Não pode valer tudo na pré-campanha

O anúncio da sobretaxa é feito fora de tempo e tem implícito uma matemática duvidosa

O Presidente da República marcou esta semana a data das eleições legislativas e entrámos oficialmente em período de pré-campanha. Já se percebeu que os temas económicos vão voltar a dominar a campanha, o que é natural depois de uma legislatura que foi marcada por um resgate externo. E também já se percebeu que, ao contrário do que pediu Cavaco Silva na quarta-feira, - “a luta partidária não deve resvalar numa crispação sem sentido ou na agressividade verbal” – a campanha vai mesmo resvalar para uma luta onde vale quase tudo. A oposição, a propósito do anúncio da devolução da sobretaxa, falava ontem em “embuste” e em “desonestidade”.

O crédito fiscal anunciado pelo Governo no final desta semana é um assunto que deveria ter ficado fora da campanha. O crédito fiscal foi uma engenharia financeira que a coligação encontrou para resolver um problema essencialmente político. Portas queria o alívio da sobretaxa de IRS já este ano e Passos não queria. Chegou-se a esta solução de compromisso; - a sobretaxa só seria devolvida se as receitas do IVA e do IRS no final do ano ultrapassassem o valor que está inscrito no Orçamento do Estado. Até aqui tudo bem.

Chegados a meio do ano, o Governo resolve fazer um exercício teórico e académico que é o de dizer que se o ritmo de arrecadação das receitas se mantiver até ao final do ano, os portugueses ganham já este ano o direito de reaver parte da sobretaxa de IRS. Este exercício não é válido por várias razões. Se é verdade que o Governo já tinha avisado que o iria fazer desde 2014, também é verdade que não o fez desde o primeiro trimestre como prometeu e só agora, em plena pré-campanha, é que o está a fazer.

Mas o pior é que este exercício cria uma expectativa de que haverá dinheiro extra a receber do Fisco no final do ano, o que poderá não acontecer. Mas aí já terão passado as eleições. E a ideia de criar um simulador onde contribuinte pode calcular o dinheiro que vai hipoteticamente reaver até é perigosa, já que muitos poderão ser levados a incluir no orçamento familiar uma expectativa de receita que poderá não se concretizar.

Se a ideia é péssima, a forma de a concretizar é desastrosa e tem subjacente uma matemática duvidosa. Como explicou o bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC), a evolução da receita de IRS e IVA “está empolada”, porque ainda há reembolsos por fazer nos dois impostos. No caso do reembolso do IVA o processo é hoje mais burocrático e tem havido imensos atrasos, e no caso do IRS o Fisco ainda não reembolsou, por exemplo, “aquelas pessoas que entregaram o anexo C [regime de contabilidade organizada]”, como fez questão de lembrar Domingues Azevedo.

Se a receita fiscal está empolada, o governo está a criar uma expectativa aos contribuintes com base em números que não são os verdadeiros.

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