Militares entregam carta de protesto a Passos em São Bento a 20 de Março

No Pavilhão de Desportos de Almada foi evidente o mau ambiente que reina no seio das Forças Armadas. Choveram críticas às políticas do ministro Aguiar-Branco, cuja acção foi dura e vivamente criticada

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Os militares reuniram-se em Almada Miguel Manso

A entrega de uma carta de protesto ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, a 20 de Março na sua residência oficial de São Bento, foi a resolução apresentada nesta quarta-feira num encontro de militares em Almada pela Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), Associação Nacional de Sargentos (ANS) e Associação de Praças. A proposta mereceu o apoio, por aclamação, da assembleia de cerca de 500 militares na reforma e na reserva.

Na missiva que vai ser entregue a Passos Coelho pelos dirigentes das associações no culminar de uma concentração de militares na tarde de 20 de Março em São Bento é manifestado o receio de que as Forças Armadas, um pilar do Estado, estejam em causa. O texto refere que a equidade deve presidir aos esforços de ajustamento e manifesta a indignação perante a actuação do ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, acusado “de esquecer o dever de tutela.”

“Desengane-se quem pense que isto é o fim, isto pode ser o princípio do fim do mandato do senhor ministro”, disse o presidente da ANS, Lima Coelho, na sua intervenção final. “Boa, boa, essa é boa”, reagiu um dos militares da primeira fila de um dos anfiteatros do Pavilhão de Desportos de Almada. Ao ministro Aguiar-Branco foram destinadas as últimas setas. “Senhor ministro, o seu tempo chegou ao fim”, proclamou Luís Reis, da AP. “A luta espera-nos”, anteviu Manuel Pereira Cracel, responsável da AOFA.

Depois de tanto clamor contra as políticas do ministério da Defesa, a proposta de uma concentração às portas de São Bento para entregar uma carta ao primeiro-ministro pareceu recuada. O PÚBLICO apurou que foi o denominador comum possível, embora no texto seja referido que em função da resposta do poder político prosseguirão as iniciativas.  Aliás, as associações esperam que a resposta de Passos não seja tardia.

Até porque no ambiente vivido na assembleia de Almada e no teor de algumas intervenções dos militares na reforma e na reserva foi visível muita indignação. “Os militares estão hoje a ser humilhados”, sublinhou Pereira Cracel.  Um sentimento que encontrou eco nas intervenções que oficiais, sargentos e praças fizeram no período de debate.

“O nosso Governo é perito em eufemismos, fala de um contributo extraordinário de solidariedade, ora a solidariedade é voluntária e quando é imposta é um roubo”, denunciou um sargento-mor. “Não vamos andar aos tiros por enquanto, mas pode ser que tenhamos de tomar uma decisão”, meditou, em voz alta, um coronel na reserva. “Deixai a glória de ser políticos, chefias, olhai por nós”, foi o apelo de um oficial aos actuais comandos militares. “A responsabilidade virou-se para as chefias, há uma manobra em curso no Estado na qual a estrutura hierárquica é substituída por mecanismos paralelos”, denunciou o almirante Martins Guerreiro. Pelo que aconselhou: “Temos de reforçar as chefias militares.”

Num encontro de organismos de representação sócio profissional, questões como a saúde, assistência à doença, pensões, reformas e rendimentos estiveram em cima da mesa. Há um profundo descontentamento. Que os militares afirmam saber que é “idêntico ao dos seus concidadãos.” Mas que, sublinham, no caso das Forças Armadas, uma estrutura hierárquica de direitos regulados, leva à sua descaracterização.

O corte de 218 milhões de euros em dois anos, 40 milhões dos quais já em 2013, e a redução em oito mil efectivos, pode, segundo a assembleia desta quarta-feira, levar à desarticulação das Forças Armadas. “O país está a ser posto em causa, as Forças Armadas são um dos fundamentos do Estado, e os fundamentos do Estado estão a ser postos em causa”, alertou Pereira Cracel da AOFA. “Não queremos ser a comissão liquidatária das Forças Armadas”, enfatizou. “Espero que o poder político tenha o bom senso de ler os sinais que a sociedade portuguesa e os militares lhe têm enviado para arrepiar caminho”, manifestou Vasco Lourenço, moderador do debate.

“Servimos a Nação e não nos servimos da Nação, há uma imagem distorcida de que os militares e as suas famílias são privilegiados”, referiu Lima Coelho, da ANS. Este responsável evocou o direito de resistência, contemplado no artigo 21º da Constituição da República Portuguesa: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.”

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