“Não há nenhuma democracia interna no CDS-PP”

O ex-líder do CDS, José Ribeiro e Castro, sai da política partidária com fortes críticas ao sistema e à direcção de Paulo Portas. E defende que a coligação devia fazer primárias para escolher candidatos a deputados.

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Fez parte da Constituinte e deputado desde 1999, José Ribeiro e Castro, 62 anos, acusa a direcção de Portas de promover um funcionamento disfuncional no CDS. O ex-líder do partido entre 2005-2007 considera que a estratégia “real” da coligação “não é ter a maioria” mas fazer uma “mera limitação de danos”.

Diz que sai da política livre como um passarinho. Para fazer o quê?
Saio da actividade partidária, isso representa meia liberdade, a pessoa não tem os constrangimentos da actividade partidária pode falar com mais independência. Vou reconstruir a minha vida profissional, será a prioridade nos próximos meses. Continuarei nas actividades cívicas em que tenho estado, movimentos que tenho animado como o do 1.º de Dezembro, a reforma do sistema político, as questões de família, a causa da língua portuguesa, Olivença, a Página Europa, tenho um projecto Lisboa-Vladivostok que gostaria de pôr em pé.

Sai muito desiludido com o sistema partidário?
Sim. Não sou eu, é um tema geral, toda a gente tem apontado, caminharemos para a ruptura. O próprio Presidente da República, no discurso do 5 de Outubro, depois de termos apresentado o Manifesto Por uma Democracia de Qualidade, chamou a atenção para a possível implosão. Acho isso pernicioso, porque nós precisávamos de um sistema democrático genuíno, participado, mais saudável. Não só porque é necessário mas porque neste período da vida portuguesa que exige reformas profundas não o faremos com este sistema partidário a funcionar como está.

O partido Livre/Tempo de Avançar fez primárias para a escolha de candidatos a deputados. O que lhe parece?
Uma boa medida é a reforma do sistema eleitoral. Acho que a experiência das primárias do Livre/Tempo de Avançar foi um paliativo interessante e eu acharia interessante que o CDS fizesse primárias já.

Para escolha de deputados?
Sim. O líder do partido escolhe o lugar que quiser, o líder parlamentar também, se o entender. Todos os outros deviam ser sujeitos a primárias, e era até uma forma de reencontro com as bases do partido. Se o PSD fizesse o mesmo, acho que isso seria uma entrada de ar fresco que talvez desse a embalagem que falta para ganhar as eleições. É a forma mais justa de resolver rivalidades, que às vezes existem, entre pessoas ou entre correntes. Isso aplica-se o método de Hondt ou faz-se um método sério como o método preferencial. Acho que seria uma grande surpresa que faríamos ao PS que teve a ideia e abandonou-a.

Vai propor isso no partido? 
Não, hoje no partido as ideias não se discutem, discutem-se as pessoas. As coisas são boas ou más consoante quem as apresenta. Se eu digo a maior banalidade ‘olha está aqui um copo de água’ e estou na linha certa sou genial. Se digo a coisa mais inteligente e mais profunda e estou na linha errada dizem ‘que grande besta, que cavalgadura, temos que derrotar o tipo’. Este é o tique que se apossou do funcionamento dos partidos e que os liquida como instituições importantes para o futuro da sociedade portuguesa.

Mas se Paulo Portas sair do partido após as legislativas admite ser candidato à sua sucessão? 
Não estou a pensar nisso. Acho, aliás, um dos sintomas mais negativos da situação actual. Os círculos mais próximos das direcções dos dois partidos falarem abundantemente na sucessão. Ou seja, trabalham num cenário de derrota eleitoral porque se não não faz sentido que arejem situações de sucessão. Se é assim a estratégia real não é aquela que é declarada. A declarada é que lutam para a maioria, a real é outra. E essa estratégia real é escondida. Considero sinal dessa decadência do sistema político. Tudo isto é postiço. Não dou para esse peditório. Acho que, mesmo que tivesse  houvesse uma derrota, [Paulo Portas] deveria continuar e não repetir a cena que fez em 2005. Acho que seria negativo.

Acha que ele terá condições para continuar?
Não faço ideia se tem condições ou não para continuar. Acho que tem obrigação. Quem as semeia deve colher. Acho que o partido deveria ter equacionado um novo ciclo, com um novo congresso. As coisas foram feitas de forma completamente anormal para que o partido não tivesse um congresso antes do novo ciclo. Não fosse a engenharia no calendário feita em 2013 teríamos um congresso em 2015. O partido teria tido ocasião para reflectir sobre as legislativas e presidenciais.

Há pouca democracia interna no CDS…
Não há nenhuma.

