Louçã: “A esquerda precisa de uma força para ter maioria e essa força não é o PS”

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Enric Vives-Rubio

O Bloco de Esquerda não será governo sozinho. Mas o líder bloquista recusa nomear com quem fará alianças. Para já, exclui o PS da “maioria de esquerda”.

PÚBLICO – A insistência do Bloco de Esquerda (BE) na necessidade de uma maioria de esquerda dão a ideia de que o Bloco quer tomar conta do PS, ou pelo menos de uma parte dele.

Francisco Louçã – Não, o que tenho dito, e que é o centro da estratégia do BE nestas eleições e que vai ser nos próximos anos, é utilizar como critério para definir a política a necessidade de resposta à crise social e em particular à recessão económica. E isso exige uma arrumação da política, das ideias, e das alternativas. Creio que o PS fracassou na gestão política da resposta à crise. Por razões que têm que ver com o absolutismo da sua maioria, a fractura social que a sua política acentuou (com o Código do Trabalho, a desregulação da vida social e com a facilitação da vida económica, com os grandes negócios a prejudicarem os interesses da economia do país, a prejudicarem o orçamento, as contas públicas) e por isso é que me parece indispensável dizer com toda a clareza que para uma esquerda que governe, para uma esquerda de maioria, é preciso formar essa maioria.

Como é que se forma essa maioria sem o PS?

Com uma recomposição que atravesse todo o espaço da política portuguesa.

Isso implica uma cisão do PS ou uma transformação do PS.

Implica uma reconfiguração, certamente com uma clarificação contra as políticas passadistas e conservadoras que têm vindo a acentuar a crise. Já existiram diálogos, como aconteceu com Manuel Alegre. É a partir desse trabalho de diálogo que se encontrarão pessoas que fazem parte de todas as cores da política e das alternativas políticas à esquerda.

Essa reconfiguração passa também pela mudança do líder do PS?

O PS fará o que quiser. A esquerda precisa sobretudo de ter uma força para ter maioria. Essa força não é o PS.

Mas tem necessariamente de ter uma parte do PS.

Tem de ter, seguramente. Tem de ter muitas pessoas que certamente hoje se reconhecem no PS ou são críticas do PS. E de muitas outras opiniões da esquerda.

Se olharmos para a Europa encontramos um conjunto de países onde forças políticas que poderemos considerar semelhantes quer ao BE quer ao PCP acabaram por conduzir os partidos socialistas a uma situação de afastamento do poder. Isso não pode acontecer também em Portugal?

Eu vejo o contrário. Acho que se tratou do fracasso dos partidos socialistas que tinham a maioria dos governos de quase todos os países da União Europeia e que conduziram ao impasse europeu, ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, a políticas que acentuaram a recessão e a desqualificação da política social. Essas foram as causas do fracasso. E esse fracasso exige o surgimento de alternativas e cria espaços políticos novos para reconfigurações políticas, sendo o mais importante o Die Link, na Alemanha, que nas mais recentes eleições teve entre 21 e 27 por cento em alguns dos estados mais industriais e mais populosos do país. A política está a mudar na Europa toda, embora com configurações que são muito particulares. Para mim é sempre inexplicável como é que um país de cultura como a Itália pode ter um senhor como Berlusconi a federar a direita italiana.

Porque a esquerda estava estilhaçada.

É certo. E porque o último governo de grande coligação à esquerda foi uma catástrofe do ponto de vista político e social. Efectuou políticas que avançaram mais na privatização da segurança social do que o que tinha jamais acontecido até então. Perdeu-se a sua própria base. Se a esquerda governa atacando a sua base social em vez de criar uma grande maioria para políticas sociais de combate pela igualdade, então naturalmente está perdida. E isso é o que leva ao fracasso do Governo de José Sócrates. Sócrates teve a maioria absoluta, teve todas as condições para governar. Atacou os professores e hoje diz que quer ser mais delicado, ao mesmo tempo a sua ministra da Educação diz que fez uma guerra com os professores. Ora, não há guerras delicadas. O que José Sócrates fez, juntamente com Maria de Lurdes Rodrigues, foi uma guerra social para desqualificar a educação em nome do autoritarismo de Estado. E isso depois traduz-se nos resultados eleitorais.

“Somos mais responsáveis do ponto de vista europeu do que Sócrates”
Há vários pontos no programa do BE que o colocam, no limite, fora da União Europeia (UE). As nacionalizações das telecomunicações e da energia vão contra as regras do mercado aberto europeu.

Nas telecomunicações há duas empresas que dominam o país. No mercado de energia há uma empresa que domina o mercado essencial e há quatro empresas na distribuição dos combustíveis. Falar de mercado é risível. Além disso, a UE nunca procurou ter mercados. O que procura ter é oligopólios bem organizados e quer proteger a rentabilidade de empresas privadas através de rendas que o Estado lhe garante. Veja-se aquilo que aconteceu na Galp, para dar um exemplo concreto: há uma renda que é paga a Américo Amorim e a José Eduardo dos Santos, que compraram por 1700 milhões de euros um terço de uma empresa que vale 10 mil milhões. Ou seja, só na compra já duplicaram o seu investimento. E em cinco anos de dividendos vão pagar aquilo que lhes custou a empresa.
É claro que na UE há uma política liberal que procura garantir antiliberalmente que grandes consórcios possam ter o beneficio da utilização desses bens públicos. Nós discordamos disso, mas somos europeus. Não estamos fora da UE. Pelo contrário, somos mais responsáveis do ponto de vista europeu do que José Sócrates.

Um outro ponto que não se enquadra no projecto europeu é a saída de Portugal da NATO e a extinção da NATO.

