Marinho e Pinto recusa dizer se recebeu subsídio de reintegração de 54 mil euros da Ordem

Eurodeputado entregou a declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional com duas semanas de atraso. Para evitar dar explicações, diz que a actividade enquanto bastonário faz parte da sua “vida privada”.

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Marinho e Pinto terá recebido compensação no final de mandato Daniel Rocha

A transparência é há vários anos a bandeira de António Marinho e Pinto e desde que entrou na política o antigo bastonário da Ordem dos Advogados tem procurado passar uma imagem de cidadão acima de qualquer suspeita. Para o provar, diz que vai cumprir a promessa de fazer o striptease das suas contas publicando ainda esta semana no site do seu novo partido (o PDR – Partido Democrático Republicano) todo e qualquer comprovativo de remuneração, subsídio ou reembolso de despesa que o Parlamento Europeu lhe fizer, garantiu ao PÚBLICO. Entre salário e subsídios, irá receber cerca de 18 mil euros mensais, valor que o eurodeputado não se tem cansado de classificar de "escandaloso".

Porém, ao mesmo tempo, recusa dizer se recebeu da Ordem dos Advogados um subsídio de reintegração na actividade profissional que ele próprio criou em 2008 e que lhe dava direito, em Janeiro deste ano, quando deixou o cargo, a receber 54.460 euros. “Sobre a minha vida como bastonário não tenho nada a dizer porque é uma questão de advocacia, que não faz parte da minha vida pública. Mas tudo o que fiz foi feito de acordo com a lei, com as regras estabelecidas e com o acordo dos advogados”, respondeu Marinho e Pinto ao PÚBLICO quando questionado sobre se recebeu o subsídio.

Fonte ligada à Ordem dos Advogados afirmou, porém ao PÚBLICO, que Marinho e Pinto terá recebido aquela compensação de fim de mandato. O PÚBLICO questionou a bastonária dos advogados, Elina Fraga, que, apesar das diversas tentativas, não respondeu às perguntas enviadas.

Na primeira reunião do Conselho Geral depois de tomar posse, em Janeiro de 2008, a questão dos rendimentos foi debatida na parte final do encontro. Foi colocada em cima da mesa pelo seu primeiro vice-presidente, Jerónimo Martins, no único momento em que Marinho e Pinto se ausentou da reunião para receber em audiência a ministra da Justiça de Timor-Leste, descreve a acta do Conselho.

Jerónimo Martins citou então o programa eleitoral da sua lista que preconizava a criação de um vencimento para o bastonário “correspondente ao vencimento do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Procurador-Geral da República. Nem mais nem menos um cêntimo, já que a dignidade dos cargos é a mesma.” Além disso, o bastonário deveria exercer o mandato em exclusividade. E também por isso, o vencimento deveria manter-se “durante um curto período de tempo depois de cessar funções a fim de possibilitar a sua gradual reinserção na actividade profissional”.

A primeira proposta foi aprovada por unanimidade, a segunda por maioria. Ficou estabelecido que o subsídio seria equivalente a metade do vencimento anual. O bastonário passou a ser o único membro dos órgãos estatutários remunerado. “Foi a coisa mais aberta e transparente. Não tenho que dar explicações ou informações a ninguém”, reitera quando questionado sobre o assunto.

Dificilmente as contas bateriam mais certo para António Marinho e Pinto: deixou a Ordem dos Advogados em Janeiro, terá recebido de uma vez o equivalente a metade (54.460 euros) do rendimento anual ao mesmo tempo que voltou à advocacia. Precisamente seis meses depois assumiu em Bruxelas o seu lugar de eurodeputado eleito pelo MPT, a 1 de Julho. No dia anterior suspendera a sua inscrição na Ordem.

Uma análise dos relatórios e contas da Ordem dos Advogados revela que a remuneração de Marinho e Pinto foi incluída em rubricas diferentes consoante os anos e em poucos se identifica claramente quanto recebeu. Por exemplo, em 2009 ganhou 120 mil euros – cerca de 30% do total gasto pela OA em honorários -, em 2012 terão sido 108.920 e no ano passado está inscrita uma verba de 109.133 euros. Também dispunha de carro de serviço com combustível, portagens e serviço de motorista.

De Vila Chã a Niterói
Com 17 dias de atraso, Marinho e Pinto entregou a sua declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, como manda a lei para todos os titulares de cargos públicos e políticos. Os restantes 11 eurodeputados que estavam em falta a partir de dia 1 de Setembro também já cumpriram o seu dever.

De acordo com a declaração consultada ontem pelo PÚBLICO, teve em 2013 rendimentos de 138.720 euros (108.920 de trabalho dependente da Ordem, cujo valor não bate certo com o da OA) e 29.800 euros de colaborações na televisão, descreveu. No BPI tem acções da EDP, PT, NOS e Impresa no valor de 32 mil euros. Mas não tem depósitos a prazo e “nenhuma conta à ordem está nas condições exigidas” – ou seja, com mais de 24.250 euros. “Não tenho rendimentos para isso. Tudo o que ganho, gasto”, admite, acrescentando ter “confiança abaixo de zero” nos bancos portugueses depois dos sucessivos casos BPN, BPP e BES. Também não tem empréstimos.

Declara ainda uma casa em Coimbra, dois prédios rústicos e um urbano na sua terra natal, Vila Chã do Marão, e até um lote de sepultura com uma área de quatro metros quadrados no cemitério local. A que se somam três automóveis.

Mas a maior fatia do seu património está no Brasil, onde viveu oito anos e os pais passaram a maior parte da sua vida. Em Niterói, uma zona cara na linha costeira do Rio de Janeiro tem seis apartamentos, um prédio de cinco andares inacabado e três lotes de terreno. No banco Bradesco, numa conta poupança e numa aplicação financeira estão 312 mil euros (944.758 reais).

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