Juiz acusa Governo de “clima” de culpabilização sobre o TC

Relatório produzido para Conferência de Tribunais Constitucionais da CPLP reconhece não existirem "pressões directas" sobre os juízes. Mas adverte para ambiente adverso criado ao órgão.

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O Tribunal Constitucional tem 25 dias para se pronunciar sobre a validade da pergunta a referendar Carla Rosado

A resposta chegou sobre a forma de um relatório e a partir de Benguela, em Angola. Um dos juízes-conselheiros que fazem parte do colectivo do Tribunal Constitucional (TC) reconheceu o ambiente pesado que o Governo colocou sobre os magistrados.

Aproveitando, um relatório entregue na Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa – que reuniu em Benguela entre 2 e 5 de Junho – o juíz João Caupers  respondeu à questão sobre se estariam a ser “exercidas pressões sobre o seu Tribunal por outros poderes do Estado”

Caupers rejeitou a ideia de “pressões directas”, mas reconheceu um ambiente de uma certa coacção sobre os inquilinos do Palácio Ratton. “Não se tratou de pressões em sentido próprio, mas antes da criação de um clima propício a fazer recair sobre os ombros do Tribunal – em lugar do Executivo ou do Legislador − o fardo do eventual incumprimento das medidas previstas no programa de assistência financeira internacional”, escreveu.

Mas o magistrado do TC não se limitou a apontar o dedo ao Governo, indicando também os comentadores televisivos e membros da Comissão Europeia como autores desse “clima” anti-TC. Recuando a anos anteriores, Caupers recorda que “houve declarações públicas, por parte de membros do Governo, de comentadores políticos e mesmo de representantes das instituições europeias, no sentido de alertar para as consequências de uma eventual a declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal, dando a entender que uma tal declaração poria em causa o programa de assistência financeira a Portugal, levando à adopção de medidas alternativas mais penosas para os cidadãos”.

Os últimos dias testemunharam o intensificar das críticas da maioria de direita ao TC. O PSD e CDS forçaram no Parlamento um pedido de aclaração ao tribunal depois do primiero-ministro defender que os juízes "que determinam a inconstitucionalidade de diplomas em circunstâncias tão especiais" deveriam estar sujeitos a "um escrutínio muito maior do que o feito" até agora.

No início do mês de Maio, Comissão Europeia considerou, no seu Boletim da Primavera, que o Tribunal Constitucional era uma das principais ameaças ao desempenho orçamental de Portugal devido às decisões pendentes sobre a legalidade dos cortes salariais na Função Pública e da Contribuição Extraordinária de Solidariedade sobre as pensões.

João Caupers é o mais recente elemento do colectivo que tem sede na Rua do Século. No início do ano foi cooptado – escolhido por dez dos 12 juízes – para o Tribunal. Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, João Caupers foi também consultor da sociedade de advogados Vasconcellos e Associados. Do seu currículo reproduzido no site desta sociedade, destaca-se o facto de ser autor de diversas obras na área do Direito Administrativo, e não só. 

Esta não foi a primeira vez que um elemento do TC aproveitou uma visita ao estrangeiro para comentar a questão dos chumbos a leis do Governo e a relação do TC com o poder político. Em Outubro passado, o presidente João Sousa Ribeiro aproveitou um discurso no Kosovo, na abertura do ano judicial do Constitucional daquele país. Na altura rejeitou a ideia de que o princípio da protecção da confiança possa evitar a redução das pensões proposta pelo Governo no Orçamento do Estado para 2014. com Lusa

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