A NATO foi criada depois da guerra, no contexto da configuração da Guerra Fria, para defender o Atlântico Norte e a aliança dos EUA com os principais países europeus contra o Pacto de Varsóvia. Hoje em dia, a NATO faz intervenções militares e redefiniu o seu projecto estratégico em qualquer localização do mundo, como é o caso da operação no Afeganistão. O BE entende que não é a NATO que deve ser a força de contenção ou de prevenção ou de intervenção em conflitos militares. Isso deve derivar de uma ordem internacional que não dependa de uma estrutura hierárquica determinada pelos EUA.

É o país com mais meios militares.

Os EUA investem em tecnologia militar mais do dobro do que investe o mundo inteiro. Dominam por completo a NATO.

Nessa lógica os EUA dominariam qualquer outro organismo.

Um organismo multilateral é um organismo diferente daquele que é a NATO. Bem podem dizer que há problemas de defesa. Há, sim senhor. Mas o problema de defesa que agora estamos a viver é o problema do Afeganistão. No Afeganistão os soldados portugueses sofrem a vergonha e a humilhação de defender um governo de narcotraficantes. Na Comissão de Defesa da Assembleia da República recebemos os comandos militares portugueses, sempre à porta fechada. Mas eles dizem-nos sempre, com toda a transparência, sem hesitarem nas palavras, que o Karzai e toda a sua equipa são a cabeça da maior produção de heroína no mundo. A ONU calcula que 90 por cento da produção de heroína no mundo está no Afeganistão, uma parte pelos talibans outra parte pelos senhores da guerra, representados por Karzai. Não há nenhuma razão de paz, nenhum projecto de contenção do terrorismo, que esteja em causa na ocupação militar do Afeganistão. Porque a intervenção na zona, no Afeganistão e no Paquistão, nunca se fará com uma guerra em que os soldados são derrotados e se precipita o prolongamento desta ocupação militar. Há uma razão política que é vergonhosa.

A alternativa, no caso de as forças da NATO saírem, é dizer para se matarem uns aos outros.

Eu sei que os defensores das ocupações militares dizem sempre que depois de a terem feito não há alternativa a ela. Mas quem financiou os mujahedins, de onde vêem os talibans, foram os EUA. Os nossos bons democratas norte-americanos financiaram o terrorismo jihadista no Afeganistão, que derrotou os russos e depois disso se degladiou em guerras civis das quais resultaram a Al-Qaeda, entre outras coisas. Tudo isso tem a marca do dinheiro e das armas norte-americanas. Que depois desta operação não tenham vergonha e ainda venham dizer, como dizem os responsáveis norte-americanos, que não há qualquer alternativa possível à ocupação que fizeram... Sempre houve alternativas e sempre ficou a situação pior.

Um “bando de malfeitores” no BCP e no BPN
Rejeitou liminarmente a hipótese de uma eventual coligação com o PS, caso este vença as eleições sem maioria absoluta. Mas o BE estaria disponível, perante um governo minoritário do PS, para aprovar, no limite, um orçamento que evitasse a queda do Executivo?

Não fazemos política por calculismo ou por arranjos em relação aos governos. Temos um compromisso com os eleitores, candidatamo-nos com ele e procuramos maioria para todas as propostas que apresentamos. Já o conseguimos: liderámos um processo na preparação do referendo sobre o aborto que teve uma maioria esmagadora no país e lançámos outras questões, como a procriação medicamente assistida. Em todas as questões procuramos maioria e um diálogo político que permita decidir sobre os assuntos que estão em cima da mesa. Portanto, votaremos sempre todas as propostas que contribuam para esse grande combate pela igualdade e pela resposta capacitada à crise económica. O que não faremos é favores a troco de qualquer vantagem política. Porque isso é o que faz o CDS, foi o que fez Daniel Campelo, isso é a forma da degradação da política. Portugal precisa de uma política diferente.A política orçamental tem de responder à crise. Olho para esta crise e para o que o Governo fez: orçamentou dois mil milhões de euros para soluções de recurso e de emergência para a economia, mas no princípio deste Verão tinha executado 120 milhões de euros. No mesmo período as indemnizações de oito accionistas do BCP, que foram corridos do banco por terem falsificado as contas, eram de 128 milhões de euros – um problema de ética na economia, como diz o Presidente da República.

É um problema de ética, mas estas indemnizações não dependeram do Governo.

Dependeram do BCP, mas isso mostra onde estão os pesos e as medidas na economia.

O seu discurso sobre a banca e sobre os banqueiros é generalizador. Designa os banqueiros como um bando de malfeitores. Com as expectativas do BE a médio/longo prazo não teme que o seu discurso possa condicionar futuras relações com uma força económica e social importante no país?

O pressuposto não é exacto. Não generalizo porque acho que a força do meu argumento é o exemplo concreto. Não há nenhuma generalização. Falo do BCP porque o conheço muito bem. Estive meses na comissão de inquérito do BCP, conheço todos os documentos sobre o banco e ouvi os depoimentos de Goes Ferreira, Paulo Teixeira Pinto e Jardim Gonçalves. Posso dizer tostão a tostão quanto é que eles levaram a mais e quanto é que o banco perdeu nas contas que já estão disponíveis.

Fala também no BPN. São todos malfeitores?

Nesses dois casos foram um bando de malfeitores. Foram mesmo. Quando Dias Loureiro vai com [Abdul Rahman] El-Assir, que é um traficante de armas libanês, perseguido pela justiça espanhola, fazer um negócio em Porto Rico, do qual resultam 38 milhões de euros que desaparecem, isso evidentemente é uma malfeitoria. E têm de responder por isso. A democracia é uma questão de transparência na economia. Há alguma razão para que eu cale aquilo que hoje sabemos mas que nunca se soube até agora em Portugal? Porque escândalos destes houve muitos, mas estes são os primeiros em que sabemos exactamente o que fez cada um dos protagonistas. Porque houve uma boa comissão de inquérito sobre o BPN, houve uma comissão de inquérito prejudicada sobre o BCP (mas nos temos as contas do BCP, tenho um relatório sobre todas as operações na Baía de Luanda, está tudo explicado). E as pessoas têm ou não direito de saber? Tenho obrigação de o dizer. Porque só assim as pessoas podem olhar para a realidade da economia e perceber coisas que nós nunca soubemos que existiam.
Houve o caso do Banco Espírito Santo em relação aos dinheiros do Pinochet: o Senado norte-americano fez uma investigação em 2005 que não foi publicada em Portugal. Há alguma razão para que em democracia eu não me deva referir aos detalhes dessa investigação?

