Mais de um quinto dos recenseados nos Açores são eleitores-fantasma

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Foto: Rui Gaudêncio

Em 36 das 154 freguesias do arquipélago, há mais eleitores do que residentes. A campanha eleitoral entra na segunda e última semana, com o PSD e o PS na estrada disputando o Governo Regional

Pelo menos 45 mil dos 225.211 açorianos inscritos nos cadernos eleitorais são eleitores-fantasma. Face a 2008, houve um acréscimo de 17,9% no número de recenseados, enquanto o crescimento da população residente foi de apenas de 0,8%.

Segundo o Censos 2011, os Açores têm 246.746 habitantes, dos quais 44 mil (correspondente a 17,9%) são menores até 14 anos de idade e 35 mil (14,1%) estão entre os 15 e 24 anos. Daí se pode concluir que existem pelo menos 65 mil indivíduos com menos de 18 anos, isto é, sem idade para votar, o que daria no máximo 186 mil eleitores, menos 45 mil que os actuais recenseados.

Quase um quarto dos eleitores-fantasma, cerca de 10 mil, está recenseado no maior círculo eleitoral dos Açores, a ilha de São Miguel, que tem 124 mil inscritos, praticamente metade do eleitorado. No principal dos sete concelhos, Ponta Delgada, pelos censos de 2011, existem 68.809 habitantes e, desta população, 12.434 indivíduos têm menos de 14 anos.

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O mesmo acontece no segundo maior círculo, a ilha Terceira, com 52 mil inscritos. No seu maior concelho, Angra do Heroísmo, pelos Censos 2011, existem 32.829 residentes, dos quais 28 mil teriam idade para votar, pelo que existem pelo menos quatro mil eleitores-fantasma. A mesma situação acontece em 36 das 154 freguesias do arquipélago, se, deixando de fora os emigrantes, seguirmos a metodologia comparação entre a população residente identificada nos censos de 2011, a subtracção do número de indivíduos sem capacidade eleitoral e a comparação com os eleitores registados no recenseamento do mesmo ano.

Este factor tem inflacionado a taxa da abstenção, habitualmente elevada nos Açores, e poderia ter levado a um aumento do número de 57 para 64 deputados, se o parlamento regional não tivesse aprovado em Abril, por unanimidade, uma lei-travão que fixa aquele número máximo de eleitos e muda a forma de distribuição dos deputados. A alteração "cirúrgica" da Lei Orgânica de 14 de Junho de 2012, e que procedeu à sexta alteração à Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa dos Açores, surgiu na sequência do problema criado pelo aumento de eleitores inscritos nos Açores, aumento que não tem ligação com a realidade populacional, mas resulta do recenseamento automático em vigor desde que existe o Cartão de Cidadão.

Em cada círculo de ilha, são eleitos dois deputados e mais um por cada 7.250 eleitores (em vez de 6.000) ou fracção superior a 1000. As frações superiores a 1000 eleitores de todos os círculos de ilha são ordenadas por ordem decrescente e os deputados distribuídos pelos círculos eleitorais, de acordo com essa ordenação, até ao limite de deputados estabelecido. A lei manteve o círculo de compensação, estreado nas eleições de 2008, que soma o total de votos obtidos pelos concorrentes na região. E que, aplicando o método de Hondt, atribui cinco novos mandatos aos maiores coeficientes, após eliminar os mandatos já conquistados pelos partidos no conjunto dos círculos.

Se não fosse travado o aumento de deputados, que decorria da actualização dos cadernos eleitorais, a Assembleia Legislativa dos Açores, com um orçamento anual de 10,4 milhões, gastaria quase mais dois milhões na próxima legislatura. As remunerações certas e permanentes de mais sete deputados envolveriam um custo próximo de 270 mil euros por ano, além de um agravamento superior a 200 mil euros em despesas com deslocações e estadias, ajudas de custo e apoio parlamentar, perfazendo um total de cerca de 470 mil euros por sessão legislativa. No final do mandato de quatro anos, representaria um dispêndio de mais 1,88 milhões.

O parlamento da Madeira, com 47 deputados, prevê gastar este ano 14 milhões de euros, mais 33,9% que a assembleia açoriana, apesar de esta ter mais dez deputados. Destina 1,8 milhões às remunerações dos deputados, quase 1,5 milhões para subvenções vitalícias de ex-deputados (regalia extinta em 2005 a nível nacional e nos Açores) e 5,3 milhões para as subvenções parlamentares, seis vezes o valor do apoio concedido pela assembleia açoriana.

A discrepância entre o número de residentes e recenseados existente nos Açores, como aliás no resto do país, foi analisada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), na sua reunião de 27 de Março de 2012. Segundo consta da acta, a questão dos alegados "eleitores surge porque se analisa a informação dos censos, que é uma realidade estática, ao contrário da informação do recenseamento eleitoral, que, sendo permanentemente actualizada, é uma realidade dinâmica". Acresce que os cidadãos, quando requerem a emissão do cartão de cidadão, indicam a residência em Portugal quando muitas das vezes residem no estrangeiro, o que tem um efeito de distorção do recenseamento. O recenseamento eleitoral que temos hoje, conclui a CNE, é "o mais fidedigno que alguma vez existiu em Portugal e apresenta um número pouco significativo de problemas", que decorrem, essencialmente, do sistema de identificação civil (casos dos óbitos não registados).

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