Não há democracia sem mobilidade

A linha de Cascais é um bom exemplo para que as três autarquias - Lisboa, Oeiras e Cascais – trabalhem juntas e apresentem uma solução integrada que ofereça uma verdadeira alternativa ao automóvel, em termos de conforto, de tempo e de economia. As pessoas merecem isso.

Nos últimos 40 anos construímos aquilo a que vulgarmente se chama sociedade moderna, livre e democrática. Mas será que a modernidade chega a todos? E chega da mesma forma? Será que todos, sem exceção, temos acesso às mesmas facilidades e ao mesmo preço?

Em democracia, construímos uma nova rede educativa, com melhores escolas, melhores equipamentos; novos hospitais e centros de saúde; tribunais mais modernos; esquadras de polícia, as “super” e as de proximidade; museus, bibliotecas e investimos muitos mais milhões num sem número de equipamentos desportivos, culturais e sociais. Claro que não podemos esquecer os milhares de quilómetros de autoestradas, viadutos, pontes e demais obras de arte capazes de rivalizar com as melhores autobhans germânicas. Para ser inteiramente justo, também investimos na nossa rede de transportes, mercadorias e passageiros, embora aqui continue a residir parte do nosso problema de competitividade quando nos comparamos aos nossos vizinhos europeus. Nunca tivemos uma estratégia de mobilidade clara, holística, ideologicamente independente e, acima de tudo, a olhar para o cidadão.

Hoje todos os equipamentos e investimentos públicos dos últimos 40 anos estão cada vez mais longe dos cidadãos. É que as distâncias já não se medem em quilómetros. Medem-se em minutos e segundos. E o ponteiro do relógio dá mais voltas de cada vez que um de nós quer chegar ao trabalho, ao aeroporto, à escola, ao parque, ao hospital ou simplesmente aos nossos lares.

Esta falta de estratégia global e a ausência de uma visão descomplexada trouxe-nos problemas graves em termos de transportes e mobilidade. Por exemplo, um português morador na área de influência linha de Sintra ou Cascais pode facilmente demorar mais de duas horas para chegar ao seu posto de trabalho no centro da capital. Trouxe-nos igualmente insustentabilidade económico-financeira aos sistemas, levando a que, por exemplo, a linha de Cascais esteja hoje obsoleta, sem investimentos, a perder milhões de passageiros e com problemas graves de segurança. E que, mesmo assim, ainda transporte mais de 25 milhões de passageiros por ano.

Governos fazem e governos desfazem, numa atitude maniqueísta de quase desprezo pelos cidadãos que dependem de uma política de mobilidade efetiva para construir os seus projetos de felicidade. Não há liberdade, nem tão pouco democracia, se não permitirmos a todos os cidadãos uma mobilidade plena, com preços socialmente justos e alicerçada em infraestruturas sustentáveis do ponto de vista ambiental e económico.

Não podemos viver na ilusão de que o Estado pode pagar tudo a todos. O que o Estado pode e deve fazer é definir uma estratégia que permita a empresas, públicas ou privadas, competirem por investimentos que sejam simultaneamente lucrativos e socialmente responsáveis.

Se o Estado já provou que não sabe gerir, então que deixe esse trabalho para quem já deu provas de competência: sejam eles empresas privadas ou, por exemplo, as autarquias.

A ANA e a TAP são bons modelos. Mostram como privados, bem balizados, fiscalizados e regulados, podem oferecer serviços públicos de qualidade. A TAP está hoje melhor, com mais aviões, mais rotas, mais passageiros e acima de tudo capitalizada. Por outro lado, a ANA hoje é um caso de sucesso a quem também muito se deve o enorme crescimento do turismo nacional. Não foi preciso construir um faraónico novo aeroporto para alcançar este sucesso.

Deixemos a ANA prosseguir esta estratégia. Lisboa precisa da Portela e precisa do Montijo. E na minha opinião precisa de mais ainda: à semelhança de Paris, Londres ou Madrid com Le Bourget, Biggin Hill e Cuatro Vientos, a capital precisa de um bom aeroporto para aviação executiva. Tires já pode desempenhar esse papel. Para além dos bons exemplos de privados, já mencionados, também sabemos que as autarquias dão hoje cartas na gestão, mais próxima, profissional e competente em concessões e parcerias em áreas tão diversas como o ambiente, agua, saneamento e transportes.

Daqui deixo o convite ao Governo para que ouça as soluções que as autarquias apresentam e não passem atestados de menoridade a quem já provou que sabe fazer melhor e mais barato. A linha de Cascais é um bom exemplo para que as três autarquias - Lisboa, Oeiras e Cascais – trabalhem juntas e apresentem uma solução integrada que ofereça uma verdadeira alternativa ao automóvel, em termos de conforto, de tempo e de economia. As pessoas merecem isso.

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