O actual Governo destruiu 20 mil empregos desde que entrou em funções?

A acusação é do antigo primeiro-ministro. Os números estão certos, mas a acusação é mais difícil de provar.

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Martin Henrik

A frase

O contexto

Pedro Passos Coelho lançou a acusação, no encerramento do congresso da JSD, que decorreu no domingo, 1 de Maio. No Dia do Trabalhador, o anterior primeiro-ministro usou um número que ilustra, nas suas palavras, a ausência de razões para que a data seja comemorada, este ano. E acusou a actual maioria de esquerda de ter destruído 20 mil empregos, nos seus primeiros quatro meses de mandato.

Convém referir, à partida, que o líder do PSD nem sempre olhou para o problema do desemprego desta forma. Foi o próprio Passos Coelho quem afirmou, em 2012, quando era acusado de ter destruído postos de trabalho, que “não são os governos que criam empregos, toda a gente sabe isso”.

No entanto, o PS, que agora está no Governo, também nunca se absteve de acusar o executivo anterior de ter destruído empregos. A uma escala ainda maior. Na última campanha eleitoral, PS e PSD envolveram-se numa querela: quem teria destruído mais empregos enquanto governou? O PÚBLICO foi verificar o saldo dos dois anteriores governos nesta matéria e concluiu que durante todo o consulado de Passos Coelho perderam-se 203.400 empregos.

Os factos

O actual Governo tomou posse no dia 26 de Novembro de 2015. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, Inquérito ao emprego: População empregada com idade entre 15 e 74 anos, ajustada de sazonalidade) havia, então, 4.495.400 pessoas empregadas em Portugal. Segundo o mesmo inquérito, a estimativa para Março deste ano aponta para um número inferior: 4.475.900. São, exactamente, menos 19.500 empregos, o que parece dar razão a Passos.

Mas esta evolução está longe de ser linear. Em Setembro de 2015, quando Passos Coelho era primeiro-ministro, o número de empregos era menor do que o de hoje: 4.475.400 segundo o mesmo INE, e representava uma descida face a Agosto, de quase 10 mil postos de trabalho. Mas se o número de empregos subiu em Outubro e de novo em Novembro, veio a descer em Dezembro e em Janeiro, já com o actual Governo, e voltou a subir em Fevereiro e Março. Conclusões políticas? Poucas ou nenhuma...

Mas se olharmos para outro indicador, o do desemprego, verificamos que há hoje menos desempregados, ou seja, há simultaneamente menos empregos e menos desempregados. Confuso?  A confusão ainda aumenta, se em vez do INE optarmos pelos números do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Aí, os indicadores dependem da inscrição, voluntária, dos desempregados. Em Novembro estavam inscritos 550.250. Em Março estão 575.075. Cerca de 25 mil a mais.

Mas essas contas também precisam de contexto. Em Novembro, havia cerca de 50 mil desempregados que não contavam para a estatística, por estarem a beneficiar de “políticas activas de emprego”, como os contratos emprego-inserção. Hoje, esse número é muito inferior: cerca de 15 mil. O actual Governo considera que este tipo de medidas não produzia um efeito real, retirando pessoas do desemprego, limitando-se a “mascarar” os números, de forma temporária. O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, chegou a considerar que estes contratos subsidiados pelo IEFP não passavam de "empregos falsos" e "estágios pagos a peso de ouro". Isso torna plausível o argumento do PS de que, havendo menos 30 mil “empregados” deste tipo, os números do desemprego tenham naturalmente subido, sem que isso signifique que tenha aumentado o número real de desempregados. Acrescenta o PS que o saldo entre o aumento dos desempregados inscritos (mais 25 mil) e os beneficiários de programas de emprego e formação (menos 30 mil) até é positivo.

Este argumento serviu também para que a Comissão Europeia e o FMI avisassem o Governo de Passos Coelho de que este tipo de “contratação” estava a dar um cunho demasiado optimista aos números do emprego em Portugal. "As políticas activas de emprego parecem ter desempenhado um papel crucial na redução do desemprego no último ano com um aumento de 25% do número de colocados", alertou a Comissão. "Contudo, as medidas têm de ser cuidadosamente monitorizadas para garantir que são efectivas." Também o FMI apontou, no final de 2014, que os efeitos das políticas activas de emprego nas estatísticas deviam ser relativizados: “São uma advertência contra as expectativas de que este ritmo de criação de emprego pode ser sustentado.”

Em resumo

Se olharmos apenas para os números, há hoje menos 19.500 pessoas empregadas em Portugal do que havia no último mês em que Passos Coelho foi primeiro-ministro. Mas isso não significa que igual número de empregos tenha sido "destruído". E é muito difícil apontar a causa desta diferença, e muito menos encontrar uma explicação política para ela. O número de postos de trabalho em Portugal subiu, e desceu, nos últimos seis meses, indiferente aos partidos que estavam no Governo.

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