PCP, o partido que continua “internacionalista”, “patriótico” e “de todos os trabalhadores”

O fluir do tempo altera a conjuntura política, mas as características da natureza do PCP permanecem. E este partido tem beneficiado eleitoralmente do facto de haver grupos sociais que se têm proletarizado.

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A direcção do PCP mantém a orientação e a herança política do líder histórico, Álvaro Cunhal RUI GAUDÊNCIO

O PCP é um dos protagonistas de uma alteração radical e inédita no sistema político-partidário português que suporta o Governo do PS. Mas na sua natureza partidária tudo continua na mesma. O PCP continua a afirmar-se como um partido marxista-leninista, patriótico, internacionalista, representante da classe operária e de todos os trabalhadores e que tem como objectivo a construção de uma sociedade socialista.

Seria um erro dizer que o PCP mudou de natureza, há uma luta de afirmação deste partido como comunista”, garante o histórico dirigente Domingos Abrantes, justificando que “os partidos actuam em circunstâncias diversas e há alterações que se fazem para adaptar às circunstâncias dessa actuação”, isso tem sido “uma constante ao longo da história do partido”.

O investigador da história do PCP, Pacheco Pereira, também considera que “o acordo, por si só, não revela mudanças” e lembra que “em toda a sua história o PCP mostrou capacidade de adaptação”. É um partido “dogmático e ortodoxo, mas isso não é contraditório com o pragmatismo e o realismo”. E frisa que “há uma componente adaptativa e pragmática na história do PCP antes e depois do 25 de Abril”.

Um pragmatismo que não põe em causa os princípios. “O PCP continua a não se rever nesta sociedade” e a ter como “objectivo o socialismo e o comunismo”, sublinha Abrantes, frisando: “Não aceitamos que esta [sociedade] seja o fim da história.” Admite, porém, que o PCP sofreu um forte revés. “Não podemos esquecer a hecatombe que foi a derrota da União Soviética”, reconhece, assumindo que “isso veio tornar o processo de transformação social mais longo, mais complexo e mais difícil”. E desabafa: “Pertenço a uma geração que viveu revoluções, pelo mundo e em Portugal, e a possibilidade real de viver a revolução socialista no nosso tempo de vida. Isso agora andou para trás.”

É essa consciência da conjuntura e dos seus obstáculos, logo também do entendimento com o PS, que se deverá reflectir nas Teses ao XX Congresso, que se realiza entre 2 e 4 de Dezembro, em Almada. “Há o perigo do regresso do fascismo no mundo, há uma direita radical que já tem representação parlamentar, o capitalismo sempre se deu bem com soluções fascistas, as Teses têm de responder a esta conjuntura”, afirma Abrantes.

Mas o líder parlamentar João Oliveira esclarece que na actual fase de debate interno que decorre antes do Congresso “resulta com muita clareza que não se coloca a questão” da alteração da natureza do partido. “Mantemos a nossa natureza com todos os elementos que o caracterizam, quer do ponto de vista da organização, ou dos objectivos como partido comunista, quer dos objectivos de construção de uma sociedade socialista e comunista. O que se trata no Congresso é de definir a situação em que o país se encontra e definir os caminhos para atingir os objectivos que se propõe”, sustenta.

O PCP está apostado em preservar a sua natureza partidária. E parece ser dado assente que essa decisão não será posta em causa mesmo que haja uma alteração de secretário-geral e Francisco Lopes venha a substituir Jerónimo de Sousa na liderança do PCP. Esta opção domina mesmo as novas gerações de comunistas, muitos dos quais integram “as linhagens familiares” que “têm importância no PCP”, explica Pacheco Pereira, precisando: “Em certos sítios, Barreiro, Almada, Alentejo não é difícil encontrar renovação geracional das famílias no PCP”. Mas os princípios e os objectivos mantêm-se. Entre eles o internacionalismo.

A seguir ao chinês

O que é facto é que, após a implosão do Leste, o PCP adquiriu um peso internacional que não tinha no passado. “Hoje somos o partido comunista com mais peso, à excepção do chinês”, afirma o dirigente Ruben de Carvalho, para quem “o Movimento Comunista Internacional hoje coloca-se em termos diferentes de há 20 anos, mas o PCP não mudou no internacionalismo”. E concluindo que “o PCP hoje é uma referência para os partidos comunistas que restam”, acrescenta: “Faz parte do nosso ADN, somos um partido internacionalista e patriótico”.

Para o PCP, ser patriótico não significa ser nacionalista e não pode ser essa a lógica da análise das posições do PCP perante a Europa. “O PCP esteve sempre contra esta Europa, porque ela é uma criação em parte norte-americana, feita com o apoio de pessoas que vinham da administração Roosevelt, como o Jean Monet. Logo é feita contra o comunismo”, explica Pacheco Pereira, que lembra que “o PCP sempre foi hostil ao processo que vê como de constituição de um braço civil da NATO”.

