"Nada impede um vírus de passar de um lado para o outro"

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Marine Le Pen, líder da Frente Nacional francesa Reuters

Portugal é uma das excepções numa Europa que assiste ao crescimento dos partidos de extrema-direita. Cabe perguntar: há terreno fértil para os nacionalistas em Portugal? O historiador Goffredo Adinolfi, que se dedica ao estudo dos sistemas políticos comparados, acha que não.

Inúmeros académicos têm explicado os resultados residuais da extrema-direita com a memória de quase 50 anos de ditadura. Adinolfi torce o nariz: “A ditadura acabou há 40 anos e não se afirmou com base em resultados eleitorais, como o regime nazi [na Alemanha]. Foi um golpe de estado militar. [António de Oliveira Salazar] foi uma figura bastante cinzenta, que baseou os seus governos na desmobilização, fundou um partido para manter o poder e não para o tomar. “

Nada se lhe afigura linear, todavia. Quando Salazar assumiu o poder, “também não havia um movimento de carácter fascista forte.” E, embora “a extrema-direita de tipo fascista esteja a ressurgir, o que há mais são movimentos conservadores, com desconfiança na União Europeia, vontade de recuperar soberania nacional, de restringir os movimentos migratórios…”

Há quem sustente que se houvesse um líder carismático, como Marine Le Pen, da Frente Nacional francesa, ou Nigel Farage, do Partido Independentista do Reino Unido, a extrema-direita também estaria a crescer por cá. “Haverá um espaço para um líder forte. Que esse líder saía de extrema-direita, caracterizada por subculturas sem credibilidade, é extremamente improvável”, comenta.

Não é só a liderança do Partido Nacional Renovador, a sua incapacidade de unir sensibilidades, de definir uma agenda mobilizadora. “Não haverá grande espaço para explorar à direita – os eleitores do CDS estão ligeiramente à esquerda dos seus líderes”, diz ainda. A experiência de Manuel Monteiro, no CDS e na Nova Democracia, dá uma ideia do que pode acontecer quando a direita endurece.

O investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa nota que aqui, como noutros países europeus, muito se desconfia do Parlamento, do Governo, dos partidos, e muito se teme o “outro”, o que é diferente, mas parece-lhe evidente que isso é expresso de outra forma: os portugueses não votam ou votam em “outsiders” como Marinho Pinto ou Fernando Nobre.

O país já discute as legislativas de 2015. O quadro é complexo: “o PS e o PSD geram hoje menos consensos. Há partidos a nascer. Pode ser complicado formar governo. Talvez apareça um líder mais populista, talvez não.” Em qualquer caso, “o espaço político é dinâmico – nada impede um vírus de passar de um lado para o outro; os líderes dos partidos tradicionais podem vir a explorar o descontentamento tornando próprias algumas temáticas que eram da extrema-direita.” Aconteceu na França de Nicolas Sarkozy. E que dizer do Reino Unido de David Cameron?

Também pode haver reacções de outro tipo. As primárias no PS serão exemplo disso. “Pedir uma ligação directa entre o líder e o povo é uma forma de tentar recuperar a confiança dos cidadãos. Portugal está entre os países com menos confiança na democracia representativa. Isto é um jogo de xadrez. Cada um faz a sua jogada num contexto fortemente determinado”, conclui. 

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