Mas no caso de Angola, por exemplo, esses bancos tiveram uma atitude diferente. Porque é que nunca se ouve da sua parte uma declaração a dizer 'olha aqui está um banqueiro a fazer bem'?

Eu conheço o essencial sobre Angola: a facilidade com que o Governo português estimula a presença da fortuna da corrupção nos grandes negócios em Portugal, que são 10 por cento do BCP, uma parte do BPI e uma parte importante da Galp. Creio que o BPI se comportou bem em relação a essas decisões sobre Angola porque não aceitou pressões que eram inaceitáveis. Nunca escondi essa minha opinião. Agora o que está em causa nos negócios sobre Angola não é propriamente a capacidade de andar a avaliar cada um deles. É perceber, e é disso que eu tenho obrigação de falar, aquilo que eu acho que prejudica o interesse económico e prejudica a verdade na economia.

A Galp tem negócios com o Brasil, que não levantam grandes problemas, com a Venezuela e com Angola. A Galp não devia fazer negócios com estes dois últimos países?

Não direi isso. Acho que deve haver relações económicas com Angola. Devemos ter uma posição clara sobre questões que têm a ver com a liberdade de imprensa, quando os jornalistas portugueses são impedidos de entrar em Angola ou há jornalistas angolanos que são presos. Acho que Portugal deve ter relações económicas com Angola. Não deve de forma nenhuma favorecer esta lógica da acumulação a partir da corrupção.

“CSI devia estender-se aos dois milhões de pobres do país”
Uma parte do eleitorado do BE gostaria de ver o partido a ter uma maior participação no poder, a colaborar e a fazer compromissos. Houve o episódio da câmara de Lisboa, com a candidatura independente deJosé Sá Fernandes. Não sente que esse eleitorado do BE espera mais do que aquilo que ele está a oferecer?

Espero bem que o eleitorado do Bloco seja muito exigente em relação ao BE. A política faz-se com palavras claras, com intervenção e com compromissos com os eleitores. E é isso que nós fazemos. No nosso programa dizemos que não há nenhuma razão para que se sacrifique ou se troque o sentido da resposta às pessoas que esse programa dá por qualquer vantagem política de curto prazo, que se traduza inevitavelmente numa derrota das políticas sociais necessárias. Ao PS nós não os convencemos, só os podemos vencer. Não os vamos convencer nunca. O engenheiro José Sócrates é inconvencível de uma política sobre a segurança social que seja sustentável e que responda às pessoas. E ele acha mesmo que é preciso reduzir as pensões futuras. É inconvencível de uma política sobre a educação, é inconvencível de uma visão sobre o trabalho.

É possível não reduzir as pensões futuras quando temos mais idosos do que jovens?

Temos dois milhões de pobres que são idosos. O nosso problema é que existe uma geração sacrificada que está a acabar lentamente, e acabar na indignidade: os agricultores não podiam descontar no tempo do fascismo e não têm descontos formados; com as domésticas acontecia o mesmo. São 120 euros as pensões de sobrevivência e as pensões sociais. E depois, quando avançam com o Complemento Solidário para Idosos, que é uma boa medida, obrigam as pessoas a apresentar as contas dos filhos, mesmo que estes estejam emigrados e os pais não saibam onde é que eles estão. Há 200 mil pessoas que beneficiaram de uma boa medida que devia estender-se aos dois milhões de pobres, ou a uma boa parte deles que são os idosos. Esse grande esforço é despesa, mas é uma despesa transitória.

Todos querem que as pensões mais baixas cresçam mais depressa do que as pensões mais altas. Mas no futuro vamos ter menos pensões mais baixas porque as pessoas vêm de um sistema não contributivo; e vamos ter pensões mais altas elas forem calculadas de acordo com o que as pessoas contribuíram ao longo da vida. Mas há mais pessoas acima dos 65 anos do que existem abaixo dos 15...

É preciso encontrar formas diversificadas de financiamento desse sistema a partir de uma sociedade mais moderna, que produza mais valor acrescentado. Nessa geração os grandes ganhos das economias modernas são ganhos de produtividade intensíssimos. Ou seja, há muito mais valor acrescentado por unidade de produção. Essa é uma grande decisão democrática: se se permite que haja uma diferenciação teremos uma democracia da desigualdade no acesso às condições fundamentais. Os modelos que temos até agora para dar resposta a isso fracassaram: é o modelo da privatização. Foi experimentado no Chile, onde a ditadura de Pinochet privatizou todo o sistema de segurança social. É o primeiro caso no mundo que chegou à maturidade: essas pessoas já estão hoje na reforma. O sistema teve de ser renacionalizado e pago em dívida pública porque as pensões eram menos de metade daquilo que as pessoas tinham adquirido em seus direitos. O sistema de privatização foi um fracasso. Como aliás se vê nos fundos de investimento e nos fundos de pensões privados em Portugal, que jogam a partir de capitalização da Bolsa.
Falhando esse sistema, eu defendo um sistema público de repartição intergeracional, que tenha várias formas de financiamento, não as formas tradicionais.

O BE defende em concreto a reforma ao fim de 40 anos de trabalho e descontos. Temos uma esperança de vida que se aproxima dos 80 anos. Na prática, o rendimento do tempo de trabalho, entre o que se paga aos descendentes e o que se paga aos ascendentes por via das transferências, é metade.

