Mudar de rumo pela saúde dos portugueses

É urgente alinhar a política de saúde com as necessidades das pessoas.

Em matéria de saúde, os últimos 4 anos transformaram-se num dos maiores equívocos políticos da atual governação.

O desacerto das escolhas políticas conduziu o setor para uma situação de desequilíbrio que deixa marcas profundas no desempenho do sistema e na qualidade das respostas.

As escolhas erradas nos cortes feitos pelo dobro, face ao exigido, no programa de assistência externa, forçaram uma compressão da despesa pública em saúde, de 6,9% para 6,0% do PIB, não acautelando os impactos sobre o funcionamento do SNS.

Ao mesmo tempo, a desistência de uma ação reformista anulou qualquer alteração estrutural do sistema, conduzindo a uma situação de bloqueio cuja consequência mais visível é a desestruturação do SNS.

A incompreensão das implicações da crise económica na saúde, traduzida no desinvestimento na gestão da doença crónica ignoraram, por exemplo, a circunstância de Portugal ser hoje o segundo país da Europa com a maior percentagem de pessoas diabéticas (13,09%).

Na verdade, parece cada vez mais difícil esconder a realidade: a promessa falhada de médico de família para todos os portugueses, a desnatação dos hospitais públicos com a saída dos profissionais mais qualificados para o setor privado e para o estrangeiro, a rotura dos hospitais resultante da imprudente gestão das camas hospitalares, a falta de camas de cuidados continuados e a desacertada gestão dos recursos humanos são apenas alguns dos exemplos de uma ação política confusa e desligada de uma ideia de futuro.

A sustentabilidade do SNS, argumento central desta política, parece também ter ficado pelo caminho perdida no recrudescimento da dívida, no aumento dos prazos de pagamento, no subfinanciamento dos hospitais e no incumprimento da lei dos compromissos. O efeito resultante da diminuição dos encargos com os medicamentos, dos cortes salariais, da barragem à entrada da inovação terapêutica resultou ineficaz na prometida sustentabilidade.

No final destes 4 anos, fica como marca histórica deste ciclo político, a maior transferência de custos para os cidadãos, nas últimas décadas, e o maior desequilíbrio na relação financeira entre Estado e famílias, com um nível de pagamentos diretos que se aproxima dos 30% e que compara com uma média de 19% na OCDE.

 

O reconhecimento tardio dos erros praticados está bem expresso na apressada necessidade, em tempo de eleições, de lançar um programa extra de 22 milhões de euros para recuperar as listas de espera que entretanto foram criadas, ao longo dos últimos 4 anos.

No final deste ciclo político, Portugal regista uma transferência de custos para as famílias sem precedentes, ao mesmo tempo que assiste ao maior crescimento do setor privado em contraste com o claro recuo do SNS.

Estas foram escolhas políticas cuja consequência mais grave se revela no avolumar das desigualdades entre cidadãos, no acesso aos cuidados de saúde.

É preciso mudar de rumo. É urgente alinhar a política de saúde com as necessidades das pessoas. Talvez seja por isso que, em matéria de saúde, se sente pelo país uma grande vontade de mudança.

Médico Especialista em Saúde Pública

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