O ano do nascimento do poder local nas redes sociais

Três candidaturas independentes fazem o balanço de uma campanha complementar – entre a virtualidade e a realidade.

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O Instagram foi uma das redes de eleição de Rui Moreira Rui Moreira/Instagram

Em Portugal, estas foram as primeiras eleições locais da era da expansão das redes sociais globais. A maioria dos partidos e movimentos recorreu ao Facebook nos períodos de pré-campanha e campanha. Porquê esta preferência, que tipo de mensagens foram difundidas e como foi combinada a comunicação de rua e virtualidade? Responsáveis pela comunicação do Movimento Unidos por Borba e também dos candidatos independentes Rui Moreira (Porto) e Paulo Cafôfo (Funchal) respondem a estas questões. E um investigador da área da Comunicação aponta os “erros de cálculo” e os bons exemplos das campanhas online das Autárquicas 2013.

Faltam poucos minutos para a caravana final da campanha do MUB – Movimento Unidos por Borba. É sexta-feira à tarde e Carlos Bacalhau, um dos voluntários que integram a equipa de comunicação do colectivo, acaba de afirmar que as iniciativas de rua e as redes sociais “se complementam”. Um exemplo? Os jovens tomam conhecimento de acções através da Internet, os mais velhos nos cafés.

Numa “terra pequena” como Borba, no distrito de Évora, as redes sociais “ainda não são o [meio] mais importante”, sendo a rua “a maneira de chegar a toda a gente”. Ainda assim, Bacalhau admite que os media sociais são a “forma mais económica, rápida, eficiente de chegar às pessoas”, uma ideia partilhada por todos os representantes das candidaturas contactados pelo PÚBLICO.

Para um movimento independente de “alternativa” emergido “a partir do zero” em final de Abril, a cinco meses das eleições, e sem verbas, o tempo e as limitações financeiras começaram por ser obstáculos, mas o voluntariado e a Internet ajudaram a contorná-los.

Cidadãos de diversas áreas – da engenharia informática ao marketing, passando pelo design – disponibilizaram-se para “desenrascar” e ajudar o movimento a ter “pernas para andar”. A partir de então, formou-se uma “equipa de campanha”. Primeiro, foram criados e implementados o site e a página do Facebook, com a tónica no verde. Depois, vários elementos da equipa de comunicação foram-se revezando na actualização semanal e diária respectiva dos conteúdos nas plataformas digitais. Com um princípio em mente: “Nunca se referir a uma lista adversária.”

Na última semana, foram lançadas em média dez publicações por dia, segundo as contas de Carlos Bacalhau. Que conteúdos? Informações e imagens dos candidatos: “Tudo o que o MUB ia fazendo.” A última mensagem publicada, na sexta-feira, é um apelo ao voto em forma de vídeo com a marca registada da MUB TV, o canal de televisão online do movimento.

Nas redes sociais, os conflitos não se diluem e os textos deixados na caixa de comentários também reflectem tendências das campanhas em carne e osso. “Uma vantagem [do Facebook é que] a pessoa diz aquilo que pensa, é como se estivesse a dizer na cara.” Se por um lado houve mensagens de apoio e comentários no sentido de “acrescentar algo às propostas”, também houve quem tivesse recorrido à criação de perfis falsos para “atacar” o MUB. Essa foi a única memória negativa que Carlos registou desta nova experiência em campanhas online. "Os opositores anónimos punham em causa o programa? Não, [eram] ataques pessoais. Aqui não há essa cultura de atacar propostas.” O conflito foi gerido com silêncio: “Como não respondemos, acabaram por eliminar contas.”

Em jeito de balanço, Bacalhau, gestor de eventos de profissão, admite: “Sem Internet, não conseguiríamos ter feito a campanha que acabámos por fazer.” O site “foi menos comentado” do que o Facebook, que, aos seus olhos, obteve uma “boa adesão” – mais de 1340 pessoas pediram amizade ou foram convidadas a ser “amigas” do movimento. “Conseguimos chegar a todas as pessoas”, conclui Carlos, quando lhe lembram que é hora da caravana.

Rui Moreira fotografa no Instagram, Rui Moreira publica no Facebook
“Chegar à população”, “chegar aos eleitores” são expressões repetidas inúmeras vezes por Nuno Sousa Botelho, director de campanha de Rui Moreira, o candidato à Câmara Municipal do Porto, que contou com o apoio do CDS, mas que se apresentou como independente, provindo da sociedade civil e do meio empresarial.  