40 anos é uma vida de trabalho. Não tem sentido pensar em aumentar sempre a idade obrigatória da reforma. Acho que é possível ter reformas de envelhecimento activo, que permitem às pessoas a opção de continuar a trabalhar depois de 40 anos de trabalho, com benefícios de valorização da sua pensão, diversificando as formas de integração na vida social. Nesse caso, essas pessoas também descontam. Mas o princípio de que quem descontou 40 anos pode ter acesso à reforma em função dos valores que adquiriu do seu desconto é um bom princípio. É absurdo que na idade do desenvolvimento máximo da tecnologia e da capacidade de produção humana se tenha que aumentar a idade da reforma tendencialmente até à idade da morte. Quando foi instituído os 65 anos como idade de referência as pessoas morriam aos 65 anos. Não havia reforma. E não tem nenhum sentido, quando temos duas gerações com muito mais capacidade de produção, que não utilizemos uma parte desse produto, dessa riqueza, para as pessoas. É um grande esforço, sim senhor, mas é uma opção da democracia.

Esse esforço coincide com outro grande esforço, na área da saúde, que tende a ser a próxima bomba relógio das despesas públicas. Gastando esse dinheiro aí (no final da vida gasta-se mais na saúde), o resto fica para quê?

A despesa pública é de 45 por cento. Na média dos países da UE é superior. Portanto a despesa pública é cerca de metade do Produto Interno Bruto. Devemos discutir intensamente como é que ela é utilizada. Isso é uma opção da democracia. É total desconfiança na democracia achar que as pessoas não devem tomar parte ou não são capazes de tomar decisões tão importantes como saber se os recursos que são os seus contributos devem ou não ser utilizados para a melhoria de um serviço público que seja universal, de saúde ou de segurança social. Que têm custos acrescidos ao longo do tempo, é verdade. Mas é assim que devemos decidir. E devemos decidir se é para isso que utilizamos uma parte dos recursos que temos ou se, pelo contrário, queremos uma sociedade mais desigual e se o enriquecimento dos beneficiários do regime económico é mais vantajoso do ponto de vista democrático. Se fizermos a opção da democracia mais igualitária temos um país que vive melhor consigo, temos uma situação de confrontação e de vida social totalmente distinta da selvática, em que os ricos se refugiam em condomínios protegidos por exércitos privados de desesperados que não têm acesso à saúde. Essa é a opção que temos de tomar. Mas também digo que é preciso poupar, que é preciso fazer custos poupados. E o Governo não os faz.
Dou um exemplo, na área da saúde: vamos gastar mais saúde? Vamos. Temos de poupar mais na saúde? Temos de poupar. O Governo deu três hospitais a consórcios privados para a gestão até 2040: dois deles, o de Vila Franca de Xira e o de Braga, vão ser entregues ao Grupo Mello, que foi corrido do Hospital Amadora-Sintra porque as contas não batiam certo, porque era incompetente, e logo a seguir deram-lhes estes hospitais por trinta anos.

Em relação ao Amadora-Sintra o resultado do inquérito foi que aquilo que o Estado gastava a tentar controlar as contas do hospital não compensava. Era uma soma nula.

Quer dizer que as contas não batem certo, que não vale a pena, não tem sentido. E a Inpecção Geral das Finanças fez um relatório que identificou 75 milhões de euros a mais gastos em custos excessivos porque os doentes eram contabilizados várias vezes quando passavam de serviço para serviço e o hospital cobrava várias vezes por cada um deles. Conheço isso muito bem. O primeiro-ministro foi ao Parlamento dizer que estava a tomar uma medida porque havia desperdício e gastos errados no Amadora-Sintra, tirando-o ao Grupo Mello. Logo a seguir deu dois hospitais ao Grupo Mello. Portanto ficamos conversados quanto à contenção de custos. Porque se o Grupo Mello vai gerir os hospitais durante 30 anos vai pagar aos accionistas e o que estes recebem são 15 a 16 por cento. Além dos custos do hospital a remuneração do capital é 15 ou 16 por cento. Se a gestão do investimento fosse feita em dívida pública era dois por cento. Lamento muito mas é uma perda de custos.

O Bloco não será governo “sozinho”
Além da saída de Portugal da NATO, o programa do BE defende ainda o desarmamento universal e a desmilitarização das Forças Armadas. Trata-se de uma declaração de princípios. Não teme que estas tomadas de posição levem uma parte do eleitorado a nunca encarar o BE como uma real alternativa de Governo, mas sempre como uma força de contrapoder?

Esse resumo não é exacto. Propomos um conceito estratégico de defesa. Não é a desmilitarização. É preciso que haja capacidade militar, defendemo-la, mas achamos que ela deve ser adequada às necessidades do país.

Como é que vê o funcionamento das Forças Armadas se rejeita um sistema de alianças?

Devem ter sistemas de alianças e de cooperação militar. Mas propomos regras sobre isso e acho que Portugal não deve ter cooperação militar com Estados ou com países que usam sistemas de terror na sua intervenção militar, com países que violam a convenção internacional sobre o uso do fósforo branco, por exemplo, e outras armas de destruição massiva.

Mas o desarmamento universal é exequível?

Não encontra desarmamento universal no nosso programa. O que diz é que tem de haver redução das capacidades militares. Os EUA e a Rússia não estão a negociar a destruição de uma parte dos seus arsenais nucleares? Não há nenhuma razão para que essa negociação não se estenda a armas potencialmente genocidas. Há mais segurança se houver controlo. Se o Paquistão, a Coreia do Norte ou o Irão tiverem armas nucleares há mais insegurança. É claro que a extensão do armamentismo e exterminismo militar é insegurança. Sobre a questão do contrapoder: o BE é um partido do protesto, da luta social e por isso é que é uma proposta de Governo.

