presidência e as vice-presidências – não incluem qualquer mulher.

Os partidos são o sal da democracia. Sem eles, influenciar, conquistar ou exercer o poder seria uma tarefa de alto risco que decorreria longe do cidadão comum. Mas a importância dos partidos políticos vai muito para além das questões da alternância política e do poder. Os partidos são organizações que representam o povo e são motores privilegiados de mudança e de transformação social.

É, pois, natural encarar o congresso de um partido como uma ocasião soberana para debater as estratégias políticas que devem gerar mudança e progresso na sociedade. E sendo a mobilidade social e a igualdade de oportunidades entre cidadãos, em geral, e entre mulheres e homens, em particular, um valor e um objectivo estratégico que reflecte a matriz ideológica e a actuação do PSD, seria de esperar que o assunto estivesse no centro das preocupações dos delegados e participantes no XXXV Congresso do PSD.

Esta expectativa não se alicerça apenas na convicção de que a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens corresponde a um imperativo de justiça social. Está hoje comprovado que a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens é um factor de progresso social e económico, que pode dar um contributo substantivo para a competitividade empresarial e para a estabilidade e segurança no desenvolvimento da sociedade. Por isso, para além de um imperativo inalienável de justiça social, a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens é um imperativo de racionalidade organizacional e económica, tanto para entidades privadas como públicas. Mas para que a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens se cumpra não basta que nos congratulemos com a existência de legislação neste sentido. É crucial que as organizações – instituições públicas e privadas, sindicatos, empresas, partidos, etc. – interiorizem e promovam de forma activa a participação das mulheres, em paridade com os homens, em todos os níveis das suas estruturas, desde as funções de base até aos patamares mais elevados de decisão.

O papel dos partidos neste desígnio, e em particular, o papel do PSD, é de enorme responsabilidade. A legislação existente é positiva, mas a sua concretização e enquadramento em políticas consequentes necessita do fulgor da vontade política – algo que um partido político como o PSD, empenhado na mudança de atitudes atávicas que perpetuam situações inaceitáveis de discriminação, pode e deve assegurar.

Por tudo isto e pelo facto de a moção do líder do PSD ao XXXV congresso incluir um capítulo que aborda especificamente a questão da natalidade – assunto inextricavelmente associado às condições de trabalho de mulheres e homens – seria natural nutrir uma expectativa elevada relativamente à forma como o congresso do PSD iria encarar o assunto da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens.

Todavia, a expectativa pode sair defraudada por os dados aparentarem estar viciados à partida. Como sabemos, o tratamento politicamente adequado de um assunto pode ficar comprometido mercê da composição inadequada do corpo que procede a esse exercício. Ora já sabíamos que, em termos de paridade de género, os órgãos do PSD apresentavam fragilidades que importaria ultrapassar. Os órgãos nacionais do PSD – a mesa do congresso, a presidência e as vice-presidências – não incluem qualquer mulher. A comissão política nacional conta apenas com quatro mulheres (24%). No conselho de jurisdição nacional aparecem apenas duas mulheres (22%). E o caso mais chocante é o do conselho nacional, que entre os seus 74 membros acolhe apenas oito mulheres (11%).

A falta de consciencialização sobre o assunto da igualdade de género fez com que as fragilidades apontadas, ao invés de se atenuarem, se repercutissem de forma veemente na composição das listas ao congresso do PSD. Dos cerca de 251 participantes apenas 44 são mulheres (18%) e entre os 930 delegados (com direito de voto) registam-se apenas 150 mulheres (16%). Se só por si estes dados são preocupantes, tanto mais preocupantes se tornam se os compararmos com dados da população, por exemplo, do ano 2012, no qual as mulheres perfaziam 52% da população portuguesa, 53% dos alunos matriculados no ensino superior e 54% dos doutoramentos realizados no país.

Esperemos que a realidade do congresso contrarie a frieza destes números e os congressistas adoptem um compromisso firme para a eliminação dos obstáculos à igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, quer no plano interno do PSD, quer no país.

Professora universitária, dirigente do PSD

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