Marcelo, que não deve voltar aos media, avisa estudantes que precisam de “heroísmo”

Presidente eleito discursou na conferência que assinala os 28 anos da TSF recordando a sua passagem pela rádio e deixando conselhos. Pacheco Pereira e Carlos Magno desenharam um cenário negro da qualidade do jornalismo actual.

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O aviso vem de quem tem um percurso político entrecortado com um caminho nos media: Marcelo Rebelo de Sousa disse esta segunda-feira aos estudantes de jornalismo que precisam de “heroísmo” para continuar o seu percurso na comunicação social tendo em conta as “muito difíceis” condições económicas e financeiras do sector.

Falando perante uma plateia de alunos da Escola Superior de Comunicação Social e de gente ligada à rádio na conferência “Comunicação social – De Emídio Rangel aos tempos de hoje” que assinala os 28 anos da TSF que hoje se comemoram, o presidente eleito lembrou os tempos em que teve o programa Exame naquela rádio, onde entrou precisamente pela mão de Rangel, e em que foi comentador da estação. E tentou também deixar os alunos a pensar de valerá a pena seguir comunicação social nos dias de hoje. “Sou um apaixonado pela comunicação social, penso que sim”, respondeu a si próprio.

Alertou para “o panorama muito difícil”, sobretudo por comparação com o tempo em que a TSF foi lançada, em finais dos anos 80, ou em que fazia o Exame, em meados dos anos 90. Em especial porque há uma “componente financeira e económica poderosíssima que está a condicionar a comunicação social em vários países”. Em Portugal desapareceu uma boa fatia da imprensa local, regional e até nacional, assim como das rádios locais; “as televisões estão com dificuldades muito apreciáveis”. Não foi o público que se reduziu, apontou Marcelo: as “condições económicas e financeiras é que se tornaram muito mais difíceis”.

“O mundo é maior, os formandos que aqui estão vão ver o mundo à sua frente. Uns ficarão cá – eu não vos convido a irem para fora inevitavelmente -, mas uns ficarão cá, outros não ficarão, irão e virão. Fica naturalmente à vossa escolha e cada caso é um caso”, disse Marcelo provocando alguns risos e comentários na plateia, assinalando a referência à polémica declaração de Passos Coelho interpretada como um convite aos jovens para emigrarem.

E continuando a responder à sua própria pergunta, o Presidente eleito citou o primeiro-ministro que há pouco tempo, a propósito de uma efeméride de um media disse que o “papel da comunicação social é essencial para a democracia”. “Todos os dias se cria democracia através da comunicação social: acertando, errando, cultivando a liberdade de expressão, resistindo aos condicionalismos económicos e financeiros.” Por isso, os estudantes têm um “imperativo ético” de “sonhar” com um país e uma comunicação social melhores.

Marcelo disse ainda que sua paixão pelos media vai continuar mas faz agora contas aos anos – esperam-no, para já, cinco em Belém – e admite ter a “exacta noção de que a probabilidade de voltar à comunicação social é praticamente nula”.

Antes, recordara episódios enquanto colaborador da TSF, como os dois casos dos congressos do PSD em que saltou directamente da cadeira de comentador para o palco – a primeira enquanto delegado de uma lista do conselho de jurisdição e a outra já mesmo enquanto presidente da comissão política nacional do partido. “Foi o cúmulo da originalidade” ter que fazer a análise política dos congressos em que também foi protagonista, brincou Marcelo. 

Pacheco e Magno criticam duramente os jornalistas
Marcelo deu o mote sobre as dificuldades que a comunicação social enfrenta e o historiador Pacheco Pereira e o presidente da ERC Carlos Magno pintaram um cenário quase dantesco sobre o jornalismo que hoje se pratica em Portugal e nem a TSF deixaram impune. O antigo deputado do PSD criticou o “pensamento único”, a “enorme e cada vez maior sensibilidade da comunicação social face ao discurso do poder”, e a tendência para os jornalistas “formarem uma espécie de rebanho” e terem “reacção pavloviana” ao poder.

Cáustico, Pacheco Pereira falou num “problema de mau jornalismo”, considerando que “a crise do jornalismo é a crise da mediação”. Como exemplos dessa linha de falta de pluralismo referiu o facto de as manifestações das centrais sindicais serem desvalorizadas nos media ao passo que se sobrevalorizou a do movimento Que Se Lixe a Troika, de os media noticiarem sobre empresas inovadoras e não acompanharem o seu percurso, sobre a Europa “só há europeísmo” e não se noticia sobre outras correntes – ainda que admita que a coluna de opinião de Yanis Varoufakis no DN é uma boa iniciativa -, e Angola continua a ser um tema tabu.

Apesar de ser convidado da TSF, estação onde trabalhou há alguns anos, Carlos Magno disse que a estação “há muito tempo que não tem notícias”. “Eu percebo o drama: a informação custa dinheiro”, acrescentou, defendendo ser “preciso refundar a TSF” e o jornalismo em geral. “Assistimos hoje à proletarização dos jornalistas e à profissionalização das fontes” que os manipulam e controlam a agenda mediática. “É preciso que os jornalistas defendam o seu espaço e saibam distinguir o que é informação” jornalística relevante, apontou Magno, que defendeu que “vai ser preciso pagar o jornalismo que queremos consumir se queremos qualidade”.

Criticando a superficialidade do jornalismo actual, o presidente do regulador afirmou que “hoje o jornalista é muitas vezes o enviado especial à internet”, classificou o jornalismo do cidadão como “uma treta” e muitos comentários às notícias dos sites como “lixo electrónico”, e secundou o aviso de Marcelo: “sem jornalismo não há democracia”.

Proença de Carvalho, presidente da Global Media Group, dona da TSF, admitiu algum “pessimismo”, mas moderado. Tentou acalmar os ânimos defendendo que há pluralismo na análise sobre a Europa e sobre Angola, disse que se vive um “período de total liberdade de expressão e um pluralismo a todos os níveis” - mesmo nas questões “fracturantes” -, ainda que “limitado” porque não é possível dar voz a 10 milhões.

“O principal risco que a comunicação social corre tem a ver com a confluência de dois factores que são a tempestade perfeita: a crise internacional que levou a uma quebra das suas receitas tradicionais e diversificaram-se as fontes de informação”, disse Proença, admitindo que é hoje “mais difícil distinguir uma informação de qualidade do que é puro lixo”.

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