A luta social compreende-se, o protesto nem tanto, uma vez que querem ser Governo. Um antigo membro do BE, Miguel Vale de Almeida, escreveu recentemente que ainda não viu “sair o Bloco da lógica do ‘quanto mais dificuldades e tensões sociais melhor’”. O que ele estava a dizer é que o BE ainda não se tornou num partido capaz de fazer os compromissos necessários para ser Governo.

Está a falar-me de uma pessoa que, com toda a liberdade, decidiu ir para o PS, como candidato. Tem uma visão diferente da política daquela que tem o BE.

Para um partido de protesto ter sucesso é conveniente que existam tensões sociais e dificuldades...

As tensões sociais estão à nossa volta. Não inventámos uma única delas. Quando queremos defender o emprego na Auto-Europa é porque há uma crise geral do sistema industrial e uma crise da procura que leva a riscos imensos de trabalhadores que estão submetidos ao Código do Trabalho. As tensões são estas. Nós respondemos às tensões sociais. Um país que tem dois milhões de pobres não tem fracturas sociais? Não há desespero? 400 mil trabalhadores temporários? É claro que um partido protesta perante a fractura social. Só pode protestar em coerência se tiver uma alternativa. Nós queremos ser medidos, como o Governo é medido, pela capacidade de governar, de dar propostas que sejam executáveis, que façam maioria no país. Se o BE tem crescido é porque os eleitores o vêem como uma proposta coerente.

O BE, sozinho, pode um dia ser governo? Acham isso uma hipótese real?

Os eleitores vão decidir. Queremos fazer parte de uma esquerda que governe.

Então não estarão sozinhos.

Não, não seremos sozinhos.

Essa esquerda inclui o PCP?

Essa esquerda inclui quem, na altura, fizer parte de uma grande confluência por um programa político que responda ao país.

O exemplo da Auto-Europa é propício para se saber até onde podem ser feitos compromissos. A figura principal da Comissão de Trabalhadores é Antonio Chora, um dirigente do BE, que fez um compromisso com a administração só possível porque entretanto houve um novo Código do Trabalho. Nessa altura houve uma tensão na fábrica que foi interpretada comouma guerra entre bloquistas e comunistas. Lendo o programa do BE sobre o Código do Trabalho não se percebe como é que aquele acordo foi possível.

Nada nessa história bate certo, nada. O acordo que vigora foi feito antes do Código que está regulamentado. É contrário ao Código Laboral. As regras de negociação sobre a utilização dos horários de trabalho e os dias de não trabalho que são pagos têm um aumento de ordenados; têm a inclusão obrigatória dos trabalhadores com contrato a prazo como trabalhadores efectivos; têm regras que são extraordinariamente vantajosas para os trabalhadores. Neste último acordo que foi rejeitado pelos trabalhadores houve de facto uma tensão grande. Mas os trabalhadores decidem e a Comissão de Trabalhadores aceitou a decisão do plenário, e ganharam agora a redução do lay-off. Neste contexto houve sempre posições muito diferentes. Os dois sindicalistas que mais se destacaram nos últimos anos em Portugal – Carvalho da Silva e António Chora – estavam de acordo nestas questões. Em termos concretos da luta a Comissão de Trabalhadores da Auto-Europa ganhou.

Ganhou porque negociou e teve de fazer compromissos.No programa do BE, para além da defesa da revogação do Código do Trabalho, existem regras que talvez nem os Códigos de 1975 tiveram. As vossas propostas tornam mais rígidas as negociações.

A negociação existe sempre. A negociação do Acordo de Empresa ou do Contrato Colectivo é sempre por negociação e o acordo é assinado por duas partes. Há empresas que fazem trabalhos por turnos como se fosse trabalho normal. Há call-centers onde as pessoas trabalham 8 horas seguidas e ganham 500 euros; são 3,5 euros por hora. Isso é que é a liberalização do trabalho. A flexibilização do trabalho não é a qualificação do trabalho. Eu sei que a doutrina económica liberal nos diz que quando há desemprego há sempre uma solução: baixar os salários. E é isso que o Governo está a fazer: ao reduzir a remuneração das horas extraordinárias está a baixar os salários.
Os empresários têm em média a quarta classe e os trabalhadores são pessoas que foram sacrificadas toda a vida. É claro que precisamos de trabalho mais qualificado, portanto mais bem pago.

Quem é que cria esse trabalho mais qualificado?

A economia.

Mas as propostas do vosso programa não são no sentido de apoiar empresas em risco.

Veja a nossa política sobre o crédito: é criar credito que facilite o funcionamento da economia, nomeadamente as que estão em risco e têm capacidades tecnológicas.

No âmbito da carga fiscal não ajudam as empresas, nem há Taxa Social Única.

A Taxa Social Única é uma invenção da dr.ª Manuela Ferreira Leite para reduzir o financiamento da segurança social e facilitar o seu projecto de privatização da segurança social. O dr. Paulo Portas acha que pode resolver os problemas da pobreza no país tirando dinheiro aos mais pobres.São feitas promessas às empresas, de que lhes vão reduzir os custos em impostos e, portanto, reduzir a receita do Estado, quando há 30 mil milhões de euros em Portugal que não pagam imposto. Em Portugal perde-se em imposto todos os anos mais do que todo défice que temos este ano. Do que precisamos é de mais clareza fiscal. Se existir um esforço fiscal mais justo, segundo as regras, todos beneficiamos.

Mas a carga fiscal global não pode crescer mais do que está.

Não fizemos nenhuma proposta para crescer a carga fiscal. Onde faz falta um apoio do Estado à economia é onde se pode fazer a diferença na criação de valor acrescentado.

Onde é que se vai buscar esse valor acrescentado?

