Madeira exige mais autonomia e pede a solidariedade de Lisboa para pagar a dívida

Assembleia madeirense voltou a assinalar o Dia da Madeira, com todos os partidos a poderem intervir ao contrário do que aconteceu nos últimos anos.

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Procurador não requereu procedimento juridiscional em 11 das 39 auditorias que detectaram infracções financeiras na Madeira RUI GAUDÊNCIO

A reforma do Estatuto Político-Administrativo, o aprofundamento da autonomia e a redução dos juros da divida madeirense marcaram esta quarta-feira as intervenções na sessão solene do Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses.

Dos discursos dos vários partidos – a oposição pôde intervir na sessão pela primeira vez durante anos – ficaram preocupações com as dificuldades económicas que a Região atravessa e a reivindicação de mais autonomia para agilizar a resolução dos problemas. “A Autonomia é um direito próprio, natural e absoluto das regiões autónomas e não uma concessão do Estado, um simples favor ou esmola”, sublinhou o deputado José Prada, do PSD, ressalvando que o facto de a Madeira ser autónoma, não implica que passe a ser menos portuguesa. “Quando exigimos autonomia, não estamos a pedir a independência, apenas autonomia”, reforçou José Prada.

PS e Bloco de Esquerda também defenderam a necessidade de mais autonomia, mas responsabilizaram o PSD-Madeira pela perda de poderes regionais. “Mais autonomia exigia a consolidação da vida democrática na região, e como todos sabemos não foi esse o percurso”, disse o socialista Carlos Pereira, acrescentando que muitas das conquistas autonómicas “obtidas com esforço dos madeirenses” foram perdidas com a assinatura do Plano de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF).

“Somos governados novamente pelo Terreiro do Paço, sem que este recauchutado Governo Regional tenha apresentado ainda soluções concretas para resgatar a autonomia perdida”, criticou o bloquista Roberto Almada, pedindo a “solidariedade do Estado” para pagar os 1,5 mil milhões de euros do PAEF. “Precisamos da solidariedade do Estado que, como noutras ocasiões da nossa história recente, garanta o cancelamento de uma parte da dívida regional”, defendeu o deputado do Bloco.

José Manuel Rodrigues, do CDS, pediu um “pacto” entre todos os partidos e o Governo Regional em torno das “grandes causas” a defender em Lisboa. “Assegurar uma revisão da Constituição que aprofunde a Autonomia dos Açores e da Madeira, no quadro da Nação portuguesa, reforçando a unidade nacional”, explicou, apontando o apoio do Estado à “renegociação” do pagamento da dívida e a “autonomia fiscal” como questões fundamentais, que devem unir toda a sociedade madeirense.

“Embora se tenha estancado o endividamento e reduzido o desequilíbrio orçamental, subsiste e persiste a questão da sustentabilidade financeira da Madeira, e não geramos receitas para fazer face aos compromissos do serviço da dívida”, lembrou o deputado centrista, dizendo que este é “o problema dos problemas” e só pode ser resolvido com a “solidariedade” do Estado.

Também o PCP, através de Sílvia Vasconcelos, defendeu que a autonomia não pode ser apenas sinónimo de “descentralização”, mas sim a “afirmação” de um direito ao desenvolvimento económico e social.  “Não poderá haver autonomia sem mais democracia”, sintetizou a deputada comunista.

Já o Juntos Pelo Povo (JPP) congratulou-se por, “talvez pela primeira vez na região”, a Assembleia celebrar a liberdade e abertura à “diversidade e participação plural dos cidadãos”. Paulo Alves referia-se às anteriores sessões solenes, em que a oposição foi impedida de intervir, e José Manuel Coelho, do PTP, também viajou ao passado.

“Nos últimos anos o regime jardinista impunha a proibição dos deputados dos partidos desta casa usarem da palavra”, lembrou, recordando o episódio ocorrido há dois anos, em que foi expulso pela PSP da sessão solene, depois de ter tentado intervir durante a cerimónia. “Foi o PTP, com a sua luta, que conseguiu repor a normalidade democrática nesta casa”, acrescentou.

Igualmente crítico, Dionísio Andrade acusou o PSD de apenas ter mudado a “roupagem”, mantendo as mesmas políticas de Alberto João Jardim. “Os projectos da oposição são chumbados a uma velocidade estonteante, e só um ou outro diploma baixa à comissão para dar um ar de democracia”, afirmou o deputado do PND. “Fazem um festim com a coisa mais natural do mundo, que é a normalidade democrática”, disse referindo-se à revisão do regimento da Assembleia.

O presidente do parlamento regional, Tranquada Gomes, prefere não “perder muito tempo com o passado”, porque sobre ele os madeirenses já se pronunciaram. “Iniciamos um novo ciclo caracterizado por uma mudança política”, disse, acrescentando que o ciclo parlamentar polarizado, que repartia os deputados em dois blocos, fechou-se. “Essa visão está ultrapassada”, garantiu

“Vamos reformar o sistema político sem pressas e sem fundamentalismos exagerados, apostados em dotá-lo de maior eficácia, de mais democraticidade funcional e de credibilidade institucional bem como de maior proximidade com os eleitores", prometeu Tranquada Gomes, pedindo ainda a “solidariedade do Estado e da União Europeia” para com a Madeira.

Merecemos – disse – ser olhados não como uma mera folha de Excel do deve e haver mas como um activo relevante e estratégico para o país e para a Europa, tendo em conta a posição geográfica e geoestratégica da Madeira.

Lá fora, enquanto os deputados discursavam, um grupo de trabalhadores do Hotel Regency Palace e o Sindicato da Hotelaria, manifestavam-se à porta da assembleia, depois do encerramento, esta terça-feira, da unidade que empregava 110 trabalhadores. O deputado do PTP, José Manuel Coelho, juntou-se, após a intervenção à manifestação.

Dionísio Andrade, do PND, também abandonou a Assembleia depois de ter discursado, para juntar-se a uma outra manifestação convocada para esta quarta-feira, em protesto contra o “monopólio” do Grupo Sousa, que explora a linha marítima entre a Madeira e o Porto Santo e é responsável pelas operações portuárias na região, e a favor do regresso da ligação por ferry com o continente.

A questão foi aflorada durante as intervenções, tal como o desemprego – a segunda taxa mais elevada do país – e o problema da emigração. “Uma coisa é os nossos jovens emigrarem por opção, para se valorizarem profissionalmente no estrangeiro, adquirirem importantes complementos educacionais ou técnicos e depois regressarem à sua terra, outra é emigrarem por absoluta necessidade de conseguirem emprego”, observou Tranquada Gomes, falando da perda para a Madeira da geração que é “reconhecidamente” a melhor preparada das últimas décadas.

Concerto encerra comemorações

As comemorações do Dia da Madeira não se cingiram à Assembleia. Ainda antes da sessão solene no parlamento regional, Tranquada Gomes acompanhado pelo presidente do executivo madeirense, Miguel Albuquerque, e pelo Representante da República na Madeira, Ireneu Barreto, assistiram à guarda de honra. Ao início da tarde foi depositada uma cora de flores junto ao Monumento à Autonomia, seguindo-se a Imposição Solene de Insígnias Honoríficas Madeirenses, no Salão Nobre do Governo Regional. O dia termina com um concerto comemorativo, conduzido pela Orquestra Clássica da Madeira, na baixa do Funchal. 

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