Não em nosso nome

Não sei se é por inconsciência ou negligência que Pedro Passos Coelho vai para a mais decisiva das cimeiras europeias pronunciando estas derradeiras palavras: “a União Europeia já tem passado por momentos mais difíceis nos últimos anos”. Pode ser por mera desorientação. Nas mesmas declarações, Passos conseguiu dizer ao mesmo tempo que “a integridade da zona euro não está em causa” e que “cabe aos gregos decidirem se querem ou não continuar na zona euro”.

O que sei mesmo é que se todos os líderes europeus estiverem neste comprimento de onda, estamos fritos. Nas próximas horas e dias, os chefes de estado e de governo da União Europeia vão decidir se fecham a porta — ou não — a uma solução para a mais grave crise do projeto europeu. Disto depende não só a integridade da zona euro e o destino imediato da Grécia, mas as hipóteses de futuro das próximas gerações de europeus.

Portugal, ao contrário do que se pensa, nunca foi uma ilha na Europa. Nunca escapámos aos efeitos das sucessivas hegemonias e desagregações do continente europeu, e beneficiámos muito de um período de integração e convergência relativamente harmónica que ocorreu ainda há poucas décadas. Não escaparemos hoje também. Hegemonia ou desagregação são, de novo, os dois caminhos a evitar: ou a hegemonia de uma Europa dominada pelo ordoliberalismo alemão ou a desagregação provocada pelos vários nacionalismos.

Portugal tem um interesse estratégico bem claro, firmado na sua história e confirmado pela sua situação atual. Não nos interessa nem a hegemonia nem a desagregação. Interessa-nos um regresso ao espírito de coesão e convergência do pós-guerra, adaptado à crise que agora vivemos, e norteado por três eixos fundamentais: reestruturação das dívidas soberanas, relançamento das economias e democratização da União Europeia. Só esta posição defende Portugal no presente imediato, e no futuro também.

Nada autoriza — nem os interesses partidários, nem o aproximar de uma campanha eleitoral, nem as carreiras e reputações políticas deste ou daquele ministro — que o governo de Portugal possa chegar a esta hora da verdade sem consciência do que aqui está em jogo para o nosso país também. Nada justifica que, uma vez mais, não tenha havido a tentativa de fazer um debate interno, reunir com os líderes dos partidos da oposição, encontrar uma posição para o nosso país nas negociações que se seguem. Certamente que o resultado dessas consultas não poderia deixar de ser que Portugal deve, no imediato, abandonar o seu inflexível alinhamento com a Alemanha e tentar reforçar os esforços da França e da Itália para que a Grécia possa continuar no euro com um compromisso claro de renegociação da sua dívida.

Um governo que se aproxima com displicência de empurrar a Grécia para fora do euro não fala em nosso nome.

Post-scriptum: Maria Barroso lutou por um Portugal democrático numa Europa solidária, em nome próprio e junto aos seus próximos. Seria injusto, num dia em que ela nos deixou e a atualidade portuguesa e europeia nos pressiona tanto, não relembrar aqui o seu exemplo e não lhe deixar aqui um breve tributo, agradecendo-lhe a coragem, a persistência e o espírito de tolerância e diálogo que tanto cultivou.
 

 
 

 

 
 

 

 
 

 

 

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