“Não deixaremos nada de fora, nem os actos de gestão, nem a supervisão, nem a responsabilidade do Governo”

Entrevista: Pedro Nuno Santos é o coordenador dos deputados socialistas na comissão de inquérito à falência do BES. Em jeito de balanço das primeiras audições, garante: “Está por explicar por que razão o PSD mudou de posição relativamente a Carlos Costa”.

Foto
Pedro Nuno Santos é o coordenador do PS na comissão de inquérito ao BES Enric Vives-Rubio

No dia em que Ricardo Salgado depõe no inquérito parlamentar, o deputado socialista Pedro Nuno Santos espera que o ex-banqueiro esclareça “os factos que provocaram a queda do banco”. Com o que já se sabe, o coordenador do PS na comissão conclui que a resolução “foi uma decisão política” e garante que é “falso” que não tenha custos para os contribuintes.

Qual foi a principal novidade que retirou deste conjunto de audições na comissão de inquérito?
Julgo mesmo que a principal novidade destas audições foi o volte face do PSD. Começa as audições com uma atitude critica e assertiva relativamente à actuação do governador do Banco de Portugal (BdP) para, em pouco tempo, passar a elogiá-la. Foi até desconcertante. No dia em que o jurista Pedro Maia faz uma declaração dura contra o governador, o PSD é o primeiro partido a reagir contra Carlos Costa e a sua actuação. No dia seguinte, na sequência de uma resposta defensiva do BdP a Pedro Maia, o PSD faz uma nova declaração a dizer o contrário do que tinha dito no dia anterior. Está, aliás, por explicar por que razão o PSD mudou de posição relativamente à atuação de Carlos Costa em todo o processo BES. 

Ao dizer que não tinha poder para intervir e que foi apenas informada pelo governador do BdP sobre a solução, acha que a ministra das Finanças tentou responsabilizar Carlos Costa por tudo o que aconteceu no BES?
Esse é um dos mistérios destas audições. É evidente para todos que esta foi uma decisão política, mas a ministra recusa-se a assumi-lo. Não se percebe porquê. Carlos Costa não podia limitar-se a comunicar uma solução que dependia da injecção de 3900 milhões de euros do erário público e de alterações legislativas que foram feitas, aprovadas e promulgadas em tempo recorde. O governo teve de aceitar, apoiar e decidir. Esta foi uma decisão política.

E como viu as palavras do primeiro-ministro, manifestando o desejo de que a comissão condene a gestão do BES e não a supervisão?
Foram inadmissíveis. O primeiro-ministro tem optado, nos últimos tempos, por um registo moralista e populista, o que só degrada a democracia e, no caso da comissão de inquérito, condiciona a procura da verdade. É difícil acreditar que as palavras do Presidente do PSD não influenciem os deputados do PSD. Passos Coelho pediu para que não se invertessem as prioridades da comissão e que nos concentrássemos nos actos de gestão. Nós não deixaremos nada de fora, nem os actos de gestão, nem a supervisão, nem a responsabilidade do governo e dele próprio. Aliás, se há alguma coisa que o foco nos actos de gestão nos tem dito é precisamente que se devia e podia ter intervindo mais cedo e dessa forma ter poupado ao país o nível de prejuízo em que viemos a incorrer.

Na sua opinião, Carlos Costa agiu bem, dados os seus poderes? Ou o Governo deveria ter mudado o regulador quando percebeu que o problema era, afinal, maior do que o detectado pela supervisão?
O próprio governador assumiu em audição que devia ter substituído a administração liderada por Ricardo Salgado mais cedo. Só não o fez porque, segundo o próprio, não podia. No entanto, para todos os partidos, incluindo o próprio PSD (pelo menos até ao dia da entrevista de Passos Coelho), o governador tinha ao seu dispor os instrumentos legais necessários para ter actuado mais cedo e dessa forma ter garantido o sucesso e a eficácia de um ring fencing que protegesse o BES do contágio ao ramo não financeiro do grupo. A opção do governador foi a de ir negociando com Ricardo Salgado. Infelizmente, a estratégia fracassou e quem ficou a perder foi o país.

