Marcelo na festa do 105.º aniversário de Manuela de Azevedo
O Presidente da República juntou-se a todos os que celebraram esta quarta-feira o 105.º aniversário da jornalista. A celebração incluiu conversas sobre o jornalismo e um conjunto de memórias de uma carreira que se iniciou na década de 1930.
A jornalista e escritora Manuela Azevedo apagou hoje as velas dos seus 105 anos colocadas num bolo em forma de máquina de escrever e perante um coro, que incluiu a voz do Presidente da República, com quem trabalhou. Entre os episódios que contou, em Lisboa, com uma invejável lucidez e descrições visuais, Manuela Azevedo recordou as viagens que fez com Marcelo Rebelo de Sousa quando os dois partilhavam o ofício de jornalismo.
“Fizemos algumas viagens juntos. Sempre nos demos muito bem e há uma gaffe que eu cometi, numa viagem de avião para o Norte da Europa. Ele ia com o Adelino [Cardoso do Diário Popular] e eu que não sabia do passado de ambos [tinham trabalhado juntos em Moçambique] e disse que os extremos tocam-se, porque o Adelino era da extrema-esquerda e o outro da direita e eles não gostaram”.
“Estamos aqui não por fazer 105 anos, mas por ser a Manuela Azevedo”, garantiu Marcelo Rebelo de Sousa, na cerimónia organizada pelo Museu da Imprensa e Sindicato dos Jornalistas, até ser interrompido pela aniversariante para comentar que “é muito ano para uma pessoa só”. “Não é não. É uma idade rara, mas muito boa”, retomou o Presidente da República para acrescentar que o dia serviu para agradecer à jornalista e a condecorar com a Ordem da Instrução Pública já que a centenária recebeu outras condecorações pelo Mérito, Liberdade e Luta pela Liberdade em 1995 e 2014.
A condecoração foi acordada com o primeiro-ministro, António Costa, cuja mãe trabalhou com Manuela de Azevedo e serviu para o único comentário de Marcelo não dedicado à homenageada. “Ele [António Costa] era para ter vindo cá, mas não pôde, porque o Presidente acaba por ter menos trabalho que o primeiro-ministro e o primeiro-ministro estava ocupado hoje de manhã."
Já na viagem às suas memórias, Manuela de Azevedo relatou uma reportagem sobre barracas, “antes do 25 de Abril [de 1974]”, nas chamadas furnas de Monsanto, na zona de Lisboa. “E o que eram as furnas de Monsanto? Eram buracos nas rochas, com o chão cheio de poças de água e lama. E criancinhas, seminuas, descalças, brincavam ali enquanto um velho tuberculoso, que tinha acabado uma espécie de cama ou beliche na própria rocha, ia cuspindo a sua miséria para o chão”, relatou.
Manuela de Azevedo congratulou-se pelo alojamento posterior dessas 40 pessoas e aproveitou para dar a sua definição de jornalismo. “O jornalismo não é só aquele que diz que morreram tantas pessoas num desastre. O jornalismo é o defensor da objectividade, de focos, de problemas sociais".
Já diante dos caçadores do cachalote da Madeira tinha dito que a “função do jornalista não é olhar às dificuldades, mas [que] o objetivo é informar”.
A carreira feita a escrever começa em 1935 com artigos censurados, quando a partir de Viseu escreveu sobre a eutanásia. Onze anos depois assinava a manchete do Diário de Lisboa - “Fui criada de Sua Majestade” – que incluía textos escritos porque Manuela de Azevedo se disfarçou de aspirante de criada e entrou na Quinta da Piedade (Sintra), onde a família do rei Humberto II, de Itália, morava desde a deposição. Esses textos foram vendidos à imprensa estrangeira o que valeu “umas tantas libras” e a admiração de leitores por um pormenor: “Era não terem água corrente, com a água para os banhos a ir numa chaleira. E foi sensação em todo o mundo”, contou.
Ser mulher numa profissão de homens até foi “muito fácil”, garantiu Manuela de Azevedo, que comentou como o “decano Norberto de Araújo no Diário de Lisboa” a ‘baptizou’ de “lagartixa, por "mexer em toda a parte à procura de assuntos". Revelando que “a vista lhe falhou”, Manuela de Azevedo diz que só lê actualmente os títulos, mas prepara actualmente um livro porque as letras sempre foram a sua vida.