I see dead people

O argumento recorrente para criticar o assalto de António Costa à liderança do PS é ele não ter ideias para o país distintas das de António José Seguro.

“Em termos de projectos e políticas, não se vislumbram diferenças”, disse Álvaro Beleza. “[Costa] repete palavra por palavra o que António José Seguro tem dito ao longo dos últimos três anos”, escreveu Eurico Brilhante Dias. “A única discussão é a de saber qual o António que fica na casa, qual o António que sai da casa”, ironizou Carlos Zorrinho. O próprio Seguro seguiu esta espantosa linha de raciocínio: “Devo dizer que, até ao dia de hoje, não ouvi uma única [ideia de Costa] que fosse substancialmente diferente das que temos apresentado.”

Que António José Seguro e os seus fiéis têm manifestas dificuldades em compreender o mundo que os rodeia, já todos tínhamos percebido há algum tempo. Ainda assim, não deve haver estratégia mais tonta para atacar António Costa do que acusá-lo de só estar na corrida pela liderança do PS por uma “questão pessoal”. Claro que é só por uma questão pessoal. É por a pessoa Costa ser muito melhor política do que a pessoa Seguro. E é precisamente por ser uma “questão pessoal” que 98% da população portuguesa (reservo 2% para familiares de Seguro, Brilhante Dias, Zorrinho e Beleza) prefere o primeiro ao segundo. Não havendo diferenças políticas significativas, escolhe-se quem tem melhores qualidades pessoais.

Ora, neste contexto, ver Seguro e sus muchachos utilizarem como principal arma contra Costa a ausência de um projecto político diferenciado é o mesmo que entregar ao adversário a espada com que ele alegremente nos irá cortar a cabeça. Vamos cá ver. O Hugo Almeida e o Karim Benzema também têm o mesmo projecto político: ambos são pontas-de-lança, ambos jogam a nove e ambos têm a obrigação de marcar golos. Isso significa que é indiferente qual deles joga? António José Seguro, que percebe tanto de política como de futebol, pelos vistos acha que sim. E acha que, sendo ele o Hugo Almeida do Largo do Rato, este extraordinário argumento o beneficia.

Mas recuperemos o brilhante pensamento de Brilhante Dias: num texto publicado no DN, ele rasga as vestes perante aquilo que considera ser a terrível “fulanização da actividade política”. Cruzes-credo, a fulanização da actividade política. Onde é que já se viu uma coisa dessas? É que, de facto, até hoje os portugueses nunca votaram em Sá Carneiro, ou em Ramalho Eanes, ou em Mário Soares, ou em Cavaco Silva. Eles votaram foi na consistência dos respectivos projectos políticos, após extensa e detalhada análise, antes de se dirigirem às cabinas de voto.

Houvesse ainda vida no cerebelo dos seguristas, e não seria difícil perceber que o plano a seguir no combate a Costa era exactamente o oposto. Era encostá-lo à esquerda, radicalizá-lo, tentar convencer o país que, com ele, a governabilidade seria muito mais difícil. Seguro perdia na mesma, mas sempre fazia prova de vida neuronal. Só que, de repente, até Alberto Martins, actual líder parlamentar e fiel de Seguro, veio dizer que o PS deve “coligar-se com outros partidos à esquerda”. Isso é fugir para o lado onde já está António Costa, diria eu. Mas claro, para perceber isso, seria importante ter uma estratégia que não fosse a da barata tonta. Inexistindo essa estratégia, estamos condenados a assistir, até Outubro, a múltiplos remakes de O Sexto Sentido, com Seguro no papel de Bruce Willis: está morto e nunca mais descobre.

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