Temos medidas de urgência a tomar agora e a nossa proposta é no pelouro da reabilitação urbana para que nas cidades grandes e médias se possa fazer uma reabilitação de casas e reduzir o peso do valor do aluguer da casa, devolver aos proprietários pobres condições para reabilitar as casas. Uma boa experiência que foi feita em França e noutros países europeus.

Na reabilitação criam-se postos de trabalho não muito qualificados...

E transitórios. É uma medida anti-crise.

A disputa bloquista é com o PS e o PSD
Existe ou não uma marcação partido a partido entre o PCP e o BE, tendo a consciência de que no dia em que se aproximarem do Governo perdem uma parte do eleitorado?

Eu não respondo pelo PCP. Não temos qualquer competição com o PCP. Isso seria total falta de visão. A nossa competição é com o PS e com o PSD. Temos diferenças de identidade, de projecto, de estratégia, de programa. Os eleitores do BE são sobretudo jovens e os eleitores do PCP são mais idosos. Mas no país inteiro, onde o BE é a terceira força (no Algarve, todos os distritos a Norte do Tejo) o que o BE representa é o desafio político, que espero que seja o mais profundo, ao PS e também ao PSD. Esse é o nosso objectivo, a nossa disputa é essa e não nos apoucamos com outras disputas políticas. Chegar ao Governo é conseguir uma força social que nos não temos ainda.

Se esse é o vosso posicionamento não deveriam mudar de lugar na Assembleia?

Não. É um lugar histórico que temos, a nossa representação é ali.

A extrema-esquerda.

Não, a esquerda da Assembleia.

O lugar mais èsquerda da Assembleia.

É onde estamos e onde nos sentimos bem.

Há muitas pessoas do BE, ou que foram do BE, que vieram das três forças que deram origem ao Bloco. Duas delas, o PSR e UDP, mantêm a sua identidade, têm sites na Internet. No site do PSR, por exemplo, encontra-se relações com a IV Internacional. Porque é que esse relacionamento e essa identidade não são mais claras para o eleitorado?

No BE há uma grande diversidade de opiniões. E há sensibilidades e correntes históricas que fazem parte de trajectórias políticas das pessoas. Eu represento o BE. Falo pelo BE, não falo por nenhuma sensibilidade. Porque o BE é, como tem sido e como os eleitores o conhecem muito bem, uma representação política.

Mas não deixou de ter relações ao mais alto nível na IV Internacional.

Eu tenho as opiniões que tinha desde os 15 anos. O meu trabalho político todas as pessoas conhecem. Sou dirigente do BE, não faço parte de outros órgãos de direcção. Não faço parte de nenhuma outra estrutura política. O BE tem a confiança de pessoas que nunca pertenceram a outros partidos e essas pessoas têm toda a força e toda a capacidade dentro do Bloco porque determinam. Será sempre um movimento plural.

Desde os 15 anos até hoje não tem a mesma identidade na plataforma do Bloco.

São histórias diferentes. O BE tem 10 anos de actividade, responde pela sua política. Eu fui, desde novo, um socialista à esquerda.

Era um revolucionário?

Com certeza.

E hoje continua a ser um revolucionário?

Sou socialista. E sou contra o capitalismo, é verdade. É o que está escrito na plataforma do BE. O socialismo em Portugal, para nós, é um projecto contra o capitalismo. É anti-capitalista, sim senhor, com todo o gosto pelas palavras e com toda a clareza.

O PSR era o Partido Socialista Revolucionário. Foi um revolucionário. Hoje já não o é?

Eu sou o que sempre fui. Penso da mesma forma. Aprendi muito, em muitas questões. E o que aprendi, mais do que tudo, é que é preciso uma política que seja determinante e que só pode ser determinante se for muito clara. E é por isso que sobre o socialismo, ao contrário de muitos outros, no BE as coisas são tão claras que não permitem nenhuma dúvida. O socialismo quer dizer combater a exploração e combater o capitalismo como forma de desigualdade social. Mas quer dizer também recusar os regimes de partido único ou de censura, ou de ataque à liberdade de opinião, como a China, a Coreia do Norte, a antiga União Soviética.

Qual é a tradução desse socialismo na economia?

É uma economia em que as necessidades são democraticamente estabelecidas pelo acesso público: a saúde e a educação são necessidades, são públicas.

A alimentação também é tão importante como a saúde e a educação.

Certo. Mas a alimentação é produzida de outra forma, a saúde não. Se somos desiguais perante a saúde isso quer dizer que há uma fractura irreparável no acesso às condições elementares da vida. É claro que a alimentação é suportada quando nós apoiamos os pobres. Há um livro muito curioso do Darwin, que era visto como um protector do darwinismo social por alguns dos seus apoiantes, e que explica por que é que as sociedades humanas contrariam a selecção natural. Nós seleccionamos os processos anti-selectivos porque protegemos os pobres, apoiamos os portadores de deficiência, submetemos à competição aberta as pessoas.

O Banco Alimentar Contra a Fome é uma organização de apoio aos pobres e não é pública. Portanto não se enquadra no seu socialismo.

Enquadra-se. Há iniciativas sociais do terceitro sector, da solidariedade social, que fazem parte desse cuidar dos outros, como faz a AMI, como fazem muitos outros. Nós apreciamos esse trabalho. Ele é indispensável. Há redes sociais que a Igreja Católica tem, e que outros sectores têm, que são importantíssimos na forma de cuidar das pessoas. O que não quero é que a saúde seja espartilhada entre as condições económicas que separam dramaticamente os ricos e os pobres. A maioria dos portugueses não quer uma solução de privatização da saúde ou da segurança social.

As indemnizações nas nacionalizações são uma “questão posterior” Voltando às nacionalizações. Em seu entender deve haver lugar para indemnizações?

Essa é uma questão posterior. A questão que está hoje na política portuguesa é saber se devemos ter o sector da energia público ou privado e se devemos privatizar, como fez José Socrates, ou se devemos desprivatizar, como nós propomos. E essa é a questão decisiva. Porque só decidindo isso é que podemos falar sobre as condições.

