Luís Fontoura, um aristocrata da política

Para conseguir a libertação de pescadores de Matosinhos sequestrados pela Frente Polisário, dormiu no deserto e, como enviado do primeiro-ministro mas sem ser do Governo, assinou um acordo que pôs fim ao cativeiro.

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Mariline Alves/Correio da Manhã

Aos 81 anos, Luís Fontoura sucumbiu no domingo a uma luta de sete anos contra um cancro do pâncreas. Foi discreto na acção, solidário no gesto, conservador no registo, mas profundamente aberto ao debate.

Depois de ter sido por diversas vezes vice-presidente do partido -1978/83, 1985 e de 2007 a 2009-, secretário de Estado da Comunicação Social em 1981, com Francisco Sá Carneiro, e da Cooperação e Desenvolvimento, em 1982/83, com Pinto Balsemão como primeiro-ministro, há dois anos concorreu para a presidência da mesa da assembleia da concelhia de Lisboa do PSD integrando a lista de Mauro Xavier. Desta vez, a sua presença suscitou críticas da outra candidatura liderada por Paulo Ribeiro. “Não está em causa o seu currículo político ou profissional, mas é uma pessoa que aparece com ligações comprovadas com a Maçonaria”, acusou Ribeiro, em declarações ao PÚBLICO de 24 de Junho de 2012.

Terá sido esta uma das poucas vezes que o nome de Fontoura suscitou polémica azeda. Colaborador directo de Sá Carneiro também o foi discreto. Em operações de risco. O primeiro-ministro da Aliança Democrática (AD) incumbiu-o de uma espinhosa missão. Negociar a libertação dos 15 pescadores do Rio Vouga, barco apresado pela Frente Polisário. Foi em 1980, quando o primeiro executivo da AD viveu um dos momentos de maior tensão diplomática: era preciso assegurar a libertação dos pescadores de Matosinhos, mas sem melindrar Marrocos, de Hassan II, país com o qual Portugal mantinha boas relações diplomáticas.

Numa madrugada de Junho de 1980, o arrastão Rio Vouga, na faina ao largo do Sara Ocidental, foi interceptado por um comando da Polisário, que acusa Marrocos de ocupar ilegalmente aquele território e que considera aquelas águas "suas". Durante o ataque, o navio foi destruído e os pescadores detidos, tendo sido levados para algures no deserto. Luís Fontoura, que não pertencia ao Governo mas dirigia as relações internacionais do PSD, foi incumbido de solucionar a questão. Por duas vezes, deslocou-se ao Sara e, na segunda, conseguiu a libertação.

Foi após um jantar numa tenda no deserto que Fontoura assinou um acordo com a Frente Polisário que levou ao fim do sequestro. A Polisário entendeu tal assinatura como um reconhecimento dos motivos da sua luta, apesar de o emissário não representar oficialmente o executivo português. A embaixada de Marrocos em Lisboa não escondeu a sua decepção. Contudo, o objectivo, pragmático, fora alcançado, com a colaboração das autoridades argelinas e do embaixador português em Argel, Meneses Cordeiro. Em 24 de Julho, os 15 pescadores do arrastão reuniram-se com as suas famílias.

Anos depois, Luís Fontoura volta a protagonizar um episódio pouco comum. Era secretário de Estado da Comunicação no Governo de Pinto Balsemão, quando José Mensurado, jornalista da RTP já falecido, se referiu a Daniel Proença de Carvalho, então à frente da estação pública de televisão, como “Maquiavel à moda do Minho”. Perante pressões sobre o jornalista, e sem avisar os administradores da RTP, Fontoura almoça com Mensurado, de quem era amigo, no refeitório da estação. “Era a maneira de sublinhar que não concordava com aquilo”, refere, ao PÚBLICO, um antigo responsável da Informação da RTP, que solicita o anonimato.

“Fontoura era do PSD social-democrata, foi líder do chamado grupo dos 44, com Viana Baptista, Walter Marques, Faria de Oliveira, entre outros, que enfrentaram, e perderam, para Balsemão, no congresso de Montechoro”, recorda ao PÚBLICO a jornalista Fernanda Mestrinho. “Falar com o Fontoura era estimulante, era um espírito independente”, destaca a jornalista.

Sempre foi distante do cavaquismo. “Nunca foi ministro nem teve lugares de maior projecção”, refere Mestrinho. Presidente do ICEP [Instituto de Comércio Externo de Portugal], onde cumpriu um mandato, dedicou-se, depois à administração de várias empresas. Mais recentemente, por indigitação do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, Fontoura presidiu ao conselho para a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.

“Tive a oportunidade de o conhecer por três motivos”, refere o ex-ministro da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira: “como professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais, interessado na geopolítica; como perito da Defesa - quando fui ministro e ele era o coordenador do PSD para as questões da Defesa e Política Externa, conversámos sobre a revisão da lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas -; e, mais recentemente, na revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional”.

O antigo ministro de José Sócrates define Fontoura como “um democrata, um patriota, conservador nas suas posições sobre a evolução da cena internacional, mas um bom conversador.” Severiano Teixeira destaca, no entanto, que Luís Fontoura aceitava posições diferentes de outras personalidades. Assim fez no prefácio do livro sobre a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, no qual as regista.

Carlos Gaspar, assessor do Instituto de Defesa Nacional, refere que Fontoura, “além de um político da velha guarda”, tinha “uma grande erudição na literatura da geopolítica, da qual gostava imenso”. Tal como Nuno Severiano Teixeira, Gaspar concorda: “Fontoura foi um aristocrata da política.”

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