O arquivamento exemplar do Caso Saleiro

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Saleiro escapou Público

O Ministério Público arquivou o processo no qual o deputado socialista António Saleiro estava indiciado pela prática do crime de corrupção passiva com base numa sumaríssima inquirição do arguido e em cinco testemunhos igualmente sumários e nunca contraditados.

Graças às declarações destas testemunhas e a um recente documento atribuído a uma sociedade macaense que a Polícia Judiciária (PJ) não conseguiu localizar, o procurador da República de Beja atirou para a prateleira o resultado de mais de dois anos de investigações judiciais. Passando por cima de muitos dos indícios e das provas carreados para os autos pela PJ, o Ministério Público (MP) ignorou também a proposta de realização de uma busca no escritório do advogado e antigo deputado e dirigente socialista Roque Lino. Ao longo de mais de 1100 páginas de inquirições e documentos, a que se juntam vários apêndices referentes às contas bancárias de Saleiro e da empresa da mulher, a Polícia Judiciária aprofundou alguns dos aspectos das actividades do ex-autarca que foram objecto de tratamento jornalístico nas páginas do PÚBLICO. De fora ficaram, no entanto, assuntos como a Fundação de Amizade Portugal-Holanda e a Rádio Voz de Almodôvar.
Por investigar ficou igualmente um enigmático fax em que o empresário chinês que encabeçava um projecto imobiliário no concelho de Almodôvar - conhecido por Semblana Golfe e que nunca passou do papel - se referia a um cheque, sem mencionar o seu valor, e a uma carta enviados a Saleiro, juntamente com um outro cheque de cerca de 22 mil contos destinado ao pagamento de taxas municipais que não eram devidas naquele momento.
No Verão de 1997, quando o PÚBLICO consultou a documentação relativa ao licenciamento do Semblana Golfe, a pista do cheque mandado pelos chineses ao empresário e então autarca ainda se encontrava no processo arquivado na câmara. Ao que tudo indica, quando a PJ investigou esse mesmo processo, meses depois, isso já não sucedia. Pelo menos é o que se pode deduzir do facto de a polícia ter feito inúmeras diligências referentes ao cheque dos 22 mil contos e não fazer uma única alusão ao outro.

MP ignora proposta de busca

No despacho que encerra a investigação da PJ, datado de Novembro do ano passado, um dos seus directores escreve que "existem indícios nos autos, pelo menos, de que o suspeito António Saleiro terá recebido vantagens económicas concomitantes com a 'simplificação' de procedimentos na aprovação de um empreendimento urbanístico da iniciativa do designado grupo empresarial 'Concourse Group'" - a "holding" dos chineses - e propõe que Saleiro seja constituído arguido. Rosário Teixeira acrescenta que "atenta a posição do senhor advogado [Roque Lino tinha invocado o sigilo profissional para não prestar declarações à polícia] e sendo de presumir que terá na sua posse documentação útil para os autos, seria de ponderar a possibilidade de realização de uma busca no seu escritório, pese embora se reconheça a acrescida demora que daí poderá resultar". O procurador da República junto do Tribunal Judicial de Beja, Luís Lança, a quem o processo foi remetido pouco depois, acompanhou a proposta de constituição do deputado como arguido, mas nada disse sobre o pedido de busca. Nos onze meses que se seguiram, até à emissão do despacho de arquivamento, em 20 de Outubro passado, o MP limitou-se a diligenciar no sentido do levantamento da imunidade parlamentar de Saleiro e a inquirir o arguido mais as cinco testemunhas sugeridas pelo seu advogado, João Nabais.
Ouvido por Luís Lança no início de Maio, António Saleiro pronunciou-se sumariamente sobre aquilo que lhe foi perguntado e que se prende exclusivamente com as conclusões a que a PJ chegou em cinco dos casos investigados. As suas explicações resumem-se a três páginas dos autos e negam toda a prova apresentada pela Judiciária.

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