Governo exige saber posição do Tribunal Constitucional sobre a despesa do Estado

O ataque ao Constitucional é assumido numa dramatização que está ao rubro. Passos Coelho diz que se mantém determinado em criar condições para levar legislatura até ao fim.

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Presidente do Constitucional terminou o mandato, mas continua no cargo à espera de substituto Nuno Ferreira Santos

Numa ofensiva sem precedentes contra o Tribunal Constitucional (TC), o Governo e a maioria PSD/CDS exigem conhecer o pensamento político-constitucional dos juízes daquele órgão sobre a despesa do Estado e preparam-se para accionar todos os meios legais para obter essa clarificação. No limite, o Executivo admite levar os compromissos que Portugal assumiu perante Bruxelas para os próximos anos ao crivo do TC. Passos Coelho diz estar determinado em levar a legislatura até ao fim, mas a dramatização está ao rubro. Sinal disso é o cancelamento da viagem do primeiro-ministro ao Brasil para ver o jogo de Portugal, em meados de Junho, face ao “novo quadro aberto” pelo TC quando decidiu chumbar três normas do Orçamento do Estado de 2014, incluindo o corte de salários da função pública.

Os partidos da maioria parlamentar trabalham no sentido de recolher informação sobre a jurisprudência já produzida sobre os cortes de remunerações e as posições de tribunais internacionais, comparando jurisprudência de outros Estados, designadamente da Alemanha. É a concretização de uma ideia há muito defendida na maioria e no Governo mas só agora assumida alto e bom som: o TC tem de ser escrutinado. É esse o sentido da “clarificação política” exigida nesta quarta-feira pelo primeiro-ministro Passos Coelho e já defendida pelo vice-primeiro-ministro Paulo Portas.

"Temos de criar as condições que são necessárias de previsibilidade, de estabilidade e de confiança para podermos, nesse enquadramento, fazer o nosso enquadramento de estratégia orçamental, o próximo programa de estabilidade e o cumprimento das nossas metas. Não podemos estar num permanente sobressalto constitucional. Ora, são estas as questões que terão de ter clarificação política", defendeu Passos Coelho, em conferência de imprensa, no final da XXVII Cimeira Luso-Espanhola, em Vidago, Chaves.

"Enquanto isto não estiver resolvido, nós não sabemos qual é a dimensão do problema que temos para resolver”, acrescentou.

O primeiro-ministro dá sinal de que quer uma clarificação do pensamento dos juízes para resolver problemas de futuro, o que é diferente da aclaração que será pedida pela Assembleia da República sobre o mais recente acórdão, que incide sobre a precisão do que já foi decidido. São dois planos distintos.

Passos Coelho reiterou que as medidas de substituição, para efeitos de equilíbrio orçamental, daquelas que foram declaradas inconstitucionais só poderão ser decididas pelo Governo em função da resposta ao pedido de aclaração que será enviado para o TC. Só assim, insistiu, o Governo poderá ultrapassar o “problema que está criado”. Até porque o executivo, insistiu, também está num estado de “incerteza” quanto a outras medidas que permanecem em apreciação no TC, como as normas do Orçamento Rectificativo que prevêem o alargamento da Contribuição Especial de Solidariedade e o aumento das contribuições para a ADSE e outros subsistemas de saúde.

O líder do Executivo afirmou querer saber qual é a “redução salarial admissível nos anos subsequentes”. Essa é uma das questões que ficou em aberto com o acórdão do TC que implica a reposição dos salários na função pública, sem os cortes.

Ao que o PÚBLICO apurou, no Governo é admitida a possibilidade, no limite, de inscrever os compromissos do Governo assumidos em torno da despesa salarial do Estado na proposta sobre a tabela salarial única na função pública. E obrigar a que o TC se pronuncie. Esta hipótese passaria pela obrigação de o Presidente da República pedir a fiscalização preventiva do diploma ao TC. Na prática, trata-se de forçar os juízes a pronunciarem-se sobre os compromissos de recuperação progressiva de salários na função pública e de pensões afectadas pela contribuição extraordinária de solidariedade assumidos no Documento de Estratégia Orçamental para os próximos anos e que é o instrumento por excelência de cumprimento do Tratado Orçamental.

Nas respostas do primeiro-ministro foi dado o tom da dramatização: o Governo não pode andar a “alterar o Orçamento a cada três meses" e é preciso dar estabilidade aos portugueses e investidores estrangeiros. E deixou um aviso: “O regime do escudo protector da troika acabou”, afirmou, para lembrar que o financiamento de Portugal dependerá agora da confiança que fizer por merecer dos mercados.

Apesar da dramatização, o cenário de eleições antecipadas parece afastado para já. À pergunta se admitia que o Governo não chegasse ao fim do mandato, Passos respondeu que o Governo tem dado provas de determinação e que isso não se alterou. “Os portugueses têm apreciado a determinação que temos tido para criar condições de estabilidade e essa determinação mantém-se”, afirmou.

Aclaração "forçada" pela maioria
O pedido de aclaração sobre o mais recente acórdão do TC vai seguir para o Palácio Ratton nesta-sexta-feira, numa decisão que foi "forçada" pela maioria parlamentar PSD/CDS. A decisão foi tomada depois de quatro horas de reunião da conferência de líderes. Trata-se de um pedido de esclarecimento, já que a figura da aclaração foi eliminada na revisão do código de processo civil por proposta da ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, que considerava o instrumento um “expediente dilatório”.

PS, PCP BE e PEV vão recorrer da decisão imposta pela maioria para plenário já nesta sexta-feira, embora a posição seja irreversível, já que PSD e CDS têm uma maioria de deputados. 

As bancadas da oposição consideram que esta iniciativa do primeiro-ministro de pedir um esclarecimento ao TC através do Parlamento foi uma "instrumentalização" deste órgão de soberania. Mas a reacção mais dura acabou por vir do PCP. O secretário-geral Jerónimo de Sousa pediu uma audiência ao Presidente da República para expor o que considera ser a "degradação da situação política e institucional" e anunciou a determinação em combater o propósito do Governo de "instrumentalização da Assembleia da Republica no processo de confrontação e desestabilização institucional". 

Pelo contrário, os líderes das bancadas da maioria defenderam a necessidade de esclarecimentos. Tanto Luís Montenegro, do PSD, como Nuno Magalhães, do CDS, se recusaram a falar sobre o cenário de haver uma recusa do TC em pronunciar-se. Mas o líder da bancada do PSD deixou um aviso: "O Tribunal Constitucional não irá fugir das suas responsabilidades [...] o Tribunal é competente para decidir e também é competente para esclarecer".

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