Lista VIP deixa secretário de Estado do CDS na corda bamba

António Costa lembra ao PÚBLICO que a lista foi criada na sequência do acesso a dados fiscais de Passos Coelho e diz que os factos desmentiram o desmentido do primeiro-ministro. Sindicato insiste que foi Paulo Núncio quem esteve na origem da lista.

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Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, atribui aumento de receitas a maior combate à evasão fiscal. Daniel Rocha

A demissão do director da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a confissão de que a informação prestada sobre a inexistência de uma lista de contribuintes VIP gerou uma mini-crise política no Governo. No PSD paira a dúvida se o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (do CDS) se consegue manter no cargo, mas para já a sua saída foi travada publicamente pelo primeiro-ministro. O líder do PS, António Costa, exige que o caso seja esclarecido e lembra que a lista foi criada na sequência de processos disciplinares a funcionários por acesso aos dados fiscais do primeiro-ministro.

Em declarações exclusivas ao PÚBLICO, António Costa defende que “há que esclarecer cabalmente a situação e apurar as responsabilidades. “Não é admissível que o desmentido do primeiro-ministro na Assembleia da República, tenha hoje sido desmentido pelos factos”, disse. 

O líder do PS recorda que “esta lista VIP foi criada na sequência de vários processos disciplinares levantados a funcionários do fisco quando se questionava o cumprimento pelo primeiro-ministro das suas obrigações”. “Não podem restar dúvidas que os funcionários têm todas as condições para cumprir as suas funções e que não há imunidades VIP”, salienta, acrescentando que rejeita mais “passa-culpas”. “Abertura do ano letivo: culpa dos serviços; paralisação do Citius: culpa dos serviços; caos nas urgências: culpa dos serviços. Tanta culpa, não será culpa do governo?”, questionou.  

Esse afastamento de responsabilidades por parte do Governo pela alegada existência de uma lista de contribuintes, à qual o acesso seria mais restrito por parte dos funcionários do fisco, foi precisamente o ponto em que insistiram os deputados da maioria e até Passos Coelho ao longo desta quarta-feira.

Vários membros do Executivo – a ministra das Finanças, o secretário de Estado e o próprio primeiro-ministro – tinham negado a existência de uma lista VIP. Essa rejeição, como Passos Coelho disse no Parlamento, foi feita com base na informação dada pela AT. Foi o próprio chefe do Executivo que, esta terça-feira, apontou o dedo ao António Brigas Afonso, o director demissionário. “Acho que [Brigas Afonso] fez bem em ter apresentado a sua demissão – nunca admitiria que uma lista dessa natureza ou um procedimento dessa natureza pudesse existir na Autoridade Tributária”, afirmou Passos Coelho, no Algarve, à margem de uma cerimónia da Região de Turismo.

O primeiro-ministro disse ainda manter a confiança em Paulo Núncio, o (único) democrata-cristão que Paulo Portas recuperou da direcção anterior do partido liderada por José Ribeiro e Castro. Passos Coelho disse não ver razões para “pôr em dúvida a posição do secretário de Estado, uma vez que o Governo não teve qualquer interferência neste processo”.

Mas, nos corredores do Parlamento, os sociais-democratas têm dúvidas que o secretário de Estado se consiga manter, depois de ter repetidamente negado a existência da lista, cuja existência foi afirmada pelo chefe de serviços de auditoria da AT. No CDS, esse é precisamente o ponto a que se agarra o partido de Paulo Portas para defender o seu secretário de Estado. É que Paulo Núncio negou categoricamente a existência da lista e nem hesitou.

A não intervenção do Governo neste processo e a tentativa de responsabilização do director demissionário foram os principais argumentos usados pela maioria PSD/CDS ao longo do dia. “A Autoridade Tributária transmitiu ao Governo que não havia lista. Se não acreditasse nessa informação tinha que se demitir, mas aceitou como boa a explicação. Se subsistem dúvidas, abre-se o inquérito (…) Onde é que o Governo agiu mal?”, questionou o social-democrata Duarte Pacheco, em resposta ao PCP que trouxe o caso para o plenário. No período das declarações políticas – em que o CDS ficou em silêncio – o comunista Paulo Sá afirmou que “a lista VIP existe, mas mantêm-se as dúvidas sobre quem pediu, quem definiu os seus objectivos, quem decidiu que nomes a integram”.

Duarte Pacheco não assumiu que a lista existe, mas durante a manhã, horas depois de ser conhecida a demissão de Brigas Afonso, reconheceu que a informação dada por este director-geral não correspondia 100% à verdade. Logo depois a deputada do CDS Cecília Meireles veio garantir que “o Governo nunca pediu para que houvesse listas especiais”. Uma garantia que disse dar com base no que “resulta claro” da demissão de Brigas Afonso.

O PS, pela voz de João Galamba, acusou o Governo de tentar “culpar” os serviços do fisco pelo problema. Para Pedro Filipe Soares, do BE, não há dúvida de que “o secretário de Estado tem culpa no cartório” e que “o Governo teve conhecimento”.

As bancadas da oposição exigiram que o Governo assuma “responsabilidades políticas”, mas nenhum partido pediu a demissão de Paulo Núncio. Até porque foram aprovadas na comissão de Orçamento e Finanças as audições do secretário de Estado e do director demissionário (já na sexta-feira) e dos representantes dos sindicatos dos trabalhadores dos impostos e dos inspectores tributários (quinta-feira).
 
Sindicato diz que há indícios de que Núncio entregou lista VIP
Paulo Núncio começou o dia a manifestar a sua disponibilidade para ser ouvido no Parlamento e a rejeitar responsabilidades, embora admita que possa existir alguma irregularidade: “Houve procedimentos internos e propostas no âmbito da Autoridade Tributária nesta matéria, sem que jamais o Governo tenha tido conhecimento dessa questão ou que o Governo tenha sido informado".

Mas a sua situação pode mudar esta quinta-feira, depois da audição do presidente do Sindicato dos trabalhadores dos Impostos. Ao PÚBLICO, Paulo Ralha defendeu que há fortes indícios de que a da chamada lista VIP de contribuintes foi entregue pelo secretário de Estado dos assuntos fiscais, Paulo Núncio, ao director da Segurança Informática, que está na dependência directa de José Maria Pires, subdirector Geral dos Impostos.

Em declarações ao PÚBLICO, Paulo Ralha garante que na audição desta quinta-feira, na Assembleia da República, vai avançar com nomes, como o do subdirector Geral dos Impostos, mas também o director da Segurança Informática, o do chefe da Divisão Informática e ainda o do responsável pelo departamento de Auditoria Interna.

Para Paulo Ralha, “só os responsáveis referidos tinham poderes para criar os filtros” que permitiam identificar o acesso dos funcionários dos impostos a uma lista de contribuintes. O sindicalista adianta ainda que "é preciso encontrar responsáveis e que têm de ser punidos".

 

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