Nuno Botelho, com experiência anterior em campanhas de partidos, não se ilude sobre quem e como quer alcançar: “[Esta] não foi uma campanha virtual, senão não chegávamos a uma parte da população.”  

Através do Facebook, do Instagram e do Twitter, para além do site oficial da candidatura, a direcção de campanha de Moreira queria “chegar a um tipo de eleitorado que a priori não estaria tão receptivo” a esta candidatura – um eleitorado jovem, com formação superior, arredado da política. Para sua surpresa, descobriu outro público, mais velho, a aderir à página de Facebook.

Por que escolheu a direcção de campanha este naipe de meios de comunicação online e não outros? “Hoje em dia, os eleitores estão mais abertos a discutir política desta forma [nas redes sociais] do que [propensos] a sair de casa e ir a um comício, sentem-se mais parte, podem ter mais opinião.” Além do sentido de pertença, é salientada a informalidade da comunicação, a rapidez e a acessibilidade, e ainda a interactividade, que, vaticina, “pode mudar radicalmente a forma de fazer política em Portugal”.

Esta combinação de meios não é alheia às preferências de comunicação do próprio líder da candidatura, “muito amigo” das redes sociais e “apaixonado” pela fotografia. Todas as fotografias publicadas no Instagram da candidatura Porto, Nosso Partido são da autoria de Rui Moreira e foram tiradas durante a campanha – à assistência de uma conferência em que participava como orador, por exemplo. O candidato ia também acompanhando “mais ou menos diariamente o que ia sendo dito” nas redes sociais, entre arruadas e tertúlias.

Botelho recorda ainda que Moreira esteve várias horas, desde que se apresentou como candidato, a responder no Facebook a dúvidas e a ler sugestões de interlocutores presentes na rede. Há embriões de medidas que estão no programa que chegaram através do Facebook e que depois foram discutidas e adaptadas em reuniões presenciais.

“Investimento muito bem feito”
Na página do Facebook de Rui Moreira – com 15.270 “gostos” à data do fecho da campanha e onde o azul-marinho predomina –, a última mensagem publicada é um vídeo, de apelo ao voto, encimado por uma mensagem: “Agora resta-nos votar. Aqui cabe o Porto todo.” A mensagem obteve acima de 500 “gostos”, há um toque profissional na edição do vídeo.

A aposta em profissionais da fotografia, som e imagem foi um “investimento muito bem feito”, resume Nuno Barbosa. “Em vez de se gastar em mega-assessorias de comunicação e mega-agências”, a direcção de campanha escolheu para as questões de comunicação do dia-a-dia uma agência de comunicação start-up da cidade.

Nas redes sociais, a candidatura procurou publicar “mensagens com conteúdo”: “[Usámos] o Facebook para fazer campanha efectiva, mostrar o que andámos a fazer, para expressar as nossas ideias, os nossos projectos.” Em suma: “Mostrávamos nas redes sociais o Porto que queríamos.”

Para ilustrar esta ideia, Nuno recorre ao exemplo de um vídeo que situa Moreira num bairro, a falar com os residentes, onde se pode escutar as perguntas e as respostas do candidato à possibilidade de as necessidades dos seus interlocutores serem satisfeitas à luz do programa do movimento. Por outro lado, o Facebook também foi um recurso da equipa de comunicação para convocar os utilizadores a participar nos eventos promovidos pela candidatura – uma tertúlia sobre Reabilitação Urbana, Património e Cidadania, por exemplo.

Sem as redes sociais, esta campanha teria sido “muito complicada”, também devido à falta de cobertura televisiva pelos três principais canais de sinal aberto, lamenta Botelho. “Tentámos contornar ao máximo essa realidade”, acrescenta, através do uso das redes sociais e da criação de conteúdos próprios.

Os “erros de cálculo”
Se há uma “conclusão genérica” a tirar do uso das redes sociais nesta campanha, é que “os próprios candidatos têm agora muito mais consciência de que este tipo de materiais [de divulgação política], numa futura ocasião, vão ter de ser trabalhados de outra maneira”, defende Luís António Santos, professor e investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho. E alerta para a novidade destas eleições: “É a primeira vez [numa campanha do poder local] que as redes sociais têm esta dimensão.”

