Nem estes, nem os outros todos

E se os portugueses tiverem querido dizer que não confiam em ninguém para os governar e que, agora que votaram, cabe a todos os partidos entenderem-se, quer queiram quer não, já que só podem ir a eleições dentro de um ano?

Depois de ter acompanhado a campanha eleitoral, às análises de amigos militantes de diferentes partidos, os múltiplos posts com que o algoritmo do Facebook nos presenteia, as conversas ouvidas em cafés e supermercados, as filas de voto e, por fim, a solidão nas ruas na madrugada de 5 de Outubro para vencedores e vencidos, só há uma conclusão a retirar sobre a escolha eleitoral dos portugueses: nem os que nos governaram até dia 4 de Outubro, nem os que nos governaram até 2011, nem todos os outros que foram eleitos.

As análises sobre a realidade política podem ser construídas sobre sondagens, votos, feitas sobre os partidos e as suas lideranças ou então procurar complementá-las por outras análises, combinando o que pensam e dizem militantes partidários, cidadãos anónimos e estudos sobre a população.

O dia 4 vivi-o entre Grândola e Lisboa, ouvindo episódios de histórias de vida como aquela em que um cidadão de 60 anos se apresentou perante uma mesa de voto incrédula afirmando que ia votar pela primeira vez ou uma conversa de jovens caixas de supermercado dizendo, para quem as quisesse ouvir, que iriam votar no Bloco.

Ao fim do dia, depois do anúncio dos resultados eleitorais, resolvi passar pelos hotéis onde a coligação PSD-CDS e o PS se encontravam e, ao contrário de outros momentos da nossa história recente, parecia que ambos haviam perdido, pois só jornalistas e técnicos de apoio se "manifestavam" nas ruas, dando a sensação de que existiam dois mundos paralelos: o das salas de conferências de imprensa e as salas das casas do resto do país.

Esta constatação fez-me pensar se não haveria uma outra alternativa para decifrar o que quis dizer o voto dos portugueses que não fosse "A coligação ganhou e o PS perdeu", "O Bloco duplicou os votos" e "A CDU cresceu e reforçou a sua posição em deputados e votos".

Hoje enquanto escrevo, nas mesas de café à minha volta ouço dizer, em modo audível para quem quiser ouvir, que "as pessoas estavam chateadas, o que era preciso era votar num qualquer menos no PSD" e perguntas despreocupadas como, por exemplo, "o dos animaizinhos sempre meteu um?", "o quê o LIVRE meteu um? não, pois não?", ou "ainda bem que não votei, entre um e o outro, venha o diabo e escolha", "o quê? votaste Bloco? Votei, mas foi o meu voto útil para eles (PSD) não terem maioria".

Ao contrário de muitos comentadores que se centraram nas análises achando que os portugueses escolheram um governo, acho que a hipótese mais de acordo com a realidade fora dos estúdios e candidaturas é que os portugueses analisaram os últimos anos e concluíram que precisam de um governo mas que não querem eleger governos. Esta afirmação é um paradoxo mas é, provavelmente, uma hipótese a considerar.

As eleições ganham-se, e perdem-se, com indignação ou medo. Nestas eleições, parece claro que o voto da maioria dos portugueses foi comandada por uma dose maior de medo.

Os portugueses tiveram medo de que o PS não estivesse à altura de regressar ao governo, tendo o mito do regresso de Sócrates, jogado aqui o seu papel, mas também tiveram medo de que o PàF regressasse aos seus piores momentos de governação, com cortes e aumentos de impostos. Como resolveram os portugueses este duplo medo? Penalizando ambos.

Por sua vez, essa penalização teve como resultado que muitos dos que votaram PSD-CDS em 2011 votaram ou PS, Bloco de Esquerda ou CDU.

É claro que esta afirmação colocará em causa muita da satisfação do Bloco e CDU, mas desta vez não havendo CDS para votar, visto que ia coligado, restavam apenas dois outros partidos que não poderiam ganhar as eleições – e já é tempo de admitirmos que há muitas pessoas que votam em quem acham melhor votar e não em quem mais gostam de votar.

A indignação foi o que ancorou, apesar de tudo, o voto no PS, visto que, por via da estratégia eleitoral do PàF e dos erros iniciais da campanha, António Costa e o PS tiveram um duplo desafio eleitoral: o de tentar ganhar novos eleitores e o de segurar todos aqueles que, tendo em 2013 e 2014 decidido que iriam votar PS, se iam questionando sobre se deveriam manter o seu voto, ou não, no PS.

Há obviamente perguntas pertinentes como, por exemplo, a saída de mais de 300 mil portugueses não influiu nos resultados? Sim, pois muito provavelmente culpam PSD, CDS e PS (dependendo do ano em que perderam o emprego) por terem sido escorraçados do país e, votando, poderiam ter dado origem a outro cenário parlamentar dando votos à uns e retirando a outros.

E, também, perguntas como: a indignação não jogou um papel nestas votações? A resposta é sim, mas muito mais pela ausência do que pela influência no voto. A indignação contra o PS de 2011 deu votos ao PàF assim como a indignação contra o governo PSD-CDS deu votos ao PS, CDU e Bloco.

No entanto, parte da indignação contra PSD-CDS foi gasta em 2014 e, de algum modo, transformou-se apenas numa espécie de voto antecipado mas perdendo simultaneamente a capacidade multiplicadora de mobilização, tendo o PS sido o grande afectado.

A indignação foi canalizada em grande medida para as primárias do PS de há um ano atrás, onde foram os votos dos simpatizantes que elegeram António Costa contra António José Seguro.

No entanto, a indignação esgotou-se nesse voto, como se o voto de 2014 tudo tivesse decidido e 2015 fosse uma mera ratificação da mudança. Uma dinâmica que deverá fazer partidos interrogar-se sobre a necessidade de perceber melhor como integrar primárias em estratégias políticas de curto e médio prazo.

E a austeridade? As pessoas "gostam" de austeridade? A pergunta é errada pois, já em 2013-2014, estudos sobre a sociedade em rede em Portugal demonstravam que a maioria aceitava a necessidade de austeridade, embora querendo crescimento em paralelo.

Ora, se os cidadãos na sua maioria aceitaram a austeridade, qualquer alternativa de governo teria de assumir que a austeridade não poderia desaparecer e que o que importava era o que fazer para a complementar apresentando uma ideia de futuro. Podemos não apreciar esta conclusão, mas esta é a conclusão que se pode retirar.

Então e agora? Se tudo isto corresponder a uma verdade possível sobre o que sucedeu nesta campanha e sobre as motivações dos votos dos portugueses, o que queremos?

A resposta possível é que para os portugueses, neste momento histórico em que é a Europa que nos segura de cair no abismo da dívida e não apenas a governação nacional, tanto faz.

Tanto faz, mas os portugueses preferem primeiro que seja o PSD-CDS a tentar governar, depois se esses não forem capazes que o PS tente (sozinho ou acompanhado só no Parlamento ou no governo) e depois, se nada disto funcionar, podem sempre haver eleições outra vez a partir do Verão de 2016.

Pode não ser o cenário que os partidos com representação parlamentar mais apreciem, mas foi o nosso voto, de todos nós,o que também foi uma forma de dizer  "agora tratem de encontrar uma maneira de se entenderem, mesmo que não gostem do resultado que vos demos". "É a vida" ou adaptando "é a democracia representativa".

Professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris

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