Caso dos submarinos: “Mas que história é esta que não tem um grande final?”*

A oposição uniu-se numa inédita declaração de voto conjunta, mas o relatório foi aprovado pela maioria. Houve tensão, humor, acusações várias. Até houve metáforas com o ébola. E uma promessa: a questão dos submarinos não está, apesar de tudo, encerrada.

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Os submarinos foram comprados em 2005 RUI GAUDÊNCIO

No final da reunião, bem perto das 15 horas desta quarta-feira, os deputados jejuavam e o debate sobre o relatório da deputada Mónica Ferro, PSD, já somava várias tiradas emotivas. A própria relatora aproveitou a última ronda de intervenções para denunciar algumas das críticas que ouviu: “Ataques pessoais e à minha reputação.”

O relatório estava aprovado, apenas com os votos favoráveis da maioria, PSD e CDS. A comissão de inquérito chegou ao fim, apesar das críticas da oposição, PS, PCP e BE. Além do relatório propriamente dito, a comissão produziu ainda uma declaração conjunta (anunciada como “inédita” pelos seus autores) dos partidos de esquerda, que ficará como anexo dos trabalhos. Isto, além de quatro declarações de voto escritas. E muitas acusações, trocadas entre todos os intervenientes. 

A relatora, o presidente (Telmo Correia), a oposição, a maioria, todos foram recebendo reparos, críticas.

Às 9h30 da manhã, os três coordenadores dos partidos da oposição juntaram-se à mesma mesa para, em conferência de imprensa, apresentarem a sua declaração conjunta: “Relatório viciado, inquérito inacabado.” Nesse documento, PS, PCP e BE acusam o relatório de Mónica Ferro de “branqueamento”, “vontade de abafar o debate”, “selecção tendenciosa de depoimentos” (“o ébola do doutor [Bernardo] Carnall”, ironizou Magalhães, quanto ao ex-secretário-geral da Defesa, no tempo de Portas, cuja argumentação foi seguida pela relator), “tentativas de encobrimento” e “dúvidas graves” que ficaram a pairar sobre o tema porque “os trabalhos foram interrompidos”.

A maioria, também numa declaração conjunta, haveria, às 17 horas, de rejeitar, ponto a ponto essas críticas, denunciando “35 erros e falsidades do documento apresentado pelo PS, PCP E Bloco”. Os factos que uns e outros apresentam foram tratados em quase cinco horas de reunião e podem ser lidos, na íntegra na página online do PÚBLICO.

Quando os deputados se sentaram para discutir e aprovar o relatório, restavam poucas dúvidas quanto ao desfecho. Uma delas era o destino das alterações propostas pelo PS ao documento. Os socialistas, apesar de terem subscrito a declaração conjunta com o PCP e o BE não prescindiram de apresentar sugestões de mudança. Mónica Ferro, e a maioria, aprovaram uma parte significativa das alterações que José Magalhães expôs, “porque melhoram o relatório”, anunciou, logo, a relatora.

O PS ficou, assim, numa posição delicada, ao contribuir para um relatório que acusava de ser “viciado”. PCP e BE não apresentaram qualquer alteração e esperaram, em silêncio, enquanto durou a longa exposição e a leitura, por Telmo Correia, da lista de pontos aceites e rejeitados.

No final, o relatório acabou por ser modificado em mais de uma dezena de pontos, mas foi votado, com confiança tácita, uma vez que não chegou a ser apresentada uma versão final, corrigida após as mudanças.

E se algumas dessas alterações são simples - trocar “comissão” por “spread”, por exemplo - outra são bem mais complexas… É o caso da aceitação, pela maioria, de uma alteração a um cálculo dos juros pagos pelo Estado, que envolve uma pesquisa sobre a evolução da taxa Euribor e a sua confrontação com uma previsão forward da taxa de juro no momento da aquisição. Simplificando: a maioria queria aprovar as propostas do PS que não pusessem em causa, de forma evidente, o “tom” do relatório. 

As alterações propostas pelo PSD e CDS (as “auto-emendas”, como lhes chamou Magalhães), foram, naturalmente, todas aceites. Apesar das reservas do PS: “Às vezes é pior a emenda que o soneto. E o soneto da senhora deputada relatora, sem desprimor, tinha menos erros que a emenda.” 

A fronteira que separava os deputados não era, como todos sabiam, a dos detalhes, ou a dos males menores. Era a conclusão política destes quase cinco meses de investigação, traduzidos em 48 audições, com 51 depoentes,126 documentos pedidos, dos quais 119 foram recebidos. Apesar do nome pomposo e comprido, esta era a “comissão dos submarinos”, e era essa a polémica em causa.

“Se a maioria quis abafar rapidamente e em força um inquérito incómodo, não conseguiu”, concluiu José Magalhães. “Este é um relatório pré-fabricado para ilibar as responsabilidades políticas do PSD e do CDS”, acrescentou Jorge Machado, do PCP. “Proteger Durão Barroso e Paulo Portas foi o objectivo único do PSD e do CDS”, prosseguiu João Semedo.

“Este relatório foi feito com seriedade”, retorquiu Mónica Ferro, PSD. “Este inquérito revelou aquilo que o PS não quer que se perceba: foram Governos do PS os responsáveis por grande parte deste processo”, concluiu Filipe Lobo d’Ávila, CDS. “Os senhores deputados continuam a lançar um conjunto de insinuações porque a informação recolhida não confirma a vossa agenda”, acusou António Prôa, PSD.

Os documentos estão, quase todos, disponíveis. Os deputados da oposição pretendem, até, desclassificar os que têm o cunho de “reservados”. O PS já criou um site (submarinos2014.wordpress.com), mas quer que o Parlamento constitua uma edição online do acervo da comissão. O juízo sobre os factos pode, então, prosseguir. A maioria considera que nada mais há para descobrir. A oposição não.“Verdadeiramente começa hoje uma nova fase da descoberta da verdade”, anunciou Magalhães. Seja através do novo inquérito ao Grupo Espírito Santo, seja através de contactos com entidades judiciais, em Portugal e na Alemanha, PS, PCP e BE “assumem o compromisso de continuar a envidar todos os esforços para que tal venha a ocorrer o mais depressa possível”.

<_o3a_p> *Pergunta do deputado José Magalhães, PS, durante a comissão de inquérito

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