Ainda é um partido de um homem só?
Não é isso. Há outras pessoas que o ajudam nesta linha que é errada, se não não seria possível. Eu já estive na direcção do doutor Paulo Portas, conheço a sua maneira de ser, tem uma idiossincrasia própria, tem aspectos positivos e negativos, este é um aspecto muito negativo, que é quebra profundíssima da vida institucional do partido. Na altura, era discutido e procurava-se corrigir. Hoje custa-me ver que há oito vice-presidentes no partido e nenhum compensa isto. Alguns são professores de direito e portanto ensinam como eu ensinei, na minha curta experiência, que isto é uma viciação da formação da vontade política. Há um disfuncionamento institucional do partido que é contra a tradição mais genuína do partido e é contra o institucionalismo que o partido prega.

Como é que avalia a estratégia de Paulo Portas na coligação?
Bem no princípio, mal a meio até recentemente e acertou agora o passo, não sabemos se com convicção ou se não havia alternativa. Se havia problemas de fundo na coligação, o partido devia ter sido convocado e não ser sistematicamente confrontado com as consequências disso. Também não foi chamado na reforma do Estado, que é fundamental.

Acha que foi feita uma verdadeira reforma do Estado?
Não fez nada. Fez umas coisas, mas não fez o que era necessário que era redimensionar o Estado para responder às necessidades de soberania, às necessidades de políticas sociais, dentro das capacidades financeiras. E isso é uma grande tarefa, muito difícil, mas não foi feito nem se abalançou a isso. Aliás quando o presidente do partido foi convocado para isso, o normal é que o partido fosse chamado a participar nesse debate. Esse guião, muito criticado, acabou por falecer. Aliás, se o guião fosse aquilo que era suposto ser, a moção de estratégia [de Paulo Portas] era essa. O maior chumbo desse documento foi feito pelo congresso do CDS que não disse sobre esse documento uma palavra.

Acha que a coligação tem condições para ganhar as legislativas?
Acho que tinha obrigação de o fazer. As tarefas de que o país precisa são tarefas para mais de uma legislatura. Isso não se cumpre com esta descontinuidade, com esta hesitação. É evidente que o programa que se esteve a executar era muito difícil, muito exigente, mas a generalidade da sociedade portuguesa deu mostras de que compreendia. Havia condições para isso. Uma delas era ter esclarecido a questão das listas há um ano e ter abraçado um programa de reformas e ter governado a sério neste último ano e não estar em voo de planador desde que a troika saiu. Também não se mobilizou um candidato presidencial que interpretasse este desígnio. Nós continuamos neste vazio. Nesta altura não há nenhum candidato da maioria. Mesmo os candidatos que se apresentam como possíveis candidatos da maioria, dão sinais de que não acreditam na maioria. Portanto, são candidatos da minoria. É, de facto, um desastre.

Tem algum candidato presidencial? 
Não, não tenho. O terreno está ocupado por aquilo a que eu chamo os suspeitos do costume.

Se nem a coligação nem o PS obtiverem a maioria absoluta, acha que o CDS deve viabilizar um governo?
É possível que a coligação tenha maioria, tem muitas condições para isso. Tem esta questão do Syriza, que inspira as pessoas, ainda que eu ache que é perigoso fazer uma campanha apenas com o Syriza, é um programa fraquinho e pode haver surpresa, estes ventos são muito voláteis. A estratégia real não é ter a maioria mas uma mera limitação de danos, sobretudo no CDS, que teria um resultado desastroso se não fosse em coligação. Há aqui uma almofada mútua de limitação de danos como a estratégia real. Acho isso muito fraquinho e pouco mobilizador.

Foi muito crítico nesta legislatura sobre o corte das pensões. Admite que há um problema de sustentabilidade da Segurança Social?
Acho que existe. As pessoas não percebem como é que se fez uma reforma em 2007, muito elogiada, e que assegurava a sustentabilidade do sistema até 2030, agora está insustentável outra vez. É preciso que se explique. Depois não se pode ter um discurso em que se culpe os idosos da insolvência do Estado. Não se pode dizer ‘vocês não descontaram para as pensões que recebem’. Porque as pessoas descontaram nos termos dos descontos obrigatórios e constituíram determinados direitos e expectativas. Se o Estado geriu mal tem de pedir desculpa às pessoas. Com certeza que tem de se fazer uma reforma. E tenho pena que estejamos num completo vazio com esta questão dos 600 milhões para trás, 600 milhões para a frente. Há aqui um jogo de esconde-esconde diante dos eleitores. As pessoas vão votar em quê? Os partidos têm de dizer quais as linhas em que acreditam. Isso é uma responsabilidade muito grande para partidos que estiveram no Governo. Tenho defendido que, se o Governo não é capaz de fazer as reformas, deveria ter apresentado um livro branco sobre a segurança social, sistema de saúde, sistema educativo, administração territorial do Estado. Para que as pessoas tenham um inventário objectivo das questões que têm de discutir. Devia ser matéria-prima para estas eleições.

A Segurança Social é uma pasta do CDS...
Faço esse reparo. Mas não faço ataques pessoais, nomeadamente a membros do meu partido. O ministro Mota Soares teve uma missão muito difícil, num país com dificuldades financeiras isso tem reflexos sociais que têm de ser acudidos. E ele teve um desempenho muito importante nessa área, com as instituições de solidariedade da Segurança Social. 

 

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