Juíza contraria antecessor e rejeita acção popular para julgar governantes da Madeira

Nova juíza e procurador da secção regional do Tribunal de Contas rejeitam iniciativa do PS, alegando que a lei “não prevê a acção popular na jurisdição financeira”.

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Os deputados socialistas não conseguiram o seu objectivo Rui Gaudêncio

A nova juíza conselheira do Tribunal de Contas (TdC) na Madeira, Laura Tavares da Silva, não reconheceu legitimidade aos deputados do PS para intervirem como autores de uma acção popular contra ex-governantes madeirenses aos quais aquele tribunal imputara graves infracções financeiras numa auditoria. Sustenta que não há legitimidade activa popular para a efectivação da responsabilidade financeira sancionatória.

A decisão, tomada por Tavares da Silva e corroborada pelo novo procurador junto do TdC na Madeira, Nuno Gonçalves, contraria o despacho do juiz João Aveiro Pereira que, enquanto responsável pela secção regional deste tribunal, ordenou o não arquivamento do processo, decidido pelo anterior representante do Ministério Público (MP), Varela Martins. E, considerando que “este processo não está ainda em condições de ser arquivado”, deliberou aguardar que o julgamento fosse “requerido por quem para tanto disponha de legitimidade, designadamente ao abrigo do art.º 52.º, n.º 3 [direito de acção popular], da Constituição”.

Contra este entendimento, Tavares da Silva, em despacho de 10 de Julho, decidiu absolver da acção os ex-responsáveis da Secretaria Regional do Equipamento Social. A juíza entende que a fiscalização da legalidade da despesa pública e do julgamento das contas é competência do TdC, cujo âmbito não inclui a acção popular, e que cabe ao Ministério Público a legitimidade para intentar a acção necessária.

O despacho da juíza é acompanhado do parecer do MP no mesmo sentido. No documento o procurador-geral adjunto, Nuno Gonçalves, frisa que a lei nº 83/95, de 31 de Agosto, prevê “expressa e autonomamente apenas” duas modalidades de acção popular: a administrativa e a civil. “O legislador não definiu nem regulou os termos de qualquer acção popular financeira”, frisa o magistrado acrescentando que a lei orgânica do Tribunal de Contas (LOPC), à semelhança da lei de organização e processo do Tribunal Constitucional, “não prevê a acção popular na jurisdição financeira”.

O procurador recorda ainda que na discussão do LOPTC vigente, o texto da lei aprovado “não só não aceitou como rejeitou mesmo a proposta destinada a admitir a acção popular na jurisdição financeira”. A legitimidade para a instauração de acções para a efectivação de responsabilidades no Tribunal de Contas “pertence, apenas e em exclusivo, ao Ministério Público”, frisa o procurador, concluindo que a acção intentada pelos deputados do PS “não deve ser admitida porque não tem suporte legal”.

Os deputados socialistas requereram a acção na sequência da publicação do despacho do anterior juiz conselheiro do TdC na Madeira que ordenou o não arquivamento da auditoria aos acordos de regularização de dívida da administração regional. O despacho contraria uma anterior decisão do procurador Varela Martins que não mandou para julgamento os membros do governo regional apontados como responsáveis pelas infracções financeiras detectadas na auditoria. A “abstenção do Ministério Público, nestes autos, não tem em conta o resultado fundamentado da auditoria e se afigura contra legem”, criticou o juiz que, antes de deixar o Funchal, reabriu quatro processos, arquivados pelo MP, que envolvem encargos na ordem dos 1.327 milhões.

No processo, cuja acção popular foi agora rejeitada, estavam em causa graves infracções financeiras (falta de registo e processamento das despesas, incumprimento da obrigação de reporte de encargos, violação do limite de endividamento e violação de normas legais sobre a assunção de encargos) detectadas na auditoria nº 7/2012, a de maior expressão no total das dívidas que foram ocultadas pelo governo madeirense. Com grande impacto no défice excessivo nacional, este processo envolve encargos assumidos e não pagos na ordem dos 862,6 milhões, sendo resultado, segundo a auditoria, de um “acto consciente e voluntário”.

Uma anterior acção popular, requerida pelos mesmos deputados, foi aceite pelo TdeC. Numa decisão completamente inédita nesta instituição a nível nacional, o então juiz-conselheiro João Aveiro Pereira, por despacho de 11 de Abril, reconheceu aos deputados do PS “legitimidade para intentarem a presente acção popular”, a requer o julgamento do presidente e dos restantes membros do governo da Madeira pela ocultação de dívidas dos institutos de Saúde e do Desporto, no montante de 176,2 milhões de euros. No entender do juiz, existiam nos autos, mandados arquivar também pelo procurador, “muitos fortes indícios de infracções financeiras sancionatórias graves que justificam amplamente a submissão a julgamento das correspondentes responsabilidades”.

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