Está a dizer que essa é uma questão posterior e a falar para milhares de pessoas que têm acções na EDP.

Não estou a falar das acções distribuídas ao público. Estou a falar dos grandes fundos de pensões que detêm o poder accionista estratégico sobre a empresa.

Se nacionalizasse a EDP o que aconteceria a estas pessoas com acções?

Ficariam com elas. E seriam valorizadas na Bolsa.

Não seria uma empresa pública...

Uma empresa de capitais públicos pode estar na Bolsa. Porque é que não pode estar?

Então não é bem uma nacionalização.

Temos de decidir se é o Americo Amorim e o José Eduardo dos Santos que controlam a distribuição de combustíveis em Portugal. É isso que temos de decidir. Acho que é errado do ponto de vista estratégico nacional, é errado do ponto de vista económico, é errado do ponto de vista do orçamento. Perdemos dinheiro. Eu faço as contas sobre o dinheiro que perdemos do ponto de vista do orçamento. É ineficiente. Se o critério é a eficiência, e tem de ser, é ineficiente. Perdemos dinheiro. Ainda por cima eu vejo as contas da Galp. A Galp ganhou 500 milhões de euros este ano. 100 milhões de euros foram porque manipulou os preços. Algo reconhecido, está no relatório. Chamam-lhe viscosidade dos preços. E o presidente da Autoridade da Concorrência explicou-nos, com uma candura que só lhe fica bem, que viscosidade quer dizer que quando os preços do petróleo baixam a nível internacional cá o preço baixa muito devagar; e quando os preços sobem a gasolina sobe muito depressa. Só com essa diferença de cêntimos por dia são 100 milhões de euros de lucro. As contas são estas e estamos a perder com essa opção estratégica. Uma economia mais responsável não se permite perder dessa forma.

O BE não percebeu a “dinâmica” gerada pela candidatura de Manuel Alegre
Admitiu recentemente que apoiará uma eventual candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República. Porque é que não o fez em 2005, quando ele se candidatou como independente, sem o apoio do PS?

Não foi bem isso que eu disse. Quando ele se candidatou provou ser o candidato que tinha mais capacidade de obrigar a uma segunda volta. E acho que isso não foi percebido. O BE e muitos outros não percebemos essa dinâmica social que estava a ser gerada à volta da candidatura.

Subestimaram a candidatura e o candidato?

Não sentimos a força social que ela estava a representar. E é fundamental reconhecê-lo.

Num livro sobre a campanha de Mário Soares ele diz que falou consigo algumas vezes e que o senhor não cumpriu a sua palavra.

Ai isso ele não pode dizer. Eu não li essa parte, mas de certeza que ele não pode dizê-lo. É verdade que tentou [um acordo com o BE] e eu disse-lhe que não. Factos são factos e tenho a certeza que ele não me desmentirá. Depois disso encontrei-me várias vezes com Mãrio Soares, tenho muito gosto nisso.

Há pouco disse que afinal não assumiu apoiar uma eventual candidatura a Belém de Alegre.

Eu não posso antecipar uma decisão individual de outra pessoa. Alegre tem de dizer se é candidato ou não e até agora não o tem dito. O que eu disse foi que se houver uma candidatura como a de Manuel Alegre, que contribua para uma clarificação política e para a rejeição destas estratégias que têm conduzido à crise econõmica e à desorientação social, então certamente que ela terá uma força extraordinária.

Mesmo que seja uma candidatura apresentada e apoiada pelo PS?

Ele é que tem de escolher como aparece ou como deixa de aparecer. Mas um candidato presidencial é sempre por si próprio, é uma candidatura na independência da posição de cada um.

Nas últimas eleições presidenciais existiam dois candidatos socialistas.

Mais uma razão para pensar que Manuel Alegre é uma pessoa que afirma sempre a sua independência e a sua visão na sociedade portuguesa. Uma visão que contribua, como ele já fez em 2005, para uma clarificação sobre as grandes opções sociais em Portugal, para o combate à dívida interna, à fractura social. Desta forma, será uma candidatura que tem uma capacidade de movimentação muito importante. E as próximas eleições presidenciais eu não as subestimo. Pelo contrário, dou-lhes a maior importância porque vamos ter um Governo de maioria relativa, qualquer que ele seja, e vamos ter dificuldades sociais e económicas que vão prolongar-se nos próximos anos, com uma grande transformação política em curso. A campanha presidencial vai ser das mais clarificadoras na política portuguesa.

Entre as legislativas e as presidenciais resta somente um ano e quatro meses, sensivelmente. O horizonte das presidenciais condicionará os acordos que o BE possa fazer no Parlamento?

Não faremos acordos que não sejam sobre políticas que respondam à crise.

“Dar a Ferreira Leite e a Portas o Governo era o mesmo que pôr Dias Loureiro à frente do Banco de Portugal”
Perante um Governo minoritário do PS se surgir uma moção de censura o voto assumirá uma grande responsabilidade...

É sempre uma grande responsabilidade e o critério (diante um Governo com maioria absoluta ou sem ela) tem de ser o mesmo. Não aprovamos uma moção em função dos seus fundamentos, mas em função da vida política nacional. Não aprovámos as moções de censura do PSD e do CDS [o BE absteve-se] porque eles que queriam levar a sociedade portuguesa num caminho contrário àquele que pretendemos. Não fazemos nunca a política do quanto pior melhor. Os votos do BE nunca falham à esquerda.

Por essa lógica o BE teria, se existisse na altura, ajudado a derrubar o primeiro Governo de Cavaco Silva.

