Jornal de Angola diz ser necessária clarificação nas relações com Portugal

Editorial acusa Portugal de estar "pior" do que a Guiné-Bissau.

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O Jornal de Angola dedica neste sábado novamente o seu editorial a Portugal, em que defende a necessidade de uma clarificação nas relações luso-angolanas e, citando responsáveis portugueses, questiona a qualidade da independência política da antiga potência colonial.

Intitulado "Clarificação necessária", o editorial chama a atenção para "alguns percalços" nas relações bilaterais que "aconselham a uma clarificação para que não restem dúvidas quanto às boas intenções de parte a parte".

Partindo do princípio de que em Angola existe "inequívoca separação de poderes", o único diário angolano salienta que "se há um ponto onde a democracia angolana tem robustez, é no poder judicial".

Prosseguindo nessa linha de raciocínio, diz que Angola não recebe lições de ninguém e muito menos de Portugal, país onde, considera, os agentes políticos proclamam a separação de poderes mas "aparentemente não estão preocupados que o Ministério Público tenha ligações perigosas com a comunicação social".

"Nenhum democrata ousa pôr em causa a separação de poderes. Mas todos os democratas têm o dever de criticar magistrados judiciais e do Ministério Público que despudoradamente vão para a cama com jornalistas avençados e que actuam na lógica das associações de malfeitores", acusa.

Sem identificar, o Jornal de Angola lamenta os "exemplos de sobra" que diz fundamentarem a sua tese e conclui que o Ministério Público em Portugal, embora "faça gala da sua independência" depois "alimenta manchetes na imprensa portuguesa" que visam "julgamentos populares na praça pública" de "vítimas inocentes": os titulares dos órgãos de soberania angolanos.

Quanto à segunda clarificação, o diário angolano parte de recente declaração do vice-primeiro-ministro Paulo Portas segundo o qual Portugal é actualmente um "protectorado".

"Lamentamos profundamente esta situação, mas pouco podemos fazer. E se pudéssemos, provavelmente as forças políticas portuguesas não aceitavam qualquer tipo de ajuda. Basta ver a forma como altos responsáveis partidários falam dos investimentos de Angola em Portugal. Alguns encaram-nos como crimes! Esses que se manifestam e outros que assim pensam mas não se pronunciam, seguramente que rejeitavam a mão solidária de Angola para Portugal deixar de ser um protectorado", acentua o texto.

Para o Jornal de Angola, Portugal tem "um papel fundamental na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)".
"Mas se está reduzido a um protectorado, como afirma o senhor vice-primeiro-ministro Paulo Portas e muitos outros políticos portugueses, não tem capacidade para assumir as suas responsabilidades na comunidade dos países que falam a Língua Portuguesa", lê-se no editorial, que conclui: "Está pior do que a Guiné-Bissau, apesar de tudo um Estado soberano".

Nesse sentido, considera que, se Portugal "perdeu a independência", então "não está em condições de assumir qualquer responsabilidade no seio da comunidade" e garante que as "elites portuguesas que têm sentido patriótico" podem "contar com os povos da CPLP na luta pela reconquista da independência de Portugal".

No domingo passado, e depois dos apelos em Portugal à demissão de Rui Machete por este ter pedido desculpas a Angola na entrevista à RNA, a propósito das investigações em curso na Procuradoria-Geral da República portuguesa a altas figuras do Governo angolano, o jornal atacava directamente a procuradora-geral da República portuguesa. Joana Marques Vidal tinha sexta-feira esclarecido, em comunicado, que estavam pendentes no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) "vários processos em que são intervenientes cidadãos angolanos, quer na qualidade de suspeitos, quer na qualidade de queixosos”.

Dois dias depois, o Jornal de Angola escrevia: "Ao alimentar manchetes e notícias falsas que têm no centro figuras públicas angolanas, o Ministério Público e a procuradora-geral da República, Joana Vidal, puseram-se fora da lei."

E na quarta-feira voltou a indignar-se contra “as elites portuguesas corruptas e ignorantes”, exigindo reciprocidade nas relações entre os dois países.

Os editoriais contra Portugal no principal jornal angolano, que representa um canal directo para o MPLA e a Presidência de Angola, tornaram-se recorrentes desde que, em Novembro passado, o semanário Expresso publicou uma primeira de várias notícias sobre a abertura de inquéritos a figuras próximas do Presidente José Eduardo dos Santos ou titulares de orgãos de soberania em Angola, como o procurador-geral da República de Angola, por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. 

O tom manteve-se desde então com o jornal a denunciar uma “campanha contra Angola” e a defender o fim dos investimentos angolanos em Portugal.

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