Madeira vai a votos sem Jardim ao fim de quase quatro décadas

Com uma dívida na ordem dos 7,5 mil milhões de euros, um desemprego galopante e uma taxa de pobreza elevada, os eleitores vão decidir a quem entregam os destinos da região autónoma. Estarão dispostos a depositar a confiança, de novo, no PSD com ou sem maioria absoluta?

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Os madeirenses estarão dispostos a depositar a confiança, de novo, no PSD com ou sem maioria absoluta? Daniel Rocha

Cinquenta mil eleitores “fantasma” vão neste domingo às urnas incluídos num total de 256.239 cidadãos recenseados, quase a totalidade da população da Madeira, estimada em 261. 313 pessoas (dados de 2013). Num arquipélago que apresenta uma taxa de crescimento negativa, assiste-se ao problema de sempre: há concelhos com mais eleitores do que residentes, tomando por base o Censos de 2011.

O exemplo da Madeira é sempre citado como a região onde o escândalo dos cadernos eleitorais, cuja limpeza é sempre adiada, distorce os números, nomeadamente no que toca à abstenção. Não tem havido vontade política para alterar isto, até porque reduzir o número de eleitores tem impacto nas verbas destinadas às autarquias e eleição de deputados.

E é disso hoje que se trata. Escolher a composição de um novo parlamento, de onde sairá o próximo governo que deverá tomar posse a 25 de Abril. O primeiro desde 1976 sem a presença de Alberto João Jardim, que sai pela porta do fundo depois de levar a Madeira a uma situação de bancarrota e a um dos maiores índices de desemprego e de pobreza. Mas não se julgue que o ex-líder do PSD vai ficar parado. Aliás, seria improvável, para quem conhece o perfil deste governante com 40 anos no cargo: “Não pensem que me retiro da política”, garantiu no último dia de campanha eleitoral onde inaugurou um atuneiro e uma obra inacabada.

O tsunami da dívida
E agora? Como será o futuro da Madeira? A herança é pesada. Ninguém nega que foram realizadas obras e serviços necessários mas gastou-se dinheiro em excesso e construíram-se infra-estruturas sem préstimo, algumas delas abandonadas quando a crise bateu à porta e a “Singapura do Atlântico”, ideia criada por Jardim, foi levada pelo tsunami da dívida. Dívida que arrancou com 6,3 mil milhões de euros e que teoricamente deveria estar em 7,5 mil milhões (montante identificado pela Inspecção-Geral de Finanças mais empréstimo de 1,2 mil milhões de euros), sendo que até agora a Madeira só pagou os juros correspondentes. Em 2014, só os encargos com o serviço da dívida atingiram 400 milhões de euros, num orçamento de 1,5 mil milhões de euros.

Em matéria fiscal, os madeirenses foram penalizados e, apesar dos custos de insularidade, deixaram de beneficiar de um regime mais favorável. Os impostos ficaram ao nível dos nacionais, excepção para o IVA, que ficou um ponto percentual abaixo da tabela máxima. Todos os partidos prometem resolver esta situação, fruto de megalomania consentida pelos vários governos da República –  a Madeira foi sempre encarada como um “caso à parte” –, que deram rédea larga para Jardim dizer e fazer o que entendeu, com um caminho facilitado por uma oposição desconcentrada, entretida em guerras internas. O PS, por exemplo, perdeu em 2011 o lugar do pódio como primeiro partido da oposição, cedendo-o ao CDS, isto apesar de o PSD ter obtido um dos piores resultados de sempre.

Um novo quadro
As ligações com o poder central viveram anos de crispação permanente, vividos na ilha sob uma carga autocrática que fragilizou e infantilizou a sociedade civil, brutalmente marcada por condições socioculturais elitistas que a História revela desde o século XIX, potenciadas ainda pelo salazarismo que virou as costas à ilha desde a revolta de 1931, comandada pelo general Sousa Dias.

O segredo de Jardim foi conhecer o passado da ilha, pegar numa população desterrada e dar-lhe auto-estima. Um povo curvado para o Terreiro do Paço, para o senhorio da terra e da cultura de bananeiras, passou a estar curvado para a Quinta Vigia, o novo senhor do velho regime. Será que esta cultura mudou?

O novo quadro que a partir deste domingo se desenha leva-nos a acreditar que sim. Todos assumem que há um novo ciclo, com promessas de uma democracia partilhada e de respeito pelo parlamento, pelo pluralismo e pela liberdade de expressão. Nada será como antes, mesmo que o PSD do novo líder, Miguel Albuquerque, vença as eleições com maioria absoluta, até porque o próprio partido mudou depois das últimas eleições internas disputadas por seis candidatos que irão escrutinar a governação. Falta saber qual será o papel de Jardim no meio de toda esta história, se interfere ou não no executivo e se não transforma a sua longa ligação ao poder num elemento desestabilizador.

Ficou a lição de 2012, quando Albuquerque fez a diferença ao candidatar-se contra Alberto João à liderança do partido. Perdeu por pouco mas preparou a vitória futura – desfecho que Jardim rezava para que não se concretizasse – e um leque vasto de seguidores. Apesar de as sondagens lhe serem agora favoráveis como futuro presidente do governo, pode haver surpresas. A percentagem de eleitorado indeciso (37%) é uma ameaça. Se não obtiver maioria absoluta, o PSD encontrará como parceiro o CDS de José Manuel Rodrigues, que fez uma campanha centrada num objectivo: retirar a maioria aos sociais-democratas.

Parlamento plural
Uma coisa é certa: com 11 forças políticas no menu do boletim de voto, cujos boletins foram impressos antes de o Tribunal Constitucional ter invalidado a candidatura do PNR de Marinho e Pinto, existe a possibilidade de o parlamento regional ter uma composição extremamente diversificada. Para além dos eleitos pelo PSD, CDS e Coligação Mudança, composta pelo PS, PTP, PAN e MPT, e que tudo a crer irão autonomizar-se no parlamento regional, existe ainda a CDU, a JPP (Juntos pelo Povo), para além da hipótese de o BE, PND e MRPP conseguirem eleger um deputado, ocupando assim as 47 cadeiras na Assembleia Legislativa regional, fruto da alteração da Lei Eleitoral que reduziu o número de deputados. Um leque vastíssimo de pluralidade parlamentar. Falta ainda saber se o resultado desta noite da Coligação Mudança não atingir as expectativas dos socialistas, qual será o destino de Victor Freitas, líder regional, principal responsável pelo acordo com o PTP do polémico José Manuel Coelho, contestado por muitos militantes do PS. Com as legislativas nacionais a aproximarem-se, a probabilidade de um congresso antecipado mantém-se no horizonte como consequência desta eleição.

Hoje, dia em que os católicos vão à igreja abençoar folhas de palmeira e o relógio adianta uma hora, madeirenses de 11 concelhos são chamados a exercer o direito de voto. Numas eleições antecipadas que surgiram na sequência do pedido de exoneração apresentado pelo presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, depois de ter sido substituído na liderança do partido maioritário (PSD) por Miguel Albuquerque, em Dezembro de 2014.

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