Ministra da Justiça elogia combate à corrupção e insiste no enriquecimento ilícito

Paula Teixeira da Cruz desafia Passos Coelho também na questão da fusão das polícias. Ministra anunciou autorização de recrutamento de mais 120 inspectores para a PJ.

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A investigação foi conduzida pela Polícia Judiciária de Aveiro

A ministra da Justiça voltou esta terça-feira a insistir na tecla da criminalização do enriquecimento ilícito como uma “clara mais-valia” para o combate à corrupção, ainda que admita que isso “não interessa a muitos”. E afirmou-se contra a ideia da criação de uma polícia única, como o primeiro-ministro já defendeu.

Numa conferência para assinalar o dia internacional contra a corrupção, na sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, Paula Teixeira da Cruz deixou um rasgado elogio aos resultados “deveras impressionantes” desta força desde 2011: cem pessoas detidas por corrupção, peculato e branqueamento de capitais, de um total de 2258 arguidos constituídos em 2425 inquéritos abertos pelos mesmos crimes. Dados que, insistiu, contrariam a ideia de que a Polícia Judiciária não tem meios para combater a corrupção, como os sindicatos têm reclamado.

“A excelência do trabalho da PJ e a sua forma particular de actuação só pode levar-nos a um combate contra os que defendem uma polícia única, confundindo investigação com segurança”, afirmou a ministra. Outra questão em que Paula Teixeira da Cruz estará num lado oposto ao do primeiro-ministro. Já em 2012 Passos Coelho defendia a fusão das polícias a médio prazo, para chegar, de forma “programada e gradual” a um “modelo dual puro”, com a segurança interna baseada numa polícia militar (GNR) e outra civil, aglutinando PSP, SEF e PJ.

Depois de um chumbo do Tribunal Constitucional à proposta de criminalização do enriquecimento ilícito e de Passos Coelho, numa reunião do PSD, ter manifestado intenção de deixar cair esse assunto nesta legislatura, Paula Teixeira da Cruz e a deputada Teresa Leal Coelho, autora da proposta recusada, voltaram a insistir no assunto, considerando-o fulcral.

“A criminalização do enriquecimento ilícito não interessa a muitos. Certas práticas são mesmo consideradas normais num clima de intocabilidade a raiar a falta de consciência da ilicitude face à volatilidade dos valores, dos princípios. Assim se tecem teias de interesses, troca de favores, assim se corrói o Estado de Direito e a democracia”, afirmou a ministra. “Afinal quem tem medo e porquê?”, desafiou Teixeira da Cruz.

A ministra defendeu, tal como fez depois Guilherme d’Oliveira Martins num painel que partilhou com Teresa Leal Coelho, que não bastam políticas. “Há que promover uma cultura de tolerância zero” com a actuação da justiça e a criação de leis, mas é preciso trabalhar também as mentalidades, a cultura e a educação.

Além do elogio à PJ, a governante desvalorizou as críticas sobre a falta de meios humanos e materiais que deram origem a um abaixo-assinado de 90 inspectores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) que lhe foi entregue. “É sempre impossível ter tudo. Mas temos com certeza meios para agir senão os resultados não existiriam”, disse Teixeira da Cruz, que foi depois secundada pelo director nacional da PJ, José Almeida Rodrigues.

Pouco antes, a ministra enunciara uma lista de 15 exemplos do “reforço de meios” da PJ nos últimos tempos, desde a nova sede aos aumentos dos pagamentos para alguns serviços e promoção de funcionários, passando pelo reforço de 80 funcionários da área de apoio, mais 73 novos inspectores que estão a terminar o estágio, a autorização para o recrutamento de mais 120 inspectores estagiários, o aluguer de 85 novas viaturas, a compra de 550 computadores novos e de outro equipamento informático, de telecomunicações e vigilância. “É evidente que é sempre possível dotar mais desde que haja dinheiro. Não havendo dinheiro… mesmo assim nós temos feito milagres”, apontou a governante.

Nuno Domingos, presidente da direcção regional sul da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC/PJ), disse depois aos jornalistas que a ministra “demonstra que não conhece a realidade, porque a situação actualmente na UNCC é insustentável" tanto em termos de equipamento como de meios humanos. E que o orçamento mínimo para a PJ funcionar é de 10 milhões de euros, o que raramente tem sido cumprido tanto a nível de meios humanos como materiais.

O casaco de raposa
Na sua intervenção, Teresa Leal Coelho falou dos três pilares para a estratégia legislativa contra a corrupção: desgovernamentalização da economia (incluindo o rigor orçamental e a desburocratização); a transparência, a probidade e o escrutínio como valores determinantes; e o financiamento de partidos políticos e a limitação de mandatos.

No domínio da transparência acentuou a questão da criminalização do enriquecimento ilícito, e do conhecimento público dos conflitos de interesses. São “raríssimos os casos em que os deputados fazem declarações de interesses antes de uma votação. Contam-se pelos dedos os momentos em que algum deputado se levanta previamente a uma votação para fazer um registo de interesses”, disse Teresa Leal Coelho, ironizando sobre uma piada lançada antes por Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas e do Conselho de Prevenção da Corrupção, sobre os casacos de pele de raposa das mulheres dos deputados britânicos. “Eu duvido que não haja um conjunto de deputados com mulheres com casacos de pele de raposa, ou maridos com gorros de raposa ou que sejam caçadores.”

“Eu sei que deixo muita gente zangada sempre que digo isto, mas todos aqueles que pertencem a organizações secretas que estabelecem deveres de obediência e que querem promover finalidades de natureza política no plano da opacidade, têm necessariamente um manifesto conflito de interesses com a transparência que é exigida quando se exerce um cargo político”, rematou Teresa Leal Coelho.

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