No Fórum Social Português "uns eram controlados pelo PCP e os outros pelo Bloco"

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Ulisses Garrido é olhado como um potencial substituto de Carvalho da Silva Pedro Cunha/PÚBLICO

Ulisses Garrido, independente e oriundo do chamado "sector católico da CGTP", é olhado como um potencial substituto de Carvalho da Silva. Em entrevista ao PÚBLICO, afasta essa hipótese e defende a manutenção do actual líder. Mas em nome da CGTP dá a cara na distribuição da responsabilidade entre o PCP e o Bloco de Esquerda sobre as divergências e rupturas no Fórum Social Português.

É peremptório ao afirmar que se houve culpas pela ruptura que levou à divisão da manifestação, elas não foram apenas do PCP: "Atenção que na comunicação social o que surgiu era que uns eram controlados pelo PCP e parecia que havia outros que não eram controlados por ninguém. Os outros estavam igualmente controlados - usando a mesma expressão, de que não gosto -, os outros estariam controlados pelo Bloco ou até pelo Boaventura de Sousa Santos, o que seria ainda pior."

PÚBLICO - A ruptura no Fórum Social Português (FSP) é irreversível?

ULISSES GARRIDO - Estivemos no FSP desde o primeiro momento com uma atitude construtiva e sem exercer predomínio nas reuniões. O que acontece é que as naturais divergências que existem numa reunião daquele tipo agigantaram-se e, com algum empolamento da comunicação social, entre os quais o PÚBLICO, pareceu que havia muito mais divisão. No FSP não havia divisão por aí além. Depois, podemos falar da manifestação.

P. - Quanto ao comunicado da assembleia dos movimentos, não houve acordo sobre a realização de um segundo FSP.

R. - De facto é assim, embora, do meu ponto de vista, o que se passou ali foi por algumas organizações também quererem fazer vincar a sua posição.

P. - Que organizações?

R. - Um conjunto de organizações, de que o expoente em termos públicos foi o professor Boaventura de Sousa Santos.

P. - Mas até que ponto é exagerado dizer que houve um confronto entre movimentos próximos do PCP e movimentos próximos do Bloco de Esquerda (BE)?

R. - Julgo que é legítimo dizer isso, mas também julgo que é necessário dizer que não há inocentes neste processo. Há responsabilidades no confronto de todos os lados.

P. - Do BE também?

R. - Claro que sim.

P. - A CGTP vai participar num segundo?

R. - Não tenho a mínima dúvida. Já fizemos uma avaliação do primeiro e estaremos no segundo.

P. - Mas porque não marcaram logo?

P. - Isso foi empolado por que se estava a querer marcar posições diferentes entre, se quiser, organizações que estariam mais próximas do PCP e outras do BE. Mas atenção que na comunicação social o que surgiu era que uns eram controlados pelo PCP e parecia que havia outros que não eram controlados por ninguém. Os outros estavam igualmente controlados - usando a mesma expressão, de que não gosto -, os outros estariam controlados pelo Bloco ou até pelo Boaventura de Sousa Santos, o que seria ainda pior.

P. - E a ruptura na manifestação?

R. - É lamentavelmente significativa. No nosso ponto de vista, teria sido desejável que nós tivéssemos terminado o FSP com uma imagem de oposição ao neoliberalismo, nomeadamente às políticas do Durão - porque o Durão não é durável e temos, portanto, de trabalhar para acabar com essa durabilidade -, e o que aconteceu não foi isso. Agora devo dizer uma coisa: a CGTP empenhou-se, até ao último momento, no sentido de encontrar saídas para uma situação de evidente ruptura naquele desfile.

P. - Porque não deixaram as organizações ir à frente?

R. - Mas quem é que não deixou? Nas reuniões onde isso foi discutido - eu não estava - não foi atingido um consenso sobre uma ordem do desfile. Ora, nós, que fomos manifestantes tantas vezes, sabemos que uma ordem do desfile ajuda muito a organizar uma manifestação. Mas não se entenderam. Nessas reuniões, nomeadamente por parte do grupo que podemos chamar de associações de ecologistas, mais fundamentalistas, diziam "partidos não, nem pensar, todos para o fim".

P. - Essas organizações são próximas do BE?

R. - Talvez possamos entender que havia um grupo mais PCP, um grupo mais BE e um terceiro grupo mais ecologista. Nessas reuniões terá surgido, com o apoio do BE, a proposta ou a imposição - houve quem o sentisse dessa forma - de pôr os partidos no último lugar. Chegaram a um entendimento que era: a manifestação abre com um pano onde toda a gente das organizações poderá estar representada, tipo desfile do 25 de Abril, e depois a auto-organização por aí abaixo. Também era subentendido que os partidos - e o PCP tê-lo-ia dito - seriam discretos. Uma vez no terreno, não o foram. O PCP não foi discreto.

