Governo conta que só uma dezena de câmaras precise já de apoio financeiro

Verbas da linha de emergência criada pelo Governo a par do Fundo de Apoio Municipal só podem servir para pagar salários, serviços essenciais assegurados pelas autarquias e prestações de dívidas.

Foto
A Câmara de Portimão está em ruptura financeira mas não decidiu ainda recorrer à linha de emergência Enric Vives-Rubio

Os presidentes das câmaras de Aveiro, Vila Nova de Poiares e Nazaré confirmaram nesta terça-feira que as suas autarquias vão recorrer à linha de emergência lançada pelo Governo no âmbito da instituição do Fundo de Apoio Municipal (FAM), cuja lei foi promulgada na véspera pelo Presidente da República. A presidente da Câmara de Portimão também reconheceu estar a ponderar recorrer a esta linha destinada aos municípios cuja situação financeira é aflitiva a ponto de poder pôr em causa o pagamento de salários a funcionários ou o assegurar de serviços essenciais às populações, como a iluminação pública ou os transportes e refeições escolares.

As verbas a solicitar ao fundo de emergência do FAM - um mecanismo estrutural de regularização das contas dos municípios - só poderão ser mesmo aplicadas naqueles fins, além do pagamento de dívidas vencidas no prazo do empréstimo. Por isso, esta linha de emergência não se destina a reequilibrar as contas das câmaras - para tanto existe o FAM propriamente dito -, mas tão só a garantir que estas autarquias “mantêm a cabeça à tona da água” e continuam a pagar aos funcionários e fornecedores de serviços imprescindíveis, nas palavras do secretário de Estado da Administração Local António Leitão Amaro. E só mesmo quem precisar já desse “balão de oxigénio” poderá a ele recorrer, reforça o governante que calcula que o número de autarquias que a ele venham a recorrer não chegue a uma dezena. Ou seja, que não chegue a metade do número de câmaras cuja situação de ruptura financeira as obrigue a recorrer ao FAM.

A Lei 53/2014, de 25 de Agosto, estabelece que as câmaras cuja dívida represente 300% ou mais da média das receitas dos três anos anteriores têm mesmo que recorrer ao FAM, e os seus presidentes correm o risco de perder o mandato se não o fizerem.

Segundo o Governo, são 19 os municípios que se encontram nesta situação (para outros 23 o recurso é apenas facultativo), mas nem todos têm desiquilíbrios “operacionais” mensais que as obriguem a recorrer já à linha de emergência, antecipando o empréstimo que mais tarde será incorporado no contrato a celebrar com o FAM.

É por isso que os presidentes das câmaras de Portimão e de Fornos de Algodres, que estão entre as autarquias com um passivo mais difícil de resolver, não sabem ainda se vão ou não ao fundo de emergência.

Tal como sucederá com o FAM propriamente dito, o recurso a verbas do fundo de emergência depende de candidatura à Direcção Geral das Autarquias Locais, do vistos dos secretários de Estado da Aministração Local e do Tesouro e do visto do Tribunal de Contas. O processo, contudo, foi concebido para não demorar mais do que um mês. E Leitão Amaro adianta que, sem se pretender antecipar à promulgação do Presidente da República, tem vindo já acelerar este processo com os autarcas mais aflitos.

Quanto ao FAM propriamente dito, terá um capital de 650 milhões de euros, a assegurar equitativamente pela Administração Central e pelos municípios ao longo de sete anos. Todos os municípios são obrigados a participar no seu capital, na medida das suas possibilidades, em nome do princípio da solidariedade intermunicipal.

Apesar da designação bondosa do princípio, esta obrigatoriedade é tudo menos pacífica, sobretudo entre os municípios com contas sustentáveis, que consideram que o esforço que lhes vai ser pedido é injusto e passível de os desiquilibrar financeiramente. Ainda ontem o presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta, eleito pelo PS, declarou à Lusa que o seu município vai tentar contestar judicialmente a participação obrigatória no FAM. “Vai criar dificuldades acrescidas aos munícipes, porque é dinheiro que tiramos à parte social”, disse Basílio Horta, que continua “a manter a maior reserva” em relação ao FAM apesar do acordo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

Protestos
As negociações entre o Governo e a ANMP foram longas e o acordo final foi mal digerido por vários autarcas da área do PS e da esquerda em geral. O socialista José Maria Costa, presidente da Câmara de Viana do Castelo, chegou a protestar que a ANMP “não se devia ter posto de cócoras” perante o Governo e que a anuência final da associação ao FAM “não dignificou o Poder Local”.

O secretário de Estado Leitão Amaro, por seu lado, recorda que o PS acabou por se abster na votação em especialidade da lei, depois de o Governo ter passado a sua contribuição para o fundo de 30% para 50% e de ter dilatado o prazo de reunião do capital, de cinco para sete anos. O governante também alega que as contribuições dos municípios para o FAM não serão uma despesa, mas um investimento, uma vez que serão remuneradas à taxa de juro legal.

Tão ou mais difícel de convencer acerca do mérito do FAM é a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, cujo presidente, Manuel Reis Campos, considera “profundamente imoral” o facto de o FAM prevêr que os empresários que aceitem renegociar os créditos sobre os municípios sejam os primeiros a ser ressarcidos. Além de apresentarem uma proposta de programa de ajustamento financeiro e de terem que aumentar as suas recitas (impostos) para o máximo, as câmaras que recorrem ao FAM têm que tentar renegociar as dívidas com os credores. Os credores que aceitarem fazê-lo serão os primeiros a receber, quando chegar o dinheiro do FAM. “Os que não aceitarem, mantêm a posição contratual, porque o FAM é dinheiro novo”, argumenta Leitão Amaro.

Outro aspecto que se advinha polémico do processo do FAM é o facto de a ANMP, entre outra contrapartida para chegar a acordo com o Governo, ter reivindicado um programa de apoio às rescisões por mútuo acordo a apresentar aos trabalhadores municipais. O Sintap já veio esta terça-feira apelar aos municípios que venham a recorrer ao Fundo que não percam de vista que “os interesses dos trabalhadores e os serviços” por estes prestados aos munícipes devem ser considerados “tão importantes quanto o equilíbrio financeiro” das autarquias.

“Não deverão nunca ser nem os trabalhadores nem os cidadãos a pagar pelas restrições orçamentais e políticas erradas impostas pelo Governo e nem os primeiros prejudicados por algumas más opções e possíveis erros da gestão dos executivos autárquicos”, acrescenta o Sintap que já pediu reuniões ao presidente da ANMP e ao secretário de Estado do Poder Local para debater o assunto.

O FAM arranca apenas com uma comissão de acompanhamento constituída por representantes dos Ministérios do Desenvolvimento Regional e das Finanças, aos quais se juntarão os representantes dos municípios à medida que estes comecem a capitalizar o fundo. Os três elementos da comissão executiva do FAM deverão ser designados dentro de poucas semanas, assegura o secretário de estado das Autarquias Locais, acrescentando que a Direcção Geral das Autarquias Locais já tem instalações físicas prontas para acomodarem os gestores do fundo.

O recurso dos municípios ao FAM, além da renegociação com os credores e do aumento das receitas próprias, pressupõe a apresentação de um programa de ajustamento  - a entregar a partir de Setembro - cujo cumprimento é regularmente sujeito a avaliações das quais depende a libertação de novas tranches do empréstimo, num processo semelhante ao protagonizado pela troika em Portugal durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira.

 

Sugerir correcção
Comentar