Grécia apela ao diálogo após queixas a Juncker por Portugal e Espanha

Depois de um dia de contactos diplomáticos no eixo Portugal-Espanha-Bruxelas e palavras duras do primeiro-ministro espanhol, o Governo grego veio desculpar-se e falar em "más interpretações" do discurso de Tsipras.

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Juncker e Passos Coelho Rui Gaudêncio

Foi um domingo em cheio. Ao longo de todo o dia, houve contactos entre as delegações de Portugal e de Espanha e o gabinete do presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker. Ninguém escreveu cartas, mas houve mensagens, emails e muitos contactos telefónicos. E palavras duras de Mariano Rajoy. Ao fim do dia, o Governo grego veio tentar minimizar a polémica: afinal, tudo não passou de “más interpretações” do discurso do primeiro-ministro Tsipras na véspera, em Atenas.

“O novo Governo grego não categoriza os países e os povos como amigos ou inimigos”, afirmou uma fonte do executivo helénico à agência Reuters, ao fim da tarde. “Qualquer má interpretação do discurso do primeiro-ministro grego não ajuda o diálogo”.

Palavras repetidas à agência espanhola Efe, mas com uma nova expressão: "O executivo grego não está à procura de inimigos externos". Era a resposta directa ao presidente do Governo espanhol que, num acto de pré-campanha do PP em Sevilha, tinha sido duro com Tsipras. "Ir à procura de um inimigo externo é um truque que já vimos muitas vezes ao longo da história, mas que não nos resolve os problemas, apenas os agrava", afirmou Mariano Rajoy. "A única forma de resolver os problemas é ser sério, dizer a verdade, não prometer o que não depende de ti e não podes cumprir, e governar”.

"O novo Governo grego não classifica os países e os cidadãos da Europa como amigáveis ou hostis. Por isso, não procura inimigos externos, mas sim soluções para toda a Europa através da cooperação e o diálogo entre os povos e os governos", acrescentaram fontes gregas à Efe.

Era a água na fervura que fazia falta e que pode ter sido o resultado da intervenção da Comissão Europeia, que durante o dia se recusou a fazer comentários à polémica, sublinhando apenas o seu papel de “mediador”. "Para a Comissão Europeia", disseram fontes comunitárias citadas pela Efe, "é difícil comentar os comentários dos outros, especialmente porque a Comissão quer agir como um mediador e facilitador de acordos". "Não somos surdos nem cegos e ouvimos o mundo todo. Sabemos que há vozes construtivas e vozes menos construtivas. Mas não vamos comentar", ressalvaram as mesmas fontes.

Ao PÚBLICO, a porta-voz do presidente da Comissão Europeia, Mina Andreeva, confirmou que houve “vários contactos entre as delegações de Portugal e Espanha e o gabinete do presidente Jean-Claude Juncker”, que nas suas palavras “tem conhecimento das reclamações” dos dois Governos ibéricos relativamente às declarações do primeiro-ministro da Grécia perante o comité central do Syriza.

Quem tomou a inciativa?
A polémica rebentou pela manhã em Espanha, quando a agência Efe divulgou que fontes do Governo espanhol anunciaram ter enviado um protesto conjunto de Espanha e Portugal aos presidentes da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do Conselho Europeu, Donald Tusk, depois de Tsipras ter dito perante o comité central do partido Syriza que as "forças conservadoras europeias minaram" cada passo para um acordo com a Grécia, para evitar que o exemplo grego criasse escola em Espanha e Portugal.

À Lusa, fonte do Governo espanhol confirmou que foi enviado um protesto conjunto de Portugal e Espanha e acrescentou que a iniciativa partiu de Lisboa. "Espanha aderiu à iniciativa portuguesa", disse a mesma fonte de Madrid.

Em Portugal, aquilo que terá sido uma fuga de informação indesejada foi recebida com incómodo. Do gabinete do primeiro-ministro veio o desmentido da existência de qualquer carta ou que Pedro Passos Coelho tivesse falado com Jean-Claude Juncker ou Donald Tusk. Mas foram confirmados contactos com “instituições europeias através dos canais diplomáticos” para sublinhar a “perplexidade perante acusações infundadas”.

O PÚBLICO sabe que as mensagens de desagrado, tanto pelo telefone como por via electrónica, foram transmitidas pelos respectivos representantes permanentes em Bruxelas. A Representação Portuguesa (Reper), dirigida pelo embaixador Fezas Vital, recusou-se no entanto a confirmar ter sido o canal diplomático do Governo português.  “Não temos nada a acrescentar à posição que o gabinete do senhor primeiro-ministro transmitiu hoje”, respondeu ao PÚBLICO o porta-voz da Reper.

O que o gabinete de Passos Coelho não desmentiu é que tenha tido a iniciativa de fazer chegar o assunto à Comissão Europeia. Mas o incómodo nos dois países já vinha da véspera.

Portugal respondeu logo no sábado a Tsipras, através do porta-voz do PSD, Marco António Costa, que afirmou que a "conturbação e dificuldades internas do Syriza não justificam a invenção de histórias nem de desculpas para envolver terceiros". "Está na hora de os responsáveis assumirem as suas próprias responsabilidades e não continuarem a sacudir a água do capote e enjeitar as responsabilidades que são próprias das suas decisões", frisou o vice-presidente do PSD.

Neste domingo, apenas se ouviu da maioria lusa mais uma voz a criticar Alexis Tsipras. Nuno Melo, eurodeputado e dirigente do CDS, escreveu no Facebook um post em que acusa o primeiro-ministro grego de “entrar no domínio da alucinação”. “ Ficcionando adversários externos, Tsipras pode tentar resolver a contestação que já tem na rua e sente no interior do Syryza. Não resolve é os problemas da Grécia”.

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