Nem tudo o que luz é ouro

Foi Paulo Portas que pôs Portugal nesta situação amoral de vender a residência por meio milhão.

Os vistos dourados são uma má ideia desde o início. Ridicularizam o princípio da igualdade (“todos os estrangeiros são iguais desde que tenham meio milhão de euros para comprar apartamentos de luxo em Portugal”).

Vendem aquilo que não deve ser vendido, a possibilidade de emigrar e residir primeiro, a nacionalidade e a cidadania depois. Criam entre os países europeus uma corrida indigna: Malta já oferece cidadania europeia a quem a compre por dois milhões de euros sem precisar de pôr os pés no país. E são uma porta aberta para a fuga de capitais e para a lavagem de dinheiro. Enquanto seres humanos morrem no Mediterrâneo por serem imigrantes e refugiados, alguns dos que roubam os recursos dos seus países podem comprar em toda a segurança a sua residência no espaço europeu.

Má ideia para começar, má implementação para continuar. Tudo, a começar pelo nome pindérico em inglês (vistos “gold”), tresanda à desvalorização do país que este governo promoveu desde que tomou posse. Isso já era verdade antes das recentes revelações sobre possível corrupção na atribuição de vistos dourados, e continuará a ser verdade quer se comprove ou não a corrupção.

A única coisa que faltava aos vistos dourados era serem ainda piores do que se pensava. Mas aí convém separar as coisas, e distinguir corrosão de corrupção. Os vistos dourados eram, como já ficou dito acima, uma prática que corroía certos valores da igualdade republicana ou da simples decência humanitária. E sê-lo-íam mesmo que não se verificasse que, além disso, corrompiam também gente em lugares cruciais da administração e do estado.

Há pois três planos distintos em toda esta história.

O primeiro é o da investigação que pode, ou não, provar as alegações de corrupção. Adicionalmente, neste plano poderemos também — ou não — encontrar a demonstração de que todo o programa estava desenhado de uma forma que favorecia a corrupção. E poderemos ainda vir a descobrir — ou não — que um programa deste tipo nunca poderia deixar de, independentemente da sua implementação, ser inerentemente mais atreito a práticas de corrupção. Para tudo isto vamos ter de esperar por mais informação.

O segundo é o plano político, ontem emblematizado pela demissão do Ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, declarando este contudo nada ter a ver com os possíveis atos de corrupção e querer apenas preservar a autoridade que a instituição governativa deve ter. Como foi imediatamente notado, esta atitude põe em cheque outros ministros deste governo que, mesmo perante o caos nos respetivos ministérios e uma acentuada perda de condições para permanecerem no cargo, não tomaram o mesmo caminho. E põe também em xeque o primeiro-ministro, pelo menos indiretamente, pelo seu hábito de manter em funções esses ministros.

Seria, contudo, importante que estes dois planos não ofuscassem o terceiro, que é o dos próprios vistos dourados, e não deixassem incólume o principal defensor da ideia. Foi Paulo Portas que pôs Portugal nesta situação amoral de vender a residência por meio milhão de euros e, em consequência, de parecer um país que sabe o preço da cidadania sem saber o seu valor.

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