Das audições a Carlos Costa, Maria Luís Albuquerque e a Vítor Bento resultam dúvidas sobre as vantagens da resolução do BES. Qual é a sua opinião?
As dúvidas têm-se adensado, de facto. A impressão com que ficámos das audições é a de que só a ministra acredita, convictamente, nas vantagens da medida de resolução. Carlos Costa, por exemplo, só a consegue defender com base no tempo que tinha disponível para encontrar uma solução. A tese do governador do Banco de Portugal é a de que, perante a ameaça do BCE, no dia 1 de Julho, retirar o “estatuto de contraparte” ao BES, não teve outra opção. Mas a realidade é um pouco diferente. Primeiro, o risco de se perder o estatuto de contraparte decorre do facto do BES ter ficado abaixo dos rácios mínimos de solvabilidade, o que, sabendo-se que poderia acontecer há já algum tempo, só responsabiliza o próprio governador por não ter sido mais diligente. Segundo, da mesma forma que foi proposto ao BCE a medida de resolução como forma de evitar a perda do estatuto, poderia ter sido proposto a recapitalização pública. O que é cada vez mais claro é que quase ninguém queria aquela solução e que ela acabou por ser imposta pelo governo porque era a que melhor criava a percepção de que não haveria custos para o contribuinte. O que é falso. 

Com o que já se sabe, a resolução foi ou não a decisão que melhor protegeu os interesses do Estado e dos contribuintes?
A principal vantagem da resolução que é invocada é a de que o custo da intervenção é distribuído por todo o sistema bancário e não apenas pelo banco que é intervencionado. No entanto, imaginemos que era esta a solução escolhida para capitalizar os bancos logo em 2012. Como foi necessário recapitalizar o BCP, o BPI, a CGD, o BANIF e, agora, o BES, teriam de ser os bancos mais pequenos, que não precisaram de dinheiro público, a suportar todos os encargos com os bancos grandes. Uma loucura. Esta solução para o BES só foi possível porque os outros bancos todos já tinham sido recapitalizados com o recurso à linha da troika. Mas o mais grave foi mesmo o cancelamento da garantia soberana concedida pelo Estado angolano aos créditos do BESA depois de anunciada a resolução.

Depois de apresentados os prejuízos referentes ao primeiro semestre o BES ficou, sensivelmente, 1500 milhões de euros abaixo dos rácios mínimos de solvabilidade, mas as necessidades de capital acabaram por ser de 4900 milhões. A resolução, ao acabar com a garantia, obrigou a uma injecção de capital três vezes superior. Não podemos ignorar também que, mesmo que seja o sistema bancário a pagar, isso vai refletir-se nos contribuintes, não só via Caixa [Geral de Depósitos], mas também nos impostos que vão ser pagos pelos bancos. Os custos com esta operação vão abater nos resultados dos bancos e, por isso, estes vão pagar menos impostos ao Estado. Por fim, não podemos esquecer o impacto na concessão de crédito à economia. Os bancos, ao suportarem os encargos com a resolução, acabarão com a sua capacidade de conceder crédito diminuída. Está longe de estar provada a superioridade desta solução para os contribuintes.   

Se o Governo conseguir uma venda rápida e que cubra o valor injectado no BES pelo Fundo de Resolução, acha que o Governo passou o teste desta última falência bancária?
É do interesse de todos que o valor da venda cubra o valor injectado no BES. Mas sobre este assunto não queria dizer mais nada. 

Na sua opinião, o que falhou para que, em 2014, seis anos depois do início da crise financeira, tenhamos mais um banco a falir e um novo debate sobre os poderes da regulação do sistema financeiro?
As razões são múltiplas, mas destacava duas. Por um lado, um grupo empresarial que tinha um banco e que o usou para financiar o seu ramo não financeiro, quando este já estava falido. Por outro lado, um governador que optou por ir negociando com Ricardo Salgado o ring fencing do BES em relação ao GES, quando este o que queria era salvar as suas empresas do ramo não financeiro. O que se exigia era a coragem para substituir a administração por uma que assegurasse o cumprimento das orientações e decisões da supervisão e que desse garantias de não estar preocupada com as empresas do ramo não financeiro. Precisamos, provavelmente, de repensar a possibilidade de um grupo empresarial não financeiro ter um banco e de dar mais atenção ao perfil e às competências de liderança de quem é escolhido para as funções de governador e vice-governador.

Um outro ponto, muito debatido, é o da separação das funções de supervisão (BdP, CMVM, ISP). Acha que, neste caso, essa separação de competências prejudicou a defesa do interesse público?
O que nós tivemos neste caso foi um grave problema de comunicação entre os diferentes supervisores. Não se compreende que, perante a grave situação que o BES estava a atravessar e as decisões que se tinham de tomar, a CMVM não fosse envolvida ou, pelo menos, informada em tempo real de todos os passos que estavam a ser dados. A falta de comunicação atempada e de troca de informação entre supervisores pode ter lesado milhares de pequenos investidores e isso é imperdoável. 

O que espera da audição a Ricardo Salgado?
Espero que nos ajude a perceber porque é que a derrocada do BES aconteceu. Quais foram os factos que provocaram a queda do banco, porque e como é que eles aconteceram e como é que alguns deles foram omitidos e escondidos do regulador. 

Sugerir correcção
Ler 3 comentários