Governo foi derrotado pela revolta nas bancadas do PSD e do PS

Marques Guedes deu indicações ao PSD para aprovar proposta de reposição das subvenções vitalícias, que reflecte intenção dos social-democratas do Governo.

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Marques Guedes deu nota do recuo do Governo face ao que tinha sido anunciado ontem Rui Gaudêncio

A proposta de reposição das subvenções vitalícias dos políticos veio do próprio Governo, que defendeu a necessidade de alterar este quadro legal em resultado do acórdão do Tribunal Constitucional na parte relativa às pensões de reforma, apurou o PÚBLICO.

Paulo Portas esteve contra esta alteração, que acabou por entrar no Parlamento por via de dois deputados do PSD e do PS, pertencentes ao Conselho de Administração da Assembleia. É neste cenário que o ministro da Presidência Luís Marques Guedes deu indicações ao grupo parlamentar do PSD para manter a votação prevista e aprovar, logo na quinta-feira, na especialidade, a proposta. Nas bancadas do PSD e do PS, os deputados ameaçaram revoltar-se e votar contra, o que levou à retirada da proposta.

Caso não houvesse um recuo, o CDS preparava-se para pedir publicamente a retirada, depois de ter optado pela abstenção na especialidade. Portas manteve uma divergência sobre esta reposição no seio do Governo e defendeu que faz sentido manter a condição de recursos aplicada aos políticos que beneficiam desta pensão. “Há um erro na substância e afectaria a credibilidade do Orçamento”, disse ao PÚBLICO uma fonte próxima do vice-primeiro-ministro.

A indicação de Marques Guedes para votar foi dada depois de o líder da bancada, Luís Montenegro, ter pretendido adiar a votação da proposta de alteração ao Orçamento do Estado subscrita por Couto dos Santos (PSD) e José Lello (PS), perante o incómodo que estava a gerar internamente. Até por vontade do PS, a proposta foi mesmo votada na especialidade.

Nesse momento, a bancada do PSD esvaziou-se de repente, tendo ficado apenas os deputados da comissão que estavam a seguir as votações, proposta a proposta. Era um sinal de que havia desconforto. A tensão foi subindo de tom ao longo da tarde e da noite de quinta-feira. Muitos presidentes de distritais do PSD ameaçaram indicar aos deputados para votar contra a proposta e avisaram Passos Coelho dessa intenção. Caso não fosse retirada, o plenário poderia ter assistido à primeira revolta pública da bancada do PSD, nesta legislatura, contra uma proposta que tinha a bênção do Governo.

No seio do principal partido da oposição, o sentimento não era diferente. Alguns deputados reconheceram ao PÚBLICO terem sido bombardeados com reacções negativas, provenientes da “estrutura interna” do PS. “Chamar àquilo um erro é pouco. A malta estava passada”, admitiu um parlamentar que precisou que o desconforto ia mais fundo do que a bancada. “Era mesmo o PS, o partido”, afirmou, antes de falar em dezenas de mensagens recebidas em menos de dois dias.

Essas démarches foram confirmadas por outros deputados do PS. Qualquer um destes solicitou recato da sua identidade para evitar a “descortesia” de assumirem uma crítica directa aos proponentes do fim da suspensão. E também por sentirem o “desconforto” de verem a bancada em maus lençóis, como aliás se tornou visível quando o deputado socialista responsável pela coordenação do debate orçamental, Vieira da Silva, teve de vir a público contestar a ideia de recuo.

"Sempre dissemos que esta questão não era uma prioridade do debate orçamental para o PS. Mas, ao contrário de outro partido [o PSD], também não fiz nenhum salto mortal para fingir que não dissemos, como dissemos, que não levantaríamos obstáculos a essa proposta", sustentou Vieira da Silva depois do encerramento dos trabalhos.

Exemplo disso mesmo foi a reacção da JS/Porto. Aquela organização assumiu em comunicado repudiou “de forma veemente” a possibilidade da reposição, classificando-a como “incompreensível” e “perfeitamente absurda”.

Ao que o PÚBLICO apurou, chegaram queixas ao Executivo de que alguns ex-políticos menos mediáticos estavam a viver dificuldades, já que, se o rendimento do agregado familiar superasse os dois mil euros, perdiam o direito à subvenção. Mas se a proposta fosse aprovada, todos os antigos políticos seriam beneficiados, independentemente dos seus rendimentos. O PÚBLICO pediu à Caixa Geral de Aposentações informações sobre quem beneficia da subvenção vitalícia, mas não obteve resposta.

Fonte da bancada da maioria lembra que a reposição das subvenções seria feita com um corte acumulado de 30%. Mas perante o risco de uma revolta interna e o alarido mediático em torno da reposição das subvenções, Luís Montenegro pediu esta sexta-feira de manhã a Couto dos Santos para retirar a proposta, o que foi aceite pelo deputado. E depois comunicou a decisão ao líder da bancada do PS, Ferro Rodrigues.

Justificações do recuo
Depois do anúncio do recuo, em plenário, Luís Montenegro veio dizer que “a vontade política dos deputados da bancada não era aprovar esta proposta” e que a votação na especialidade também “não reflectiu” essa vontade. Na bancada do PS, Vieira da Silva defendeu a solução, mas disse que não era a “prioridade” do partido. Pelo CDS, o líder do grupo parlamentar, Nuno Magalhães, assinalou o seu distanciamento, dizendo que o partido “não, assinou, não votou” e que “sempre teve noção de que não é altura para reposições”.

A oposição aproveitou para lançar duras críticas. Mariana Mortágua, do BE, disse ser “uma vergonha” a votação que aconteceu na véspera. O líder da bancada comunista reiterou ser contra as subvenções e defendeu a sua revogação total.

As versões sobre o papel de Passos Coelho na gestão deste caso divergem. Segundo algumas fontes social-democratas, o seu papel foi determinante para travar a proposta. Já outras apontam que terá sido apenas informado do recuo pelo líder parlamentar. O certo é que a questão gerou tensão interna, mesmo na cúpula.

Carlos Carreiras, vice-presidente do PSD, insurgiu-se fortemente contra a reposição das subvenções no Facebook. Depois do recuo, o autarca deu um sinal de que Passos Coelho estava também em desacordo. “Não posso deixar de partilhar o quanto me sinto privilegiado de ser um apoiante incondicional de Pedro Passos Coelho e o orgulho em que seja presidente do PSD e primeiro-ministro”, escreveu, em associação com uma notícia que informava da retirada da proposta.

Do lado do PS, os contactos junto de António Costa deram eco do distanciamento do futuro líder socialista. Perante o pedido de esclarecimento do PÚBLICO, a resposta recebida foi categórica: “António Costa não teve interferência.” E foi rejeitada a ideia de que as lideranças dos dois principais partidos tivessem discutido o assunto.

 

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