Não sou admirador do contrafactual na História. Acho que é tolice organizada em presunção intelectual. Não há nenhum direito de inventar histórias que não se passaram. Isso não me interessa. Isso é terrorismo intelectual. Se estivesse no primeiro avião que bombardeou Bagdad teria lançado a bomba ou não? Desculpe, mas isso não tem qualquer sentido.Nós não votamos nada em que não saibamos as consequências da nossa votação. Somos um partido que representa 10 por cento do eleitorado e vai representar muito mais.

Insistimos: não pode excluir o PS. Porque não pode falar numa maioria de esquerda só com o BE e o PCP.

Excluo o PS. Não vamos fazer um acordo com o PS.

Mas fazem distinções entre o PS liderado por Sócrates e o PS com outro líder.

Não ando a fantasiar PS's.O PS é o que é e o que escolhe sempre ser.

O PS de Sócrates é então igual ao de Ferro Rodrigues.

Não, têm políticas diferentes. Mas como se percebeu Ferro Rodrigues não tinha qualquer peso do PS que fosse determinante. José Sócrates é o PS.

Ferro Rodrigues e o PS tiveram de se confrontar com o processo Casa Pia.

Ele foi abalroado por isso. Ele não tinha a liderança natural do PS que tem José Sócrates. José Sócrates é o PS profundo. É o que o Guterres tinha, é o que o Jorge Coelho tinha. Eu não discuto este e aquele PS. O que digo é que há tanta gente descontente...

Mas quando lamenta que os alegristas tenham sido excluídos das listas de candidatos às legislativas está necessariamente a fazer uma distinção.

Constato. Estou a dizer que no PS há muita gente que não quer uma política como aquela que a maioria absoluta levou a cabo. E essas pessoas são indispensáveis para uma maioria que faça governar a esquerda.

Para essa maioria que fará governar a esquerda seria compensatório que o PSD ganhasse as legislativas, tendo em conta objectivos a médio/longo prazo?

Já disse muitas vezes que não faço política de terra queimada. Quero o que melhor vá aproximando todas as políticas das respostas mais exigentes. Dar à dr.ª Manuela Ferreira Leite e ao dr. Paulo Portas o Governo era o mesmo que pôr o dr. Dias Loureiro à frente do Banco de Portugal.

Porque é que faz essa comparação entre Dias Loureiro e Manuela Ferreira Leite?

Não estou a fazer uma comparação.

Há pouco chamou-lhe criminoso.

Se é criminoso a justiça o dirá.

Mas fez dele um retrato muito pouco abonatório. É o mesmo retrato que faz de Manuela Ferreira Leite?

Não, não é. Mas o PSD é um partido dos negócios, é um partido tentacular dos negócios que foram porotagonizados pelos seus maiores. Não foram por marginais do partido. Foi a estrutura essencial da governação cavaquista que fez o negócio do BPN. Oliveira e Costa dirigia a máquina fiscal do país. São imensas responsabilidades políticas de toda a teia de interesses que se construiu na gestão económica de quem tinha o poder total no partido.

Quem o ouve até parece que quer que o PS ganhe.

O PS e o PSD não são competentes para responder à crise.

Quem é que é competente?

É a resposta do BE.

O BE está preparado para ser governo agora e para responder à crise?

Estamos preparados para essa luta. E queremos ter votos de quem achar que merecemos essa confiança. Por isso é que o BE tem crescido ao longo das eleições e os eleitores nos olham como parte dessa resposta essencial. Agora quando perguntam se é com o PS que o fazemos, digo-lhe que não. É preciso uma esquerda, um partido, uma força que seja governante para esquerda e isso exige uma reconfiguração da esquerda.

A reconfiguração do BE significa o quê?

Para haver uma esquerda de maioria é preciso uma aprendizem intensíssima sobre a política. Se temos 11 por cento nas últimas eleições, precisamos de chegar a muitas mais pessoas, de aprender mais e de ganhar mais capacidades de governação. Portanto, de mais conhecimento da vida social, mais representação social e isso será feito encontrando muitas pessoas que hoje são do PS ou que são de outras cores da esquerda.

Os encontros com Manuel Alegre foram uma primeira oportunidade falhada?

Pelo contrário, foi totalmente bem conseguida. Nunca houve o objectivo, nem nosso nem de Manuel Alegre, de fazer um partido a trouxe-mouxe. Os encontros anunciaram que não eram iniciativas para eleições de curtíssimo prazo e que eram mais profundas ainda.

Ficou a ideia de que algo foi iniciado e interrompido abruptamente.

Foi iniciado e vai continuar.

Ana Sara Brito e Helena Roseta, duas figuras importantes da candidatura presidencial de Alegre, estão hoje com Antonio Costa. Isso não é uma contrariedade?

Não. Ana Sara Brito já tinha estado ligada a Costa. No caso de Roseta, é uma opcão livre que ela tem.

E do ponto de vista daquilo que poderia ser o vosso resultado em Lisboa?

Não nos prejudica. O BE é forte nas alternativas sobre Lisboa, vamos decidir sobre políticas sociais, políticas de transportes, políticas de utilização do espaço público., reabilitação urbanística.

Nunca tentaram envolver Roseta numa eventual coligação?

Nunca tivemos nenhuma reunião com Roseta sobre essa matéria. Exprimimos a nossa disposição para ter conversas nesse sentido. Mas não houve caminho para isso. E percebo. Talvez seja um pouco cedo de mais. Mas isso não prejudica em nada os projectos futuros.

Tem noção de que há eleitores que estão em dúvida sobre se votam BE ou PSD para que Sócrates não vença as eleições?

O BE representa cada vez mais eleitorados populares. Nestes comícios que fiz falei com muitas pessoas e encontrei muitos socialistas e também gente que votava PSD. Ao disputar o eleitorado popular, o BE também responde a muitas pessoas que, no interior do país e nas zonas pobres das grandes cidades, reconheciam-se no PSD e porventura agora podem ter uma posição diferente.

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