O Ano Velho e o Ano Novo

Cada vez que ouvir a frase “tenho a consciência tranquila”, fuja e chame a polícia.

Como Eça descobriu numa noite de 1870, em Portugal, quando o Ano Novo passa pelo Ano Velho tem sempre muitas perguntas para lhe fazer. Ontem, a conversa foi difícil.

A. Novo — Vamos começar pela política. O que é isto aqui?

A. Velho Eles dizem que é uma democracia. Mas, pelo que vi, não me parece: é um país muito pobre em que ninguém se entende e toda a gente protesta com imensa razão.

A. Novo De qualquer maneira, quem manda?

A. Velho Agora que o dr. Salgado não manda, manda o dr. António Costa.

A. Novo E ele o que quer?

A. Velho Quer o Estado Social, uma coisa que acabou por volta de 1964-65, mas não chegou cá a notícia. Entretanto dá umas migalhas por aqui e por ali e assusta os desgraçados que pensam em investir um tostão nesta balbúrdia. É por isso que as pessoas o acham de esquerda.

A. Novo E mais nada?

A. Velho Engordou, o que não lhe fica bem. Devia almoçar, dia sim, dia não, com o Marcelo: uma sanduíche de queijo e uma bolacha Maria. Vivia mais tempo.

A. Novo E o país gosta dele?

A. Velho Não houve tempo para perceber. O PC gosta porque não quer morrer; o Bloco gosta porque já se acha crescido uma pura ilusão. O célebre português da rua ainda não se decidiu.

A. Novo E esse “novo ciclo” de que se fala tanto?

A. Velho Entraram uns, saíram outros: e os que entraram continuam a obedecer à Europa. É como o ditado: quem não tem dinheiro, não tem vícios.

A. Novo  Consta que está marcada a eleição do Presidente para o fim do mês. Quem irá ganhar?

A. Velho Olhe que me ia esquecendo. Apareceram dúzias de candidatos, que se dão importância com esses festejos. E um candidato que come bolachas Maria, porque julga que Belém é um convento.

A. Novo Que conselho é que o sr. me dá ?

A. Velho Não fale seja com quem for em vias de ser arguido, ou acusado, ou a dois passos da cadeia. Cada vez que ouvir a frase “tenho a consciência tranquila”, fuja e chame a polícia.

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