O que é visto como “nacionalismo do PCP” parece “agravado pelo contexto” da crise económica e das exigências europeias, mas “não é novo”, garante Pacheco Pereira. E Domingos Abrantes demonstra esta análise ao defender que “o problema que hoje está na ordem do dia tem a ver com dignidade nacional”, pelo que “quem defende que o Estado-nação faliu está manifestamente a exagerar”, acrescentando: “Sempre fomos um partido patriótico. A ideia de pátria não é uma velharia. O PCP é internacionalista, mas o internacionalismo não é incompatível com a defesa do interesse nacional. As duas coisas são complementares e dialécticas.”

Ora se há característica que o PCP leva a sério é precisamente a sua natureza de classe. Abrantes sustenta que “não há partidos políticos interclassistas do ponto de vista político, são-no apenas do ponto de vista dos membros”. E frisa que como todos os grupos sociais “os trabalhadores da classe operária têm de ter o seu partido”, até porque, afirma: “Os trabalhadores sempre intervieram no processo e na luta política mas sempre ao serviço da classe dominante, eram carne para canhão para os interesses das classes dominantes. O exemplo é a República. Tudo mudou com o aparecimento do PCP”.

Explicando que “a natureza de classe dos partidos define-se pelos interesses de classe que defendem”, este dirigente histórico assume: “Não escondemos as classes que defendemos. Sempre houve no nosso partido pessoas que do ponto de vista do interesse de classe não deviam estar aqui. Júlio Fogaça, por exemplo, era filho de um grande agrário e a primeira vez que este o foi ver à cadeia, disse: Logo escolheste um partido que tem no programa a terra a quem a trabalha. Fogaça não tinha interesse em ser latifundiário.”

Novos soldados

A recordação da figura de Fogaça serve para mostrar que uma coisa é a origem de classe, outra a identificação com o partido que defende os interesses de uma classe e, nesse sentido, o PCP também aqui se adaptou à conjuntura e se actualizou. “Hoje não é possível representar as mesmas pessoas de há 20 anos, quando não se vive hoje estabilidade social que se vivia então”, afirma Rúben de Carvalho. Hoje, “social, ideológica e culturalmente as pessoas mudaram”, mas isso “não significa que que não haja vitórias do PCP”, prossegue este dirigente, explicando: “Os bastiões estão lá, os soldados é que mudaram, são outros novos.”

Para Ruben de Carvalho, “o PCP representa o operariado que há mas mais que isso, representa todos os trabalhadores, os reformados e pensionistas”. E prossegue explicando que “a própria terminologia mudou”, já que o PCP afirma que “representa a classe operária e todos os trabalhadores”. Esta evolução deu-se porque “a sociedade foi mudando” mas o PCP procurou continuar “a ser o interlocutor e o representante das componentes menos protegidas da sociedade”, diz Ruben, exemplificando: “Os licenciados hoje vão trabalhar para caixas do supermercado e isso torna-os mais próximos do partido do que da sua origem de classe.”

Há assim “uma proletarização de classes que não o eram, o que as leva a aproximar-se do PCP”, aprofunda Ruben, acrescentando que “há outras que não se proletarizaram mas que encontram no partido o interlocutor e vêem a defesa dos seus interesses na actuação social e sindical do PCP”. Além disso a “generalização da corrupção que atinge os partidos cria um canal de aproximação e simpatia para com o PCP, que não se configura na militância, mas que se exprime do ponto de vista eleitoral”, afirma este histórico.

No mesmo sentido, Abrantes explica que “uma das coisas que Marx escreveu no Manifesto e que se confirma é a proletarização”. Uma situação que passa pelo “crescimento das pessoas que vivem só do seu trabalho e não têm propriedade - propriedade é a que permite a exploração de mão-de-obra e não a casa onde se vive”, continua o dirigente comunista, que afirma: “A classe média é hoje uma massa gigantesca proletarizada, são classes arruinadas, que crescem em ritmo acelerado. Estas massas sabem bem o que não querem, mas não têm consciência do que querem. Por isso hoje somos o partido da classe operária e de todos os trabalhadores”. Para concluir, advertindo que esta identificação com o PCP, que pode surgir nos momentos eleitorais, não significa militância: “ Mas há proletários que não se revêem no PCP, nem nós os queremos representar porque, do ponto de vista científico, estão proletarizados mas não querem a transformação da sociedade, querem a preservação. Não é com esses que se faz a transformação da sociedade.”

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