P. - Encheu aquilo de bandeiras.

R. - Faziam uma mancha de bandeiras visíveis. Mas, sobretudo, ocuparam um eixo da avenida onde se pode dizer que impediam a passagem de outros para virem para a frente. Mas quero dizer-lhe que os outros estavam lá atrás porque quiseram. Eu mesmo tive o cuidado de dizer a alguns organizadores, pelo telefone: "Atenção, porque se vocês se concentram no Parque Eduardo VII, ficam sem espaço de manobra para entrar na Avenida."

P. - Não havia o risco de se chegarem mais para a frente e haver pancada?

R. - Não me parece que tivesse havido ambientes de pancada.

P. - Entre dois manifestantes e generalizar-se...

R. - Essa foi a justificação para dizer que havia uma separação de desfile de 45 minutos entre a primeira e a segunda manifestação. Francamente. Hoje, é conhecido que a ATTAC considera que foi exagerada a demarcação que fez em relação à parte da frente. Estou de acordo. Aquilo foi um exagero que correspondeu à vontade de alguém.

P. - De quem?

R. - Não sei se devo assumir um carácter acusatório sobre isso.

P. - Foi o BE que esteve na origem da divisão?

R. - Talvez nem tenham sido organizações, podem ser pessoas. A CGTP considera que fez todos os possíveis, até ao último minuto, para conseguir pôr as organizações sociais cá à frente. Considero que perdemos todos.

P. - Parece-lhe um mau presságio que movimentos como o FSP sejam prejudicados à nascença com clivagens aparentes devido a questões secundárias?

R. - Não sei se estamos perante um movimento. A primeira questão é que não deveremos estar perante um movimento. O FSP é um processo de construção, de discussão e de debate, mas é o fórum. É um momento determinado e, portanto, não há o movimento dos movimentos. Aliás, os movimentos sociais em Portugal devem, inclusivamente, potenciar-se a partir de iniciativas deste género porque, de uma forma geral, não são tão fortes como isso. Precisamos de considerar o desafio de construção de qualquer coisa diferente no futuro. Se há quem eleja uma atitude anti-PCP ou anti-BE como primordial, certamente esse não é o caminho.

P. - Era preferível que houvesse algum esforço de evitar protagonismos?

R. - Não tenho a mínima dúvida. Precisamos de encontrar mais personalidades que dêem a cara pelo FSP. Porque, ao ficarmos demasiado reduzidos, também damos protagonismos exagerados. E, em certos casos, da boaventura à desventura vai pouca distância.

P. - É uma alusão a Boaventura de Sousa Santos?

R. - Não pode deixar de ser. Mas atenção: é um homem empenhado nos movimentos sociais, é uma pessoa disponível para trabalhar com a CGTP, com quem queremos continuar a trabalhar. Mas há momentos em que é preciso ver o que é mais importante.

P. - Para quem está de fora, a situação criada parece favorecer quem está interessado em que a CGTP continue a ser o movimento social e em evitar que outros possam nascer.

R. - A nossa posição é absolutamente a contrária. É a de que é preciso ajudar a que os movimentos sociais cresçam, todos eles. É preciso participação, mais gente, mais organizações, mais diversidade e mais empenho em construir a unidade.

P. - Como é que os sindicatos vêem essa disponibilidade nomeadamente na adesão da CGTP este ano à marcha do orgulho LGBT?

R. - Não somos organizadores, estivemos presentes, eu próprio estive lá e desfilei com eles. Foi o que fizemos, em primeiro lugar, desafiados, é justo dizê-lo, por eles próprios.

P. - Mas isso no âmbito do FSP?

R. - Não, mas se quiser foi um benefício do FSP, porque ninguém gosta do que não conhece e o FSP permitiu que muitas organizações se conhecessem, se relacionassem ao longo de um ano. O segundo dado da questão tem a ver com o facto de que aquela manifestação concreta perseguia um objectivo que também é sindical, que é contra todas as discriminações na sociedade e, no nosso caso, no local de trabalho. Não é possível imaginarmos que estamos de acordo com todos nem com alguns exibicionismos que ali aparecem, alguma forma folclórica e colorida e original que aquela gente tem de se manifestar. A forma como lá estivemos foi discreta, mas suficientemente afirmativa e em torno destes objectivos.

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