Na vertigem da divisão, Bloco decide hoje a liderança

Tudo está em aberto num partido que se esforça para não parecer dividido e recusa ser depois das legislativas uma espécie de CDS de António Costa. Pedro Filipe Soares já conseguiu alterar os estatutos.

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Catarina Martins disse que o que está em causa é escolher quem tem capacidade para unir Miguel Madeira

O primeiro dia da IX convenção do BE ficou marcado pelas palavras “irresponsabilidade”, “divisão” e “unidade”, sem que fosse possível prever o resultado que ditará hoje se João Semedo e Catarina Martins reconquistam a liderança ou se o poder muda para as mãos de Pedro Filipe Soares, actual líder parlamentar.

Com uma mão estendida para um adversário e um punho fechado para outro, João Semedo abriu os trabalhos no Pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, sem nunca referir Pedro Filipe Soares, o seu concorrente directo na disputa pela liderança, e atacando o PS. Para dentro, o coordenador elogiou a diversidade do partido como marca da sua identidade. Para fora, afastou, em definitivo, adornar o PS depois das próximas legislativas. “Querem convencer-nos que a única esperança é termos uma austeridade boazinha. Nós no Bloco não bebemos desse veneno, o nosso caminho não é ajudar o PS, ajudar o centro. O BE não será um CDS de António Costa”, disse. À tarde, Catarina Martins repetiu: "Não faremos parte de um governo liderado pelo PS. Não fazemos parte do pântano, do rotativismo. Nascemos para romper o bipartidarismo.”

O resultado do maior combate de sempre pela liderança BE será conhecido hoje. Ao que o PÚBLICO apurou, a inscrição de delegados não permitia antecipar se Catarina Martins e João Semedo seriam reeleitos ou se seria Pedro Filipe Soares o vencedor. Ontem, o líder parlamentar somou outra “vitória”, ao conseguir aprovar alterações aos estatutos propostas por si e pelos seus apoiantes. Foram os casos dos referendos internos, sem um objectivo definido a priori, desde que a iniciativa seja subscrita por 500 militantes, e da paridade de género 50/50 na comissão política, tendo em conta a proporcionalidade dos resultados obtidos pelas moções. Do outro lado, os actuais coordenadores propunham que a consulta interna aos militantes fosse circunscrita à temática das coligações ou dos candidatos presidenciais.

Apesar deste “conforto” de Pedro Filipe Soares, ontem era difícil medir o pulso ao congresso, que aparentava divisão nos aplausos, nos assobios e, claro, nos discursos. Os nove delegados das estruturas locais da Moita (2) e de Vila Nova de Famalicão (7) continuavam, por isso, a ser apontados como decisivos. E os 90 delegados eleitos pelas outras três moções não eram subestimados na equação, cujo desfecho permanecia imprevisível.

Quando subiu ao palco, Semedo começou por ensaiar um consenso sob o lema “diversidade na unidade”. Pediu “solidariedade” entre camaradas para fazer crescer o BE, que tem “um futuro imenso pela frente” e que sairá mais forte deste conclave. “Podem desiludir-se. Não estamos aqui divididos e nem daqui vamos sair divididos, rendidos ou resignados”, afirmou.

Mas, se dúvidas houvesse da divisão interna que se vive por estes dias, as filas que separavam as “delegações” de Semedo e Catarina Martins de Pedro Filipe Soares serviam para deixar claro o desencontro.

Foi quase no mesmo tom que, da parte da tarde, Pedro Filipe Soares subiu ao palanque para reagir com “incompreensão” aos que vaticinam que o partido está entre a “vertigem da divisão” ou do desaparecimento.

“Não nos conhecem, nem sabem quem nós somos. Foi na democracia e na pluralidade que nós nos forjámos”, disse o dirigente que, no final da sua intervenção, foi aplaudido de pé por muitos dos delegados, que se levantaram pela primeira vez.

Reconhecendo um tempo importante de diálogo à esquerda, o líder da bancada dos oito deputados acrescentou “esta é a esquerda que sabe viver em democracia, respeita a opinião de todos, fez um caminho nem sempre fácil de consecução de compromissos, de diferentes escolhas".

Foi Catarina Martins quem, logo de seguida, quebrou aquilo que, à distância, podia parecer uma parca divergência. A coordenadora defendeu que seria uma “irresponsabilidade” usar erros cometidos por toda a direcção – da qual Pedro Filipe Soares fez parte - “como arma de arremesso para dividir o BE”. A nota comum foi a de que “a diversidade do Bloco não é defeito, é feitio”, mas exige, neste momento, escolhas políticas. “Construir muros à nossa volta é definhar”, avisou, dirigindo-se directamente, e várias vezes, à moção assinada à cabeça por Pedro Filipe Soares. Aplaudida durante a intervenção, Catarina Martins dramatizou que a “a questão essencial desta convenção é escolher quem tem capacidade para unir” e juntar forças ou, pelo contrário, quem opta por “lógicas de exclusão”.

O fundador Francisco Louçã, que nesta convenção abandona todos os órgãos dirigentes, regressando à condição de ”honrosa” de militante base, considerou a divisão da direcção como “o maior erro” do BE nestes 15 anos, uma “irresponsabilidade” e “uma prova de imaturidade”.

“Irresponsabilidade e “imprudência” foram também as palavras escolhidas pelo fundador Fernando Rosas. Em contraciclo, o outro fundador, Luís Fazenda, saiu em defesa da moção de Pedro Filipe Soares com o argumento da democracia interna a funcionar. E garantiu união: “Francisco, há dois anos este também era um problema importante. Entrámos unidos e saímos unidos desta convenção. Mas não falsas unidades", disse, dirigindo-se a Louçã.

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