Inquérito vai escrutinar 5000 milhões de euros em negócios militares

Parlamento aprovou criação de comissão de inquérito a compras militares e contrapartidas contratualizadas. Investigação recua até 2001 em sete programas de aquisição e modernização, dos helicópteros aos submarinos.

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Os 12 helicópteros foram comprados em 2001 Carlos Lopes/Arquivo

O Parlamento aprovou ontem, com apenas uma abstenção, a criação de uma comissão de inquérito à aquisição de equipamentos militares e respectivas contrapartidas. Estão em causa contratos – de compra e de contrapartidas - que envolvem quase cinco mil milhões de euros, divididos por sete programas, desenvolvidos ao longo dos últimos 15 anos.

A resolução, inicialmente proposta pelo PS para avaliar os negócios à volta dos submarinos da Marinha e das viaturas Pandur do Exército – acabou por ser alargada a outros programas militares por proposta da maioria. O PS aceitou a alteração do seu projecto com o argumento de que, assim, a comissão “poderá vir a ter melhores condições políticas para o seu funcionamento”, como assumiu o deputado António Braga durante o debate no Parlamento.

As razões da maioria para o alargamento ficaram melhor resumidas pelas palavras do centrista Filipe Lobo d’Ávila. Depois de frisar que se enganavam aqueles que pensavam “que uma comissão de inquérito geraria algum incómodo” na maioria, rematou: “Vamos então discutir tudo, contrato a contrato, contrapartida a contrapartida”.

O resultado final é, portanto, um caderno de encargos ainda mais avassalador do que o já pesado âmbito que o PS pretendia. Dos dois programas e respectivas contrapartidas para fornecimento de dois submarinos U-214 e dos 260 Pandur, a parada subiu para sete: os deputados vão também avaliar o processo de aquisição helicópteros EH-101, de modernização das aeronaves de patrulha marítima P 3 Orion, de fornecimento de aviões de transporte e vigilância C-295, da compra de 24 torpedos para os novos submarinos e do upgrade de dezenas de caças F-16.

Entre os valores assumidos nos contratos de fornecimento e as contrapartidas negociadas, estes sete programas atingem a soma de cinco mil milhões de euros. A parte de leão é da responsabilidade de Paulo Portas, quando era ministro da Defesa de Durão Barroso. Os contratos relacionados com os submarinos representam 2.293 milhões de euros, quando incluídos os torpedos que equipam os dois U-214. A negociação que levou ao fornecimento dos Pandur representa 860 milhões de euros.

Os C-295 são o programa mais valioso dos quatro dossiers que são responsabilidade do PS. Entre a compra e as contrapartidas totalizam 735 milhões de euros. Um programa com a assinatura do então ministro da Defesa Luís Amado, datado de 2006. Depois vêm os 638 milhões à volta dos EH-101. Contrato celebrado em 2001 por Rui Pena, ministro de António Guterrres. A modernização dos P3, que implicam verbas de 198 milhões de euros, reportam a 2008 e a Nuno Severiano Teixeira. O reequipamento dos F-16, que totaliza 194 milhões, é também de datado de 2008.

Ao defender a apresentação da resolução, o socialista António Braga invocou “perplexidades que o paralelismo com o processo alemão coloca”. O deputado referia-se ao facto do julgamento germânico sobre a venda dos submarinos a Portugal ter resultado em condenações, por oposição às absolvições no processo julgado do lado de cá.

Uma forma diplomática de avisar a maioria sobre os problemas políticos que pairam sobre o líder do CDS, Paulo Portas, responsável pelo processo de aquisição e contrapartidas dos submarinos. O aviso não era necessário. Os deputados da maioria estavam cientes dessas implicações. A social-democrata Mónica Ferro verbalizou-o ao fazer notar como era “recorrente” que a “questão” regressasse “com o aproximar das eleições”.

E o mais provável é que a avaliação acabe por embaraçar tanto a gestão da direita destes programas, como a dos socialistas. Um exemplo disso mesmo surge logo na redacção do proposta.  Aí se escreve que a aquisição dos 12 helicópteros EH-101 custou 244 milhões. Há dois anos, depois uma auditoria feita aos contratos, o Tribunal de Contas acabou por apurar que o Estado português pagara na realidade ao fornecedor 364 milhões. Uma derrapagem de 50%.

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