No alto mar

Por uma vez o bom senso imperou. Sócrates saiu de Évora cinco dias antes do grande debate eleitoral, o único que Passos tolerou, ainda a longa distância do 4 de Outubro para reduzir surpresas.

1. Fingir de morto. Tornou-se visível a estratégia de imagem de Passos Coelho: fingir de morto, depois, lá para o fim, ressuscitar, halo de santidade afixado, pai bondoso subitamente empenhado em causas sociais. Açula os cães à passagem da caravana, mas não quer que se pense que é ele.

Ora Passos não é um patriarca tolerante. Ao longo de quatro anos deu provas de fanatismo ideológico, contumácia na violação de promessas, frieza executiva e desprezo pelos Portugueses que chamou de piegas quando se queixavam, incitou a emigrar quando lhes cortou o emprego, reduziu direitos, baixou salários, vendeu ao desbarato as jóias da coroa. Se ao menos isso fosse o preço das reformas, ainda teria havido compensação, magra que fosse. No fim deste ciclo o País está mais pobre que nunca, descapitalizado, sem nervo, sem outro prestígio externo que o de submisso serviçal, obediente cumpridor de decisões que não discute. Dirão, mas estamos a crescer! Pudera, tanto batemos no fundo que começar a subir devagarinho parece grande feito, quando não passa de dinâmica de fluidos ou de retoma de tendência anterior. É com este palmarés que Passos pensa conquistar os Portugueses. Os endireitas que o guiam recomendaram-lhe que se escondesse.

2. O saco de boxe. Costa é hoje o alvo a abater. Uma “punching bag”. Pelo pecado de ser visível o seu valor, reconhecida a sua preparação, representar tudo o que há de mais oposto a Passos: frontalidade, tolerância, capacidade negocial, experiência construtiva, respeito pelas pessoas. Para Passos a frontalidade desaparece à passagem da fronteira, ou mesmo no País quando a vida aperta, a tolerância é sempre igual a zero, regateando o número de refugiados a acolher, a capacidade negocial nunca foi posta à prova, a experiência passada anda à volta de expedientes como a formação de sinaleiros de pista em aeródromos do interior, quiçá a construção de fábricas de campânulas para motociclistas asmáticos, e quanto ao respeito pelas pessoas é melhor perguntar aos espoliados de pensões e sobretaxas e às vítimas presuntivas dos 600 milhões a cortar em horizonte próximo e envergonhado. Costa é o alvo de Jerónimo de Sousa e de Catarina Martins, de Marinho e outros, de todos os partidos parasitas do PS. Parasitas fazem parte da natureza, animais e plantas, dir-me-ão, mas mesmo belos, não deixam de ser parasitas, esquecendo que, se definha a vítima perdem eles o alimento. Da coligação o ataque é cerrado, em campo aberto, trincheiras, ou tocaia. Rapazes e raparigas do segundo partido da coligação têm que pagar o favor da elegibilidade garantida. Os que estão de saída querem assegurar prebendas continuadas. Chega-se ao ridículo de ministros de mísero registo darem pomposas conferências de mesquinha sabedoria. Já lá vai o tempo em que Costa a todos respondia. A maior parte das frechadas não merece resposta. Responder é dar importância ao adversário. Que falem sozinhos!

3. Sondagens. A direita esperava grande debacle dos socialistas. Afinal, a primeira sondagem após o Verão mostra apenas mudanças de décimas, mais 0,2% para a coligação e menos 0,3 % para o PS, continuando elevado o número de indecisos. A direita tende a omitir, no seu regozijo precoce, que os partidos da coligação em 2011 tiveram, juntos, 50,4% e que agora estarão a 35%. Que o PS teve então 28% e agora estaria a 36%, oito pontos mais. Os partidos à esquerda do PS tendem a esquecer que tiveram juntos 13% e hoje, mau grado os ataques grossos ao PS e finos à coligação apenas granjeiam mais um ponto no conjunto. Poeiras são perdidas para outros que desfalecem com erros próprios ou perdem gás com o voto útil. Ao contrário do que vaticinavam os áugures, a trinta dias do sufrágio tudo continua por decidir, nos 21% indecisos. E tudo pode acontecer: ou a abstenção, o que colocaria a realidade próxima deste cenário e o País no limbo, ou o deslizar de grande parte deles para um ou outro lado, chegando mesmo à maioria absoluta. Estamos ainda no alto mar. Tudo depende da percepção de seriedade e confiança que esses eleitores virem nos programas. De um lado, um programa com valores, compromissos e contas feitas. Do outro, a continuação da paralisia actual, vendendo ao desbarato o que ainda estiver de pé, empurrando para fora gente válida e jovem, paralisando o crescimento à custa da anemia, apertando aqui e ali o garrote que leva à tal asfixia democrática. Contas? Para quê? Bastam as de Bruxelas.

4. Sócrates. Por uma vez o bom senso imperou. Sócrates saiu de Évora cinco dias antes do grande debate eleitoral, o único que Passos tolerou, ainda a longa distância do 4 de Outubro para reduzir surpresas. Advogados insatisfeitos reclamarão da domiciliária, ainda prisão. Como amigo, fiquei satisfeito com a mudança de condições que quase todos reputavam injustas e excessivas. A fazer fé no estendal mediático pornográfico visível na noite de sexta-feira, onde não faltavam as habituais mentiras, inventando mansão com jardim e piscina, onde apenas havia um andar com terraço nas traseiras, bem como uma tresloucada perseguição a um dos advogados que voltara ao carro para procurar algo que haveria esquecido, iremos assistir ao continuado estendal provocatório de mentiras dolosas, para que Sócrates responda de supetão. Em estúdio, comentadores apanhados à pressa conjecturavam cenários com denominador comum: o quanto esta mudança prejudicaria o PS. Ninguém ousava afirmar que o beneficiaria. Confesso a minha perplexidade perante tão doutas opiniões. Em calma percepção todos ganharemos com a libertação completa do arguido: o País, a Justiça, o PS e sobretudo José Sócrates. Assim se gera o pensamento único, assente em nuvens de fumo.

Professor catedrático reformado

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