Os episódios “engraçados, bizarros e fora do comum” presentes na página Tesourinhos das Autárquicas 2013 reflectem, no entender do investigador, “mais falta de conhecimento de como os media e as redes sociais funcionam do que má preparação para a política”. O investigador defende que o Facebook, em algumas candidaturas, poderá ter sido só por si uma “ferramenta [de comunicação] errada”.

E por que razão é o Facebook a plataforma de eleição, por que é escolhida pelos profissionais de marketing político como ferramenta central da comunicação digital nas campanhas? Esta decisão, responde Santos, não recai tanto sobre as “potencialidades físicas das redes”, mas sobre o grau de expansão e adesão que a rede tem em Portugal e por toda a Europa. E esta campanha incluiu episódios e feedback de emigrantes portugueses espalhados por todo o mundo.

Os candidatos e os seus conselheiros escolheram esta plataforma porque é “onde estão mais pessoas”, tem “uma apresentação mais agradável, mais inclusiva e uma maior variedade de elementos [som, vídeo, foto]”. No Twitter, por exemplo, “a apresentação das fotografias não é tão impactante”.

Regressando às redes sociais – globais – aplicadas na comunicação dos candidatos ao poder local: “Há quatro anos, nada disto era importante para eles [candidatos]. De repente, nas eleições seguintes, há aqui um espaço que eventualmente muitos deles não dominam, um espaço que se abre, e há aqui um erro de cálculo.” E porquê? “Eventualmente por insensatez de terem delegado em pessoas com poucas competências a gestão desta parte de comunicação online – que acredito que eles próprios não achassem que pudesse vir a ter tanta importância.”

A própria “auto-exclusão” das televisões nacionais na campanha, decisão que o investigador critica, “também centralizou mais atenção nestes fenómenos que passam pela Internet e pela produção autónoma dos candidatos”.

Por último, esta campanha revela, no concreto, o “poder explosivo” das redes sociais: “A Internet exagera as coisas, de uma forma que outros media não faziam”, “perpetuando e replicando” exclusões “num país a várias velocidades”. Do lado das campanhas de qualidade, Luís Santos destaca a campanha do candidato do PS à Câmara Municipal de Setúbal, João Assunção, e lembra outras propostas “interessantes” como a “ideia dinâmica” do vídeo de Flávio, um candidato de Tomar, de 18 anos, no qual canta um hino de campanha em registo rap.

E o amanhã das páginas dos candidatos do Facebook?
Entre ontem e hoje, dias de reflexão e do acto eleitoral, as páginas do Facebook, do Flickr, do Twitter e do Instagram dos partidos e dos movimentos elegíveis às câmaras municipais, assembleias municipais e juntas de freguesia ficaram em suspenso, pelo menos até à hora de divulgação dos resultados e caso não sejam detectadas infracções à lei eleitoral.

E depois desta noite, para onde seguem os conteúdos publicados na rede? A partir do Funchal, José Miguel Iglésias, director de campanha do independente Paulo Cafôfo, afirma que todo o material produzido durante a campanha foi organizado e arquivado e admite que, “se houver algum investigador ou profissional de comunicação que queira ter acesso a estes dados”, está “completamente disponível para os fornecer”.

O investigador da Universidade do Minho defende exactamente esse destino para este material acumulado no espaço virtual, bem como a “evaporação” destas páginas temporárias. “As campanhas podiam tratar de desactivar blogues, páginas de campanha, por questão de higiene de espaço, mas também por uma questão de utilização dinâmica dos materiais relativos àquela campanha, àquelas acções, àquela candidatura.”

Luís Maia, director executivo da agência de comunicação Meed Brand, responsável pela campanha de Cafôfo, Mudança, admite que tinha pensado apenas a campanha até ao dia 29, mas avança com uma separação de águas dos conteúdos arquivados: “Há a página de campanha – com a espuma dos dias – e há os conteúdos de maior profundidade e densidade, válidos para a campanha, para além da campanha, válidos para a cidade.” Estes últimos, dependendo dos resultados de hoje, “poderão ser usados numa nova página que fale do Funchal”. Maia acrescenta: esta candidatura – apoiada por PS, BE, PTP, MPT, PND e PANe que pretendeu “abrir os partidos à sociedade civil” – “teve o condão de pôr o debate sobre a cidade na agenda de muitos cidadãos, é de aproveitar todo este trabalho construído”.
 

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