Luta de classes e capitalismo financeiro

Houve um tempo em que toda a gente explícita ou obscuramente acreditava na “luta de classes” em versão marxista. Uns com requintes teóricos, tirados da vulgata de Estaline; outros na forma popular das 200 famílias (porquê 200?) da propaganda russa ou de Álvaro Cunhal no “Rumo à Vitória”. A minha geração, fosse de esquerda ou de direita, viveu na convicção de que existia um grupo terrível e maldoso de capitalistas, os “vampiros” do baladeiro Afonso, que usava Salazar (um lacaio de formação e origem) para nos meter na ordem e lhe permitir chupar o nosso querido sangue. Ninguém conseguia imaginar como seria um exemplar dessa satânica espécie. Por mim, só vi um, e de fugida: Jorge de Melo, a tremelicar de frio na Praia Grande como se estivesse na Sardenha. Fiquei desconsolado.

Mas não fiquei tão desconsolado como agora quando passaram à minha frente na televisão as grandes figuras do capitalismo financeiro cá de casa (segundo a doutrina, o mais poderoso e o mais cínico) e os seus servos da gleba. Era então por causa deles que tínhamos odiado a Ditadura e amado o povo; por causa deles que tínhamos sofrido e também tremido; por causa deles que se fizera o PREC à custa da economia do país. Nunca fui um crente, mas mesmo assim a patética cara do Diabo – finalmente revelada – e a descrição das suas mesquinhas trafulhices foram um desapontamento e uma tristeza. Não havia ali nada de especialmente maléfico e de aterrador. Os piores aldrabavam o cidadão comum com a mesma mediocridade e a mesma técnica de quem vende o vigésimo premiado, abusando como de costume de velhinhos na reforma e pategos de passagem. Para quê, meu Deus?

E o aspecto? A indignidade? O medo da polícia (e da cadeia) que tresandava em cada resposta, em cada comentário? As personagens da nossa antiga imaginação apareceram – na figura de Ricardo Salgado, José Maria Ricciardi, Pedro Queiroz Pereira, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, e um ocasional director ou contabilista – e disseram que sim, e que não, e que assim-assim, e criaram um emaranhado de contradições e de mentiras, em que será preciso pescar à linha. Sinais de responsabilidade? Nem um. E a decência, a decência humana e comezinha do homem da rua, ao que parece não se usa em tão exaltadas regiões. Afinal, era esta a “luta de classes” de que nos falavam os papéis do PC e era este o “capitalismo financeiro” que dominava o mundo? O tempo que nós perdemos.

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