Jardim alterou projecto de revisão aprovado pela Assembleia da Madeira

A decisão de desencadear neste momento o processo de revisão constitucional na Assembleia da República partiu de Alberto João Jardim, que pretende acentuar a ruptura com a direcção de Passos Coelho.

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Jardim disse que Merkel se enganou e confundiu a Madeira com uma região industrial do centro da França Daniel Rocha

O projecto de revisão da Constituição da República apresentado pelos quatro deputados madeirenses do PSD em Lisboa contém mais de duas dezenas de alterações ao projecto de resolução aprovado pela Assembleia Legislativa da Madeira a 23 de Maio de 2013, com os votos a favor daquele partido proponente e a abstenção do PS e CDS/PP.

A apresentação tinha sido decidida pelo conselho regional do PSD que, sob proposta do presidente Alberto João jardim, tinha incumbido os deputados da respectiva bancada no parlamento regional de defender e aprovar o projecto, apesar de não terem tido prévio conhecimento do seu teor. O compromisso envolvia ainda os quatro deputados sociais-democratas eleitos pela Madeira, que agora foram incumbidos de desencadear o processo na Assembleia da República, com a inesperada entrada na Assembleia da República da proposta aprovada no parlamento madeirense.

Mas tanto o timing da apresentação como as alterações introduzidas no texto foram decididos por Jardim, em concertação com o deputado Guilherme Silva, sem prévio conhecimento dos membros dos órgãos regionais do PSD e do governo regional. Tudo culminando com declarações do líder madeirense que, em ruptura com Passos Coelho, disse não acreditar que a actual direcção do PSD ganhe as eleições legislativas agendadas para 2015 e defendeu que se devia discutir a liderança nacional do partido.

A entrada do projecto em São Bento, dois dias antes da apresentação do estudo “Deve e haver”, corresponde a uma estratégia definida unilateralmente por Jardim, apenas justificada pela sua “característica teimosia” e atracção pela ribalta”, dizem dirigentes regionais. E foi desaconselhada por alguns seus mais directos colaboradores que consideram inoportuno e até “provocatório” avançar com estas iniciativas, à revelia do líder nacional do partido e primeiro-ministro, num momento em que a Madeira tenta negociar um novo empréstimo de 950 milhões, para fazer face a necessidades de tesouraria, e a flexibilização do plano de resgate, na sequência da saída da troika.

“Não é oportuno o PSD Madeira, ou qualquer outra entidade, apresentar um projecto de revisão constitucional”, porque “a ambiente político nacional não está para aí virado”, advertiu Miguel de Sousa, vice-presidente da assembleia regional no programa de candidatura à liderança do PSD madeirense.

Sousa, convicto de que “o próprio PSD nacional não irá apoiar a nossa iniciativa”, defendeu que esta “deve ser apresentada em momento oportuno para obtermos as vantagens que precisamos”. A revisão constitucional, assumiu o antigo vice de Jardim, “é o único instrumento negocial que pode fazer inverter esta lamentável crise em que nos encontramos”.

Com um novo título “Autonomia século XXI (Renovar Abril)”, o projecto que deu entrada em São Bento associa esta iniciativa à comemoração do 40º aniversário da Revolução dos Cravos. A oportunidade de revisão da Lei Fundamental é justificada pelo “interesse nacional” e pela “circunstância de o país ter estado, até há pouco, submetido a um resgate financeiro”. 

Daí resulta, por exemplo, a consagração da “regra de ouro”, que não estava prevista no projecto aprovado na Madeira. Segundo a nova norma, “o orçamento fixa, no início de cada legislatura, os limites do défice para os quatro exercícios subsequentes, com vista a assegurar o equilíbrio das finanças públicas, bem como o necessário crescimento económico e a sustentabilidade do Estado Social”.

Outras alterações
Entre as alterações ao documento original, determina-se que nas “Regiões Autónomas os impostos podem ser criados por lei regional”. Também por lei regional são fixados “o regime, condições de utilização e limites do domínio público das Regiões Autónomas”, um tema que na Madeira tem suscitado polémicas com o Tribunal Constitucional. Este órgão é, com a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e Comissão Nacional de Eleições, eliminado no projecto, sendo substituído por uma secção do Supremo Tribunal de Justiça.

Também não previsto no texto original, propõe-se que o Tribunal de Contas seja impedido de “formular juízos de oportunidade política, económica ou financeira” e que nas suas secções regionais os juízes conselheiros e magistrados do Ministério Público “não podem permanecer mais de três anos”, tempo a que também fica limitada a permanência dos juízes e procuradores na mesma comarca.

Por outro lado, o documento entregue em Lisboa suprime os seis pontos do artigo 155-A (trabalhos parlamentares), com que a assembleia madeirense pretendia travar qualquer “perturbação dos plenários”, com aconteceu por iniciativa do deputado José Manuel Coelho. Em vez desse articulado, estabelece-se que, no regimento da assembleia regional, da sua própria competência, sejam adoptadas as regras de disciplina vigentes no Parlamento Europeu.

O projecto de revisão propõe a criação de um sistema fiscal próprio na Madeira e Açores, elimina o cargo de representante da República nas regiões autónomas e abre a candidaturas independentes as portas das Assembleias da República e Legislativas dos Açores e da Madeira. Para a Assembleia da República adopta um círculo nacional e círculos uninominais em todo o país, que elegem 181 deputados, em vez dos actuais 230. Por seu lado, o parlamento regional deverá ser composto por 31 deputados, menos que os actuais 47 da Madeira e 57 dos Açores, devendo as candidaturas ser propostas em listas subscritas por mil eleitores.

Ainda no âmbito do sistema eleitoral, preconiza a duração de 10 anos para o mandato do Presidente da República, não admitindo a reeleição para um segundo mandato consecutivo, nem durante o decénio imediatamente subsequente ao termo do mandato”.

“Constituição é lixo”
Na abertura do debate parlamentar urgente sobre a revisão constitucional que decorreu há um ano na Madeira, o porta-voz do PSD, Coito Pita, afirmou que “a nossa Constituição é lixo, nada vale”. Para justificar a classificação de “lixo” atribuída à Constituição da República Portuguesa, considerada “o problema dos problemas”, Coito Pita afirmou que “basta ver o que fez a troika que a empacotou".

Em Novembro de 2011, no encerramento do congresso regional do PSD, Jardim insistiu na revisão constitucional e ameaçou avançar com um projecto próprio caso o PSD nacional não tomasse tal iniciativa nesta legislatura. Mas Passos Coelho chumbou de imediato a proposta, esclarecendo que “não vale a pena perder tempo com fantasmas” da revisão. É no quadro dos actuais poderes que a Madeira deverá “resolver os seus problemas sem comprometer os limites constitucionais que hoje temos", advertiu.

Agora, a direcção nacional do PSD reiterou que a iniciativa madeirense é “extemporânea”.

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