Guterres pode ficar no ACNUR até ao fim do ano sem perder lugar na corrida a Belém

"Tanto faz". Foi esta a resposta que o Alto Comissário para os Refugiados deu às Nações Unidas quando lhe perguntaram se podia ficar mais seis meses no cargo. E é verdade: a decisão não tolda o seu futuro político.

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António Guterres Miguel Manso

António Guterres poderá ficar como Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) até ao final deste ano, confirmou ao PÚBLICO fonte próxima do ex-primeiro-ministro português. Guterres já foi questionado sobre a hipótese de prolongamento por mais seis meses do seu mandato pelas instâncias das Nações Unidas e deu uma resposta aberta, ao dizer que “tanto lhe fazia”. Mas este cenário não é impeditivo de uma candidatura à Presidência da República, se assim o entender.

Há uma prática das Nações Unidas segundo a qual os altos cargos são substituídos no final do ano civil, mas com Guterres isso não aconteceu. O seu antecessor, Rudd Lubbers, demitiu-se em Fevereiro de 2005 por pressões da imprensa, que o fustigava com uma história de assédio sexual.

O ex-primeiro-ministro português foi escolhido para o substituir e tomou posse como Alto Comissário em 15 de Junho de 2005, para um primeiro mandato de cinco anos. Em Abril de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas reelegeu-o para um segundo mandato, que terminaria em Junho deste ano.

Agora, as Nações Unidas tencionam voltar a acertar o calendário e por isso foi proposto a Guterres o prolongamento do mandato até ao final de 2015. A resposta foi: “Tanto me faz”. Mas a decisão ainda não está tomada, apurou o PÚBLICO. Neste momento, segundo o semanário Sol, decorrem consultas aos governos nacionais para cumprir as formalidades necessárias para oficializar a decisão.

Certo é que o calendário das Nações Unidas não coloca nenhum obstáculo a qualquer decisão sobre o futuro político a António Guterres. Nada na lei impede o ex-primeiro-ministro de se candidatar à Presidência da República, se assim o desejar.

Além disso, as eleições presidenciais ocorrem, tradicionalmente, em finais de Janeiro. A Constituição determina que o Presidente da República é eleito nos 60 dias anteriores ao termo de mandato do Chefe de Estado em funções. Cavaco Silva foi eleito para o segundo mandato a 23 de Janeiro de 2011 e tomou posse a 9 de Março desse ano. Logo, as eleições deverão realizar-se entre 9 de Janeiro e 9 de Março do próximo ano.

Por outro lado, e de acordo com o mesmo artigo da Constituição, as presidenciais só podem ocorrer depois de cumpridos três meses após as eleições legislativas. As quais, por seu lado, deverão ocorrer entre 15 de Setembro e 15 de Outubro deste ano, de acordo com a prescrição constitucional. O que empurra o sufrágio para Belém para meados de Janeiro.

Estes calendários, cruzados com outra norma constitucional que apenas obriga à apresentação de uma candidatura presidencial até 30 dias antes da data das eleições, permitem que um candidato presidencial se apresente praticamente até ao final de 2015. Numa altura em que Guterres estará a cumprir os últimos dias de mandato no ACNUR.

Na corrida à sucessão de Ban Ki-moon?
Só muito depois disso, lá para Outubro de 2016, será escolhido o sucessor de Ban Ki-moon. Mas o futuro secretário-geral da ONU, que será eleito na Assembleia Geral das Nações Unidas após nomeação pelo Conselho de Segurança, dificilmente será um português.

Historicamente, o secretário-geral das Nações Unidas tem saído de cinco grupos regionais: África, Ásia, América Latina e Caraíbas, Europa Ocidental e Europa de Leste. A probabilidade de o próximo líder da diplomacia mundial ser oriundo da Europa de Leste é avançada na revista norte-americana Foreign Policy, especializada em política internacional, por Colum Lynch, um jornalista que há mais de 25 anos escreve sobre a ONU: “A Europa de Leste é a única região que nunca produziu um secretário-geral, e muitos pensam que o próximo líder da diplomacia mundial virá daí”, escreve.

Mas Lynch refere também, neste artigo de Novembro passado, a dificuldade em obter unanimidade no Conselho de Segurança devido à questão ucraniana, que divide profundamente os cinco países que ali têm assento: Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China: “Qualquer candidato da Europa de Leste será visto como demasiado próximo da Rússia ou demasiado próximo do Oeste”, diz fonte oficial das Nações Unidas citada por Lynch. O que tem encorajado proto-candidatos de outras regiões.

Apesar do tempo que ainda falta para a sucessão de Ban Ki-moon, alguns nomes vão sendo já referidos na imprensa especializada ou em blogues semi-oficiais como o Global Memo, sem que o nome de António Guterres seja referido. O que pode até ser uma vantagem.

Está por saber o que pensa fazer o ex-primeiro-ministro português, cujo nome é o mais bem colocado nas sondagens para vir a ser o próximo Presidente da República. Certo é que o prolongamento do mandato no ACNUR, a concretizar-se, não prejudica